a corpa lésbika

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Há um corpo especifico lesbico…
Um corpo que foge à mutilação heterossexual.
Não se nasce mulher: se constrói
à base de depilações, cirurgias, medicalizações,
regimes/esfomeamentos, violências, exposições
coisificação, hormonização (contraceptivos), maquiagens,
negações.
O corpo lésbico é uma incógnita:
é homem ou mulher?
Quê é esse ser que não se parece com coisa sequer?
Pêlos cobrindo seu corpo,
outro cheiro cobrindo seu corpo
mais ácido, instintivo, selvagem, extasiante
Um corpo que se move e atua
de modos talvez mais brutos, não melindrosos como os de antes
de andar mais desimpedido e seguro
Um corpo-presença que declara sua existência ao mundo.
As cabeças raspadas, os cabelos curtos, as sombrancelhas selvagens,
e modificações rituais: desenhos sobre a pele, alargadores às vezes, perfurações
reminiscências de amazonas tribais
Rituais estéticos da diferença.

Esse corpo que é um enigma nos consultórios,
esse corpo ingestionável para a medicina,
esses pés que pisam o chão,
esses corpos múltiplos e amedrontadores,
a carne não comedida na magreza,
corpo que ocupa e toma espaço publico,
corpo forte e orgulhoso
desacatando o mundo dos Homens
esse corpo libertado e alegre
em fúria, eufórico,
rindo-se enquanto corre do Patriarcado
escapado da sua escravidão.
O corpo confuso e confundido na rua
sem nome certo.
O corpo que se burla dos códigos dos Invasores
Das leis de gênero/casta sexual
O corpo passional
Nele late uma economia erotica radicalmente subversiva
Uma outra geografia de prazer
Mapeam-se outras ondas de gozo
gozos de liberdade e mutualidade com a outra
O corpo que carrega escrituras da resistência e da fuga
A corpa-existência lésbica que habitamos
que encarnamos carmicamente
deliciosamente, desafiadoramente
Corpa-rebeldia lésbica
Que inaugura um outro mundo.

(por Jan. Desenhos também)
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Jornada Autônoma da Visibilidade Lésbica

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29 de agosto é o dia da Visibilidade Lésbica. Em ocasião desta data, a Círcula de Reflexões Lesbafeministas convoca todas as sapatonas, fanchas, caminhoneiras, entendidas, lésbicas, bate-bolachas, cola-velcros, tesourinhas, tríbades e roçadeiras para um dia inteiro de atividades voltadas à celebração da nossa resistência, memória e rebeldia.
Se não nos fazemos visíveis, não existimos. A Visibilidade Lésbica que queremos é a visibilidade da nossa resistência enquanto mulheres rebeldes e em desacato constante à Supremacia Masculina. É dar a ver a existência lésbica à outras irmãs sapas para saibam o que são, que há outras como elas, que elas possuem um nome – Lésbicas – para que tomemos consciência da nossa condição política enquanto lésbicas: de que somos foragidas da Heterossexualidade Obrigatória enquanto regime de submissão das mulheres. Ao escapar da heterossexualidade não estamos apenas exercendo uma orientação sexual diferente, estamos ousando criar uma existência independente da aprovação masculina. 
Somente com mais e mais lésbicas visíveis nos fazemos fortes e acessíveis à outras lésbicas, agora talvez sozinhas. Visibilidade Lésbica é sobre nosso apoio-mútuo no enfrentamento da Lesbofobia, violência, heterossexismo. Somente com mais e mais lésbicas nas ruas e e todos demais espaços – políticos, simbólicos, nas artes, na literatura, na história – podemos crescer em numero e idéia para derrubar o sistema da supremacia masculina.
O Patriarcado (sistema da Dominação Masculina) trata de ocultar e reprimir as lésbicas porque esta é uma idéia perigosa para o poder dos homens, que depende da exploração das mulheres. Se todas mulheres se tornassem lésbicas hoje, derrubaríamos o Patriarcado. Lésbicas vem, durante os séculos, existido, mesmo perseguidas, mortas e torturadas, queimadas como bruxas, deportadas de seus países, trancafiadas em prisões ou hospitais psiquiátricos, excluídas, tendo que viver de forma escondida ou negando seu desejo. As lésbicas, antes de qualquer movimento feminista organizado, vêm vivendo de forma autônoma dos homens, muitas chegaram a morrer antes de negar sua paixão. Em homenagem àquelas que nos antecederam celebramos nossa consciência lésbica e a transmitimos às demais, lutamos para que mais e mais lésbicas, assim como todas as mulheres,  possam ser livres. 
Nossa proposta é recuperar os espaços e a culturas lésbica, num contexto em que estes estão sob ataque. Os espaços lésbicos e a palavra lésbica estão em desaparição, e isso se deve à lógica neoliberal que vem colonizando os movimentos sociais, dentre eles o lesbianismo e feminismo como movimentos políticos. Nossa Jornada se propôe a ser Autônoma em questionamento das lógicas mercantilistas, capitalistas, governistas, institucionais, academicistas, médicas, liberais, elitistas, racistas, anti-feministas e anti-lésbicas que vem tomando o movimento lésbico, chegando a apagar até mesmo a palavra ‘lésbica’ destes, trocando por termos como ‘les-bi’ ou ‘queer’, “LBGT”, e outros. Queremos espaços específicos e exclusivos de lésbicas para nossas demandas. Queremos pensar em alternativas autogestivas para nossa comunidade que saia do modelo de ‘políticas públicas’ e de pedir coisas ao Estado, que consideramos Patriarcal, Racista e Capitalista. Não queremos que o sistema assimile a Revolta Lésbica. Queremos incitá-la para revolucionar este mundo!
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PROGRAMAÇÃO
10h: oficina de autodefesa lesbika para reflexão e enfrentamento à violência masculina (10h-12h)
12h: almoça beneficente vegana – livre de exploração animal!
13h: roda de conversa sobre visibilidade lesbica, resistência e invisibilidade de lesbicas negras, pobres, mães, presas, imigrantes, gordas, deficientes…
15h30: curta “Meu Mundo é Esse” de Márcia Cabral, sobre lésbicas negras. 
16h: oficina de saúde e ginecologia auto-gestionada para lesbikas – Lesbofobia na saúde, medicalização e heterossexualização das corpas lésbicas e estratégias de autonomia.
17h30. Sarau Lésbico. Traga suas escritas ou de autoras que você goste!
19h às 22h. Apresentações Culturais.
    Luana Hansen 
    Mc Lua
   exposições e apresentações artísticas 
   
