(sem título) 3/11/09

calma mana

eu sei ki tá foda mas

nos somos sobreviventes de violência até o fim
são marcas ke tão no nosso corpo
se não ficar como trauma vai ficar no subconsciente
mas agente é bicho faz parte da natureza
então minha amiga agente pode se regenerar
pô meu mó vida sofrida
que agente carrega ancestralmente
mesmo como pessoa branca a caça as bruxas é uma grande prova
histórica da misoginia patriarcal europeia
as preta então é pesado demais  tem história de sequestro
colonização escravidão estupro misigenação na América
a nos carregamos isso
mas quero carregar como argumento antipatriarcal e transformar a dor
que eles infligiram sobre nossos corpos em luta
porque não queremos mais ser servas, nem esposas nem escravas
queremos viver como lésbikas punkAs sem pátria nem patrão
minha mátria é onde tiver mulheres
então me ligo a não pelo território ou pela língua
mas pela sororidade
é muito importante agente adquirir autonomia

pra nossas namoradas

e amigas não serem nossas mães igual você falou
mas agente é irmã e também como forma de carinho
e não de dependência
queremos ser cuidadas
agente precisa sair do isolamento que a grande metrópole impõe
e pra se fortalecer e superviver construir uma comunidade afetiva
na moral
o patriarcado acabou com minha relação
porque me machucou a vida toda
eu machuquei ela
e o patriarcdao machucou ela
e agente não consegue mais
compartilhar prazer
porque agente é ferida viva
eu me cobri de palhas então quase ninguém vê
as chagas abertas
mas quando agente vai dormir eu
preciso tirar
e ela me vê como sou
e começo a contar piadas pra ver seu sorrisso
iluminar a escuridão do quarto
dai eu começo a falar de tudo que me apaixona
pra ela saber que sou capaz de amar
mas elas ardem
já a minha linda
não consegue se esconder tá doendo e pronto
tava doendo tanto que quando que abracei
ela
sentiu tudo dolorido
eu sonhei ter um amor eterno
como pede a propriedade privada patriarcal

essa tristeza ki eu tô sentindo vem dai do sistema

mas ai na real
somos bruxas
tenho uma matriarca preta dentro de mim
é minha ancestral
ela me guia ilumina minha caminhada
em busca de rodas
onde eu possa sentir a essência do tribal
e nunca deixa eu cortar os pulsos

a vida do planeta ki está aqui e bilhões de anos
é mutável

a vida é tipo igual a roda de capoeira angola
saca
tem começo meio e fim
é isso mesmo
sou amazona em fúria
e o amor mais longo que eu posso ter é
o amor próprio é me cuidando que cuido da minha comunidade
amor próprio é espada e escudo

meu e da sororodade
eu vi vc tão feliz no rolê das sapatão

seus olhos brilhavam em vários momentos

eu curti muito também

eu sem querer fiz elas rirem
e descobri dores incomum
acho que se pá é assim que eu vou curar
a solidão lésbika
não dentro de um casamento mas na coletividade com as irmãs
da hora quero continuar
e se pá estender pra fazer
contra-cultura lésbika
pra gente ter mais e mais espaços de socialização antimercantilista
valeu mana
sapatão é noiz
por FORMIGA

livreto EU-LESBIKA por FORMIGA

EU-LÉBIKA é um livreto de poesias, que inspirado da ideia faça você mesma tem formato de fanzine. São 14 poesias de sobrevivência favelada, uma KOR-pa miscigenada que só consegue resistir reivindicando negritude por de rebeldia afropunk, na qual o pogo é a própria ginga. Em nome de uma sororidade feminista gravada em memória afetiva, denuncia mazelas sofrida por mulheres-irmãs. Ousando vociferar nas ruas a paixão lésbica, além de um ato de profundo ginoafeto e desmisogizanação, é uma ação direta antipatriarcal. Vem afirmar por meio das rimas, como um tambor-coração conectado com a ancestralidade, que o pessoal é político!

(resenha por formiga)
manas
próximos lançamentos: Feira do livro anarquista de SP, Festival de Filme Anarquista e Punk de SP.
pontos de venda: festas desamélia, feyras limdas, círculo de reflexões lesbafeministas, contato direto com autora ou com a editora.Também se tiver interesse em adquirir, pode comentar nessa postagem ou escrever para heresia.lesbica@riseup.net
10665353_1632076967019135_1867595829204231205_n

Repetição

 

Moradora do Condomínio, uma favela no fundão do Jardim Ângela que fica exatamente no jardim Vera Cruz, é onde mora Paulão. Paulão só tinha até a oitava série por isso ganhava a vida construindo casas. O serviço era registrado em carteira de trabalho, mas Paulão sonhava com mais, sonhava em não ter patrão sonhava com autonomia. Então largou tudo e foi trabalhar com vendas ambulantes.

Camiseta listrada, bermuda, rabo de cavalo baixo preso pelo boné, com essa vestimenta foi para o centro da cidade de São Paulo, em frente a galeria do rock vender seus materiais:  cd´s com gravações em mp3 de discografia de diversos artistas. As dez da manhã chegam a primeira cliente e fala:

– Oi, você tem Siouxie And The Banshees?

– Não. Mas acho que você vai curtir esse som aqui ó: Joy Division.

