Nenhuma lésbica a menos! Luana Barbosa, Sarah Hegazi, Nicole Saavedra vivem na luta!

As histórias de vidas de lésbicas potentes interrompidas pelo lesboódio não podem simplesmente sofrer o segundo lesbocídio simbólico de se tornarem notícias de tablóides, estatísticas de lesbocídio para endossar pesquisas que clamem ao Estado reconhecimento, ou nomes citados em jograis na rua, mas sem substância. Precisamos relembrar suas vidas, mantê-las vivas por meio da luta, fazer vingança e justiça por meio da rebeldia e resistência lésbicas. Precisamos entrar em um contato mais profundo com suas narrativas.

Por isso, em função da agitação pelos 3 anos do lesbocídio da sapatão butch chilena Nicole Saavedra ocorrido no mesmo ano que Luana Barbosa dos Reis, em função do suicídio da ativista egípcia exilada política por motivo de lesboódio no Canadá, Sarah Hegazi, justo na semana de consciência sobre a condição de pessoas refugiadas no mundo, e em memória a Luana Barbosa dos Reis, lésbica negra caminhoneira, mãe, negra, poetisa, ex-presa, morta por lesboódio e racismo das forças policiais genocidas do Estado bra$ileiro e juntando à agitação do “Vidas Negras Importam” contra o genocídio policial da juventude negra, estamos trazendo a vocês três escritos que buscaram ficar mais próximos da vida dessas lésbicas. Lembramos que as únicas que levaram a frente o caso de Luana Barbosa à visibilidade pública foram as lésbicas. Nem feministas nem o movimento negro deram tanta repercussão, como por exemplo podemos ver com a adesão dos movimentos sociais à liberdade de Rafael Braga.

Todas elas têm em comum terem sido mortas por serem lésbicas, ou seja, por sua insubordinação ao poder dos homens num mundo que odeia mulheres e mais ainda, mulheres que não estão acessíveis a classe dos homens e não vestem as marcas de casta sexual designada à nós: a feminilidade.

Frente à violência masculina vemos o separatismo lésbico e autogestão das nossas comunidades como a resposta, fortalecendo o processo de construção de comunidades lésbicas plurais, anti-racistas e anti-capitalistas, ecologistas e de nossa própria cultura.

Por Marielle Franco e tantas outras que ainda falaremos, pelo fim das prisões e pela destruição do regime heterossexual. Sapatonas insubmissas, presentes, agora e sempre!

Quem esquece das Mortas

Quem esquece das Presas

Esquece da Luta

Que nossa Memória

Construa Rebeldia

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Luana Barbosa dos Reis: “Luana era uma lésbica fantástica, combativa, corajosa! Cresceu entre mulheres numa época crítica para as periferias de São Paulo, especialmente para as meninas: os anos 90. Cresceu presenciando o que se vive como menina nesse contexto, convivendo com mulheres cujas histórias eram trágicas: filhos que faleciam um a um no tráfico, assassinados pela polícia, maridos e parentes que as violentavam, espancavam, abusavam (…) Mas ainda assim, com uma grande admiração pelo apoio, sem a mínima referência de feminismo ou teorias, que as mulheres eram capazes de dar uma à outra nessa trajetória. (…) Luana, então, cresceu com um espírito convicto de autodefesa e de se impor no mundo. Queria EXISTIR! Ela escrevia, era artista: desenhava, gostava de ler, de poesia, gostava de arte, era uma pessoa que amava abrir novos horizontes e amava criar. Uma potência tão grande que se rebelou, que se aliou a gangues de mulheres, que confrontava os homens na rua, que não permitia que sua existência fosse apagada e sufocada pela violência masculina ou alheia”. Leia mais em: https://filosofialesbica-blog.tumblr.com/post/172316222390/luana-barbosa-presente

Nicole Saavedra Bahamontes: “nicole saavedra bahamondes, nascida em 9 de agosto de 1992, era uma lésbica que vivia em el melon, zona rural de limache, na quinta região do chile. filha mais nova de uma família pobre, nicole era estudante e estava há um semestre de formar-se como técnica em prevenção de risco laboral, no instituto de quillota. sua prima, maría bahamondes, relata que nicole escolheu estudar em quillota, há 18 km de el melon, porque lá tinha uma rede de amigas e amigos, e também porque sentia-se mais cômoda fora da comuna rural em que vivia, onde sofria ataques lesbofóbicos pelo menos desde os 14 anos, principalmente pelo fato de que era uma lésbica caminhoneira (que não performava feminilidade). maría menciona, inclusive, que aos 16 anos nicole foi assediada e perseguida por um grupo de homens que dizia que iam “torná-la mulher”. finalmente, aos 23 anos, ela foi sequestrada, torturada, abusada e espancada até a morte por ser lésbica, por ser caminhão, por não esconder sua sexualidade.” leia mais em: https://medium.com/@acrciavioleta/nicole-saavedra-bahamondes-nascida-em-9-de-agosto-de-1992-era-uma-l%C3%A9sbica-que-vivia-em-el-melon-98defc1c7c3b

 

Sarah Hegazi: “Na semana de conscientização sobre a situação de pessoas refugiadas no mundo  ficamos sabendo da perda de mais uma vida lésbica: Sarah Hegazi, ativista lésbica egípcia refugiada no Canadá por motivo de lesboódio do Estado egípcio, comete suicídio. Por informações que coletei isso teria ocorrido no dia 14 de Junho. Sarah tinha 30 anos de idade. Hegazi era uma lésbica socialista e feminista. Trabalhava como desenvolvedora de software, uma área também desafiadora para mulheres. Sarah era uma revolucionária socialista presente na revolução egípcia durante a Primavera Árabe, e dava palestras sobre as revoluções no mundo árabe. Uma lésbica butch pelo que podemos perceber, sem performance de feminilidade, que deixou o hijab e dizia-se abertamente de esquerda e crítica da violência estatal, uma brava mulher corajosa e inteligente. Seus pais ficaram sabendo que era lésbica após o incidente que iria marcar sua vida: a perseguição e detenção de dezenas de lésbicas e gays egípcios por ocasião do show da banda libanesa Mashrou’ Leila por hastear a bandeira LGBT num país onde a homossexualidade é fortemente criminalizada e perseguida. 56 pessoas foram presas depois dessa ocasião.” https://medium.com/@lesbikapensante/sarah-hegazi-presente-o-drama-das-mulheres-eg%C3%ADpcias-e-a-situa%C3%A7%C3%A3o-de-l%C3%A9sbicas-refugiadas-no-mundo-79b88d0f38a5

 

Nicole Saavedra Bahamondes presente! Nenhuma lésbica a menos!

(por mugra)

nicole saavedra bahamondes, nascida em 9 de agosto de 1992, era uma lésbica que vivia em el melon, zona rural de limache, na quinta região do chile. filha mais nova de uma família pobre, nicole era estudante e estava há um semestre de formar-se como técnica em prevenção de risco laboral, no instituto de quillota. sua prima, maría bahamondes, relata que nicole escolheu estudar em quillota, há 18 km de el melon, porque lá tinha uma rede de amigas e amigos, e também porque sentia-se mais cômoda fora da comuna rural em que vivia, onde sofria ataques lesbofóbicos pelo menos desde os 14 anos, principalmente pelo fato de que era uma lésbica caminhoneira (que não performava feminilidade). maría menciona, inclusive, que aos 16 anos nicole foi assediada e perseguida por um grupo de homens que dizia que iam “torná-la mulher”. finalmente, aos 23 anos, ela foi sequestrada, torturada, abusada e espancada até a morte por ser lésbica, por ser caminhão, por não esconder sua sexualidade.

nicole foi vista com vida pela última vez na manhã do dia 18 de junho de 2016, na comuna de la cruz, onde depois de uma noite de festa com suas amigas, caminhou até um paradeiro para esperar o ônibus que lhe levaria de volta pra casa. ela nunca chegou. depois de uma semana desaparecida, seu corpo foi encontrado no cerro los aromos, há 40 minutos de distância de el melon, com as mãos amarradas e apresentando sinais de tortura física e violação sexual; a autopsia confirmou que sua morte ocorreu devido a “múltiplas faturas no crânio”.

juan emilio gática, primeiro delegado responsável pelo caso de nicole, mostrou enorme incompetência desde o princípio das investigações – negando-se, por exemplo, a analisar o caso desde a perspectiva de crime de ódio, de lesbocídio. cabe dizer também que a delegacia de limache nem sequer fez uma busca por nicole quando a família informou seu desaparecimento; o corpo foi encontrado aleatoriamente, quando um grupo de trabalhadores que estava recorrendo o local. a família de nicole exigiu a retirada do delegado juan emilio gática do caso, o que lograram depois de quase dois anos de má-vontade. o caso passou a ser administrado pela delegacia de quillota, já na região de valparaíso. ainda ocorreram mais três alterações no comando da investigação, até que em outubro de 2019, mais de três anos após seu assassinato, o estuprador lesbocida victor alejandro pulgar vidal foi formalmente indiciado. ele era motorista do ônibus que percorria o trecho la cruz-el melon, e o celular de nicole foi localizado em posse de uma parente sua. à altura da descoberta, victor pulgar já estava cumprindo pena pelo estupro de duas menores de idade.

é importante sinalizar que durante esses quatro anos, desde que perdemos nicole, o apoio de coletivos e individualidades lesbofeministas foi crucial tanto para a visilidade do caso, quanto para o apoio emocional da família – principalmente de olga, mãe, e maría, prima, que corajosamente encabeçaram a luta judicial para encontrar o assassino lesbofóbico.

as fotos que ilustram o texto são de um cerimonial organizado em memória de nicole aos 3 anos de seu assassinato, onde compareceram suas amigas/amigos e ativistas lésbicas e feministas, além de familiares. “só quero agradecer-lhes por estarem aqui. se não me veem chorar, é porque já não tenho lágrimas”, disse olga, sua mãe, dirigindo-se às solidárias presentes. nessa ocasião suas amigas construíram um altar em memória de nicole, com algumas de suas coisas favoritas: água, ervas medicinais, vinho, instrumentos musicais, plantas, uma pegada impressa por seu cachorro gastón, incensos, palo santo, e sua manta favorita.

ainda cabe dizer que além de nicole, outras lésbicas foram assassinadas nessa mesma região: maría pía castro, 19 anos (2008), e susana sanhueza, 22 anos (2019). que não deixemos nossas mortas esquecidas; que nossa memória construa rebeldia.

 

 

Ato da Visibilidade Lésbica 2019 – 3 Anos sem Luana Barbosa. Párem de nos matar!

O Ato da Visibilidade foi puxado espontaneamente e descentralizadamente este ano, sem figuras protagonizando. Especialmente liderado pelas mulheres negras com o bloco Siga Bem, no começo fechava a avenida toda até um grande contingente de policiais aparecer para intimidar o ato que parecia querer disputar com a própria marcha. Foram puxados jograis sobre lesbocídio e lembrando as caídas, Luana Barbosa, Marielle Franco e tantas outras… presentes! Também palavras de ordem. “Hey mulher vire Sapatão o homem é machista e ele não vai mudar não” e outros clássicos sustentados por uma bateria ruidosa. Lésbicas radicais auto-convocadas produziram cartazes apresentando idéias mais separatistas e ecologistas.