* Mostra fotográfica sobre cotidianidade das lésbicas, Giovana Pellin.
* Exposições de ilustrações com temática sapatão (Traga sua arte e participe também!).
* Apresentação artística “malabarima” por raposa.
* Vai ter FEIRINHA LIVRE de materiais lésbicos: camisetas, bottons, zines, patchs, chaveiros, colares de labrys, copinhos menstruais, comidinhas veganas… Em apoio à autogestão das lésbikas e suas atividades subversivas!
Traga sua banquinha também caso também produza  artesanato. 
Nos somamos a campanha de arrecadação de absorventes para presas. Se puder traga absorventes externos descartáveis que estaremos recolhendo!
* Mães lésbicas: haverá uma ciranda durante o evento para ficar com as suas crianças.
* Este espaço pretende ser inclusivo a todo tipo de lésbicas. Se você tem alguma demanda para facilitar o acesso a este espaço, escreva para circula.lesbafeminista@riseup.net 
* Para quem for almoçar no local: vamos realizar uma almoça vegana, com contribuição de 7 reais, para apoiar atividades lesbafeministas. Não é obrigatório participar na almoça se você quiser trazer seu lanche. Se você não puder pagar este valor converse com a organização e combinamos.
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Onde: CICAS – Centro Independente de Cultura Alternativa e Social
Avenida do Poeta, 740 – Jardim Julieta Terminal de Cargas Fernão Dias
Quando: 30 de agosto, domingo.
Como chegar: do metro Belém (linha vermelha) pegar ônibus 172R-10 Jaçanã, descer na praça Carlos Koseritz. O CICAS fica no meio da praça. Caso haja dúvidas, basta perguntar às pessoas do bairro pois o centro é conhecido na comunidade!
(tem ônibus que vem também do Tatuapé da linha vermelha, o 172J-10 Jardim Brasil na rua Enrique Sertorio, 101, descer na mesma praça acima, e da estação Tucuruvi da linha azul, na Avenida Nova Cantareira, 2475, o ônibus 1720-10 Jardim Guanca descer na Praça dos Sonhos da Menina).
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Por todas as lésbicas:
Negras, mães, periféricas, indígenas, imigrantes, deficientes, idosas, jovens, gordas, presas, assumidas e não-assumidas. Visíveis ou não. Por todas as lésbicas que resistem para existirem.
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contato: circula.lesbafeminista@riseup.net

A feminilidade e a nudez não consentida de nossas corpas radicais

A feminilidade é um sistema de tortura autoempregada extremamente violento e estrutural, parte do espectro da naturalização do conceito “mulher”. Seria no mínimo irônico se não fosse trágico o fato de esse enquadramento ser, no fim, a coisa mais antinatural em todos os sentidos, porque artificializa todos os aspectos da existência das mulheres: criando uma estrutura psíquica debilitada, plastificando suas corpas por completo sob um olhar racista, pedófilo, pornográfico e fetichista, aniquilando a significação positiva da solidão, impondo um sentido hegemônico para uma diversidade de corpas e vivências, sabotando o prazer e a autonomia das mulheres, romantizando a submissão e erotizando a dor e a brutalidade.

E para a lésbica é este um dos fenômenos que a leva a apreender outro tipo de autoflagelo: o ódio internalizado por si mesma, por sua corpa que não se enquadra nas caixas apertadas do processo de feminilização. Não necessariamente pela lésbica nutrir o desejo de aceitação através do enquadramento, mas pelo fato de enxergar com clareza que está à margem da sociedade.

Florescendo as características selvagens que levamos em nossas corpas, rejeitamos o padrão que impõe que devemos manter corpos e comportamentos infantis, e permitimos que nossos pelos cresçam. Em repúdio à indústria estética – que além de transformar as mulheres em bonecas e produtos para associá-las ao consumo masculino, explora animais e desperdiça recursos naturais como parte de seu processo lucrativo – negamos a máscara compulsória da maquiagem e dos produtos de desespero por características que não são nossas; dentre todos os aspectos de nossa existência lésbica, que já nos leva a rejeitar por completo a cultura que romantiza e absolve o macho de seu comportamento hierárquico inerente, bem como qualquer possibilidade de acesso à afetividade íntima e às nossas corpas, somos identificadas e posicionadas pelo olhar heteronormativo como as que estão e devem continuar marginalizadas. Somos uma ameaça. E esse deslocamento ocorre não só nos meios bem dentro da burocracia do sistema (lesbofobia institucional) como generalizadamente.

Por isso, presenciar a situação do padrão branco heterocentrado de feminilização é desgastante, porque ao enquadramento da HT segue-se a exclusão da lésbica, afinal está a própria normatizada sustentando a relação de poder, por reproduzir sistematicamente o discurso e o olhar que intenta provocar-nos uma sensação de nudez não consentida, de inadequação por estarmos existindo e nos locomovendo com corpas autoconscientes. Trata-se de mais uma das situações em que a corpa lésbica paira sem terra. Tal isolamento é uma forma de violência, e é essencial para a saúde das lésbicas a disposição para a desconstrução de tudo o que é bebido em fonte patriarcal e a manutenção de espaços de convivência.

!Vida longa ao sapatonismo radical!

 

– raposa

Corpa trancada em natural, Corpa ofendida pelo discurso banalizado

Um dos processos mais violentos da estrutura opressora do patriarcado é a possibilidade de distorção e eufemização do que é percebido visceralmente como nocivo pela corpa declarada sua arqui-inimiga: a lésbica. O recorrente discurso naturalizante (políticas queer/pensamento pós-moderno) combinado com a superficialização do intrínseco político que há no ser lésbico são duas faces de uma mesma moeda, de um jogo de silenciamento que tem como função tornar invisível a experiência que trucida a lógica heterossexualista e fascista do patriarcado: a experiência da lesbiandade, além de, é claro, prejudicar a existência lésbica.

Essencializar a vivência é uma tática óbvia para impossibilitar as mulheres de se identificarem com outras mulheres integralmente e escapar, inclusive, à própria categoria mulher, este ser construído a estar passível de toda sorte de violência; é este o backlash fantasiado de “cientificização” afim de tirar-nos a possibilidade de questionar a heterossexualidade como regime compulsório e de rejeitar esta vivência por desconstrução e como decisão política existencial, afinal “nascemos assim”. Faça-se apenas uma simples pergunta: como se considerar NATURALMENTE heterossexual numa sociedade em que a heterossexualidade é compulsória?

A naturalização da heterossexualidade é uma violência contra nossas corpas por vir carregada de inúmeras táticas de coerção. Pensar este fenômeno como simplesmente contato-relação entre dois seres-bolha é a chave de ouro do patriarcado, pois é aí que se ignora todo o processo social-político-cultural-psicológico que sustenta a relação de poder da classe dos homens sobre as mulheres e fomenta uma sociedade extremamente nociva às lésbicas.

É recorrente, por outro lado, a banalização da radicalidade lésbica e da identificação de nossas corpas num processo político que rola por conta da distorção, ou talvez falta de profundidade no que se entende como escolha, e escolha político-existencial. Talvez por vivermos na lógica do consumo tenhamos também a tendência de objetificar a experiência a ponto de descrevermos nossa escolha pela ótica dum tremendo imediatismo, sem levar em conta o fato de que a lesbianidade não é uma camisa que se veste da noite para o dia sob o lema “agora serei lésbica porque faz sentido para mim”. Não se trata de uma escolha tão deliberada, nossa sexualidade não é um produto, trata-se de um desenrolar de percepções, com toda a certeza, trata-se de um processo de conscientização, trata-se de um mergulho em incontáveis desconstruções e na vivência, inclusive, de enxergar que as ferramentas de tortura do patriarcado são muito maiores do que poderíamos imaginar antes da retomada de nossas corpas (à lesbianidade).

Ser lésbica é abrir os horizontes para notar a toxicidade deste regime em que vivemos, a violência com que atinge nossa saúde psicológica, física, afetiva e social, a hierarquia com que contamina as relações, a linguagem e a dinâmica da comunicação entre as corpas e permitir-se uma forma alternativa da vivência prática cotidiana: a da resistência e existência lésbica.

 

– raposa.