A freguesa se empolga e compra e compras as discografias da The Cure, The Smiths e New Order. E Paulão faz vinte reais na primeira venda. Logo depois chega seu melhor amigo e concorrente o Igor. Juntos eles vendem diversos cd´s em MP3 de músicas de rap, MPB, mas a especialidade dos dois é mesmo o rock, por isso a escolha deste ponto. Duas da tarde foram almoçar em um restaurante que serve prato feito na av. Ipiranga, porque é o mais barato da região, custa sete reais e cinquenta centavos. No prato feito tinha arroz, feijão, ovo salada e até batata frita. Logo depois do almoço seguem para a praça ramos e acendem um baseado. Encontram por acaso Daiane, uma lésbica que trabalhava de operadora de telemarketing na Rua Dom José de Barros.

– E ai, como vocês estão?

– Tudo bom! Tenho uma novidade, meu eu virei camelô, to vendendo cd de mp3 da uma olhada aí

– To bom me mostra só os de rap

– Ta aqui ó

– Pronto já escolhi: Facção Central.

– Beleza, fica $5,00

– Ta na mão.

Paulão e Igor se despedem de Daiane e voltam para frente da galeria do rock e expõe seu material de trabalho. Quando de repente alguém grita:

– Olha o rapa! Olha o rapa! Olha o rapa!

Nem dá tempo de correr a polícia chega e enquadra os dois e Paulão diz:

– Aí não! Tem que ser feminina pra me revistar!

O policial sarcástico pergunta:

– Ué, você é homem ou mulher?

Com muita raiva de pertencer ao gênero feminino, por perceber a desigualdade com que é tratada, mas transmitindo calma, Paulão afirma:

– Sou mulher!

Não tarda a chegada da policia militar feminina. Pedem as notas fiscais dos cd´s e como não tem a policia apreende o material dos dois amigos vendedores ambulantes.

Com um sentimento de revolta misturado com impotência frustração e melancolia, Paulão volta ao extremo sul de São Paulo. Pede carona em um ônibus até o jardim Ângela e depois pede carona novamente até o jardim Vera Cruz. Quando desce no ponto de ônibus já ouve o som do funk proibidão estrondando, mas sabe que hoje não é dia de baile. Rumo ao seu lar, avista sua namorada Jessica com um grupo de amigas, passa e cumprimenta todas com um beijo no rosto e logo vai para a casa. Virou a esquerda, à direita e a esquerda de novo. Em frente ao córrego fica a porta de seu barraco. Quando entra avista único cômodo limpo e arrumado, sente que precisa relaxar e manter a calma. Só quer se desligar da realidade um minuto. Enquanto come assiste televisão.

Jessica chega em sua casa beija e abraça sua amada e Paulão lembra o doce da vida… E diz:

– Preciso te contar o que aconteceu

– Então fala

– Eu saí do serviço e fui trabalhar de camelô e ai a PM levou meu material hoje.

– Você o que?! Meu você enlouqueceu! Como assim largar um trampo firmeza pra ser camelô? Você ta doida!

– Eu não quero falar dos meus motivo agora

– Foi a pior merda que você fez, você não devia ter feito isso!

– Já falei eu não quero mais falar disso

– E agora, como agente vai pagar as contas, você não devia ter feito isso porra!

Paulão, irada grita:

– Chega! Não vou mais falar disso agora!

Paulão sabia que Jessica ia reagir assim, mas esperava dela um pouco mais de compreensão. Ela estava muito brava, bateu a porta do barraco e foi em direção ao bar do seu João. Não bebeu nada aquela noite, só assistiu os resultados dos jogos de futebol na última rodada, necessitava apenas de um lugar para esfriar a cabeça. Jessica foi tomar banho, muito preocupada com as contas a pagar, o mais imprescindível era o aluguel do barraco. Se qualquer coisa desse errado em sua vida de casal, Paulão poderia voltar a morar com a família, Jessica não.  Quando a mãe de Jessica descobriu que ela namorava com Paulão  ela levou uma surra tão grande que ficou roxa um mês, jogou suas coisas na rua e disse que não aceita dentro de casa filha sapatão.

Paulão chegou a sua residência viu Jessica só de toalha e decidiu se banhar também. Assim que terminou o banho se deitou ao lado de Jessica. O aroma que a nega exalava a hipnotizava queria ficar mais perto, mas depois daquela discussão receou-se. Seu instinto deu coragem e usou palavras pra mostrar sua vontade:

– Fica comigo?

– Não to afim!

Paulão abraçou Jessica de conchinha e insistiu ao pé do ouvido:

– Vamo gata aproveitar essa noite que na vida tudo passa

– Não quero to menstruada

– Eu não ligo te curto de qualquer jeito amor

Jessica já não tinha mais voz pra dizer não, apesar de seu corpo todo se opor, foi beijada. Paulão adorava suas curvas se deliciava com a maciez da pele a fragrância e a nudez ofertava a pujança que instigavam ter aquela mulher em suas mãos…

Satisfeito seu ego mais do que seu desejo Paulão, ao amanhecer foi dormir com o eco da voz que mais lhe condenou no dia anterior. Jessica gozou e antes de adormecer tinha certeza absoluta de que não queria ter transado aquela noite.

 

 

 

Por FORMIGA