Quarentena Lesbofeminista – grupo de leituras online de teorias lésbicas

Enquanto presenciamos a derrocada do patriarcado e o desenrolar do caos completo decorrente das necropolíticas ecocidas masculinas, do qual um vírus é somente uma das consequências, nós lésbicas radicais precisamos mais do que nunca criar territórios aquém e além da realidade masculina, deixando para trás definitivamente a normalidade heterossexista.

Convidamos todas as lésbicas interessadas a participarem da Quarentena Lesbofeminista – grupo online de leitura de teorias lésbicas. É um convite a explorarmos a potência do pensamento lésbico vital e sem amarras.

O isolamento social por conta da covid-19 nos obriga a ficar em casa, ou a reduzir nossa vida social. Mas para nós lésbicas a domesticidade, outrora desprezada, tem significado a redescoberta de uma liberdade, por fora da hostilidade do mundo externo masculino. Homens definiram o mundo público como o espaço da real-política, nós acreditamos no valor do íntimo, pois é na privacidade feminina que podemos confabular resistências e imaginar a reinvenção da vida longe das vistas do patriarcado.

Afirmemos a quarentena como oportunidade de nos retirar de vez: deixemos lá fora o vírus e a ordem simbólica masculina. A pandemia de coronavírus é expressão do fracasso do patriarcado. É agora mais que nunca a oportunidade de renegar seu mundo.

Convidamos as lésbicas a usarmos criativamente esse espaço potente que é a interioridade: ressignifiquemos desde um olhar sapatão como local de criatividade, prazer, autocuidado, crescimento pessoal e intelectual, ginoafeto virtual. E para aquelas de nós obrigadas a permanecerem isoladas com pessoas perpetuadoras de lesbo-ódio, é hora de apostar na criação de redes e de conexões e no poder da palavra entre mulheres. Estaremos criando ordem simbólica lesbiana e apreciação das nossas genealogias, aprendendo do pensamento autônomo de mulheres, por meio de encontros virtuais que recuperam a coletividade entre sapatonas para além das falsas fronteiras machistas que nos dividem.

Deixemos o mundo dos homens, suas políticas e problemas de fora. Essa crise não é nossa. Que mundo podem as lésbicas criar?


Os encontros ocorrerão por meio de videochamada em grupo a cada 15 dias na plataforma jitsi, escolhida por ser online e segura. O link da reunião virtual será enviado por e-mail às registradas. Este primeiro encontro ocorrerá dia 10 de maio (domingo) consistindo na leitura do texto de Susan Hawthorne “A Despolitização da Cultura Lésbica” – o pdf está em anexo na página e também está o texto para visualização online na página.

Por motivos de segurança contra a violência masculina (que pode ser física e virtual) pedimos que responda o formulário de registro.

Dúvidas escrever a: memorialesbicas@gmail.com

Uma perspectiva crítica sobre o escrachamento de lésbicas

Um ensaio novamente sobre a questão do punitivismo e escracho como maltrato de lésbicas e a examinação das raízes na Misoginia da sua inspiração nas éticas de uma sociedade penal, mantendo que as práticas punitivistas servem a um propósito mais de controle social que de justiça e transformação profunda de um tema. Novamente dedico-me a tarefa de expôr minha oposição à destruição desumanizante e malignizante de alguém, como imperativo ético lésbico-feminista.

Baixe a versão em pdf: O Apedrejamento de Lésbicas

O Apedrejamento de Lésbicas

por Jan. hembrista@riseup.net

“Apedrejamento, ou lapidação, é um método de punição onde um grupo joga pedras numa pessoa até que ela morra. Nenhum indivíduo do grupo pode ser identificado como aquele que mata o sujeito (…) Mais lento que outras formas de execução, a lapidação dentro do contexto da cultura ocidental contemporânea é considerada uma forma de execução por tortura.” (https://en.wikipedia.org/wiki/Stoni…)

     O apedrejamento constituiu-se na cultura popular como um símbolo, um arquétipo. O apedrejamento ocorre há muitos séculos, ocorreu em muitas culturas, e ainda existe contra todos apêlos dos Direitos Humanos por sua abolição. Foi a primeira forma de queima das bruxas. A mulher apedrejada até a morte, acusada de uma insubmissão à ordem patriarcal. A mulher acusada de adultério é como a mulher acusada de bruxa: ela é acusada de trair, de repente, uma cultura, a cultura masculina. Talvez pela forma que ela se portasse, por sua insubmissão, ou por ação de uma subjetividade masculina que, num funcionamento psíquico paranóico, delirasse nela uma ameaça, o que nunca foi muito difícil em se tratando das fantasias de castração em torno ao feminino que motivam a misoginia que nasce do imaginário masculino. O arquétipo é tão forte que ele se tornou uma frase de conhecimento popular retirada da literatura bíblica: quem nunca pecou que atire a primeira pedra, disse-se quando Maria Madalena estava condenada a ser apedrejada por prostituição ou pelo que parece que consta na bíblica, acusada de possuir 7 demônios em si. A relação com o demoníaco e a sombra, a demonização, seriam primórdios das acusações às bruxas? Repete-se também a questão de controle do corpo, da sexualidade, de que essa sexualidade pertence ao homem. Talvez, assim como as bruxas, a maioria dessas mulheres apedrejadas fossem lésbicas.

     Eu trago essa reflexão sobre apedrejamento porque quero pensar sobre os linchamentos morais no movimento feminista. A prática do rumor[1], as acusações falsas, o trashing, a exposição, o public shaming [2]. O castigo em bodes expiatórios escolhidos para expiar nosso Mal, como legados do Patriarcado, legados da misoginia mais ancestral que nos habita.

     O apedrejamento é universal. Ele existe de forma simbólica, como prática de Misoginia, e é uma programação ancestral de nossas mentes e nosso inconsciente coletivo. Assim como é arquetípico a queima e perseguição de alvos escolhidos como bruxas. O apedrejamento é um referente de como mulheres e lésbicas são atacadas e tratadas, socialmente no Patriarcado, e depois, dentro dos movimentos sociais por suas falhas individuais. Somando-se à imagem já associada ao feminino de pecadoras e portadoras do pecado original, agencia-se todo repertório de demonização e deturpação da representação das lésbicas ao longo da história. E aqui eu quero abordar a presença desses repertórios depreciadores de mulheres e lésbicas no fenômeno da hostilidade horizontal entre mulheres e lésbicas.

     Embora as pedras em alguns países sejam reais, as pedras que se tratam aqui são outras, simbólicas. O ato de apedrejar se conserva mas sem pedras, mas não por isso se torna menos letal. O assassinato pode não ser físico, mas pode ser um assassinato existencial em vida. Enquanto dirigidos os escrachamentos à possibilidade de existência política, afetiva, social, cultural, artística ou intelectual de uma lésbica, de uma pensadora, ou até mesmo a lésbica como existente em si, é de uma letalidade muito triste pela perda que produz de desejos engajados na criação de outra vida. Pela perda de mais uma lésbica numa existência expressada.

     Os alvos do apedrejamento são as audaciosas intelectuais, as céticas, as insubmissas, as autênticas, as que se diferenciam, que não seguem a manada, que pensam por si mesmas, as radicais de profundidade, não as de fanatismo doutrinário que agride as que não se encaixam na disciplina moral exigida. As radicais pensantes e criadoras que não tratam o pensamento lésbico como uma religião ou um dever-ser moral feminista estrangulador. Também são alvo do apedrejamento as lésbicas em si e o medo que elas despertam, que sua sexualidade principalmente desperta. A sexualidade lésbica nos assusta, assusta as mulheres, assusta as próprias lésbicas, e alguns discursos criam uma nova aura de tabu em torno à sexualidade e afetividades lésbicas, dominando os debates e discursos, narrativas, com um vocabulário que termina por se restringir em termos como ‘abuso’, ‘agressão’ e ‘violência entre lésbicas’ para definir a complexidade das relações lésbicas. As lésbicas temos uma carência cultural própria e há muito habitamos a linguagem dos homens, a linguagem patriarcal é limitada para definir nossas experiências e constrange nossa imaginação. A sexualidade lésbica é um tabu rodeado de medos e ansiedades. Por meio de um feminismo que empaca em palavras da experiência de sofrimento, carece-se de narrativas da corporalidade que não sejam as de vitimização dessa experiência, viciando a compreensão de mundo em um simbólico limitado que vem precarizando simbolicamente o existir lésbico. Não é de agora que os feminismos erram de estratégia ao criar uma simbólica de maltrato, de sofrimento. Necessitamos produzir e habitar nossos imaginários também com as experiências da alegria e criação, resistência. A precariedade simbólica de um feminismo que reduz a compreensão das relações como sendo ou ‘abusivas’ ou…puras? Perfeitas? Seria a perfeição relacional possível, ou talvez isso seja a própria imagem da morte, do fim, por representar uma perspectiva de fim-da-História, onde não seja mais necessário realizar-se mais o devir e reinvenção de si inerentes à vida?

     As lésbicas que são leais a pensamento e éticas lésbicas representam uma ameaça para movimentos feministas heterocentrados, reformistas e vitimistas, e sim, uso a palavra vitimista embora seja polêmica, desde meu lugar de lésbica e não desde o patriarcado. Pois geralmente se tratam de discursos que nunca apontam para a responsabilidade das mulheres em sua libertação e em sua capacidade para isso, e sim sempre mulheres como produtos determinados da materialidade incapazes de superar e intervir na sua vida, retirar sua participação no que a oprime, criar sua existência, retomar sua autonomia, o que me parece uma subestimação muito grande das próprias mulheres.

     Penso em um feminismo numa ética diferencialista de valorizar o habitar o Afora (Margarita Pisano) [3], não que busca entrada no Patriarcado (Sonia Johnson) [4], um feminismo separatista que aposta na capacidade de criar nossas vidas, à diferença de um feminismo voltado ao demandismo de políticas e direitos ao Estado e Patriarcado. [5] “Ensinem os homens a não nos estuprar”, posições de passividade, de espera de cessões do Estado e Patriarcado, que pôe nas mãos do outro a possibilidade de satisfazer suas necessidades existenciais. Se passamos a produzir nossa autonomia de vida, superamos o lugar de vítimas sentenciado para nós e perpetuado pela dependência na agenda de direitos e reformismos. A lésbica autônoma realiza uma radicalidade que consiste em mostrar uma possibilidade política que não a da postura ressentida (chamado por Nietschze de niilismo reativo, que apenas reclama e se queixa numa crítica sem potência transformadora)[6], o ressentido que ataca ao Outro, ao Estado, ao Patriarcado, aos outros, pelo que não tem. A autonomia aponta para uma postura ativa, que cria sua vida, sem esperar dos outros e dos sistemas. A lésbica autônoma se faz responsável de si e toma a vida em suas mãos, realizando o Cuidado de Si, saindo da ilusão de sermos faltantes e de que o sistema tem algo do qual precisamos, uma construção que é conveniente ao próprio sistema por legitimá-lo e criar dependências de novos maridos psicológicos e institucionais. Também acredito que quem consegue buscar novas formas de se afetar criativamente, quem cuida de si, não precisa denunciar ninguém nem excluir ninguém como sendo o causador de seu Mal, nem coagir as demais mulheres a isso e que a maternalize nas práticas de exclusão de uma mulher ou outra que me desagrada e de quem falo mal, não peço proteção a ninguém porque cuido de mim. A lésbica que vive na intensidade não precisa mais disso, esquece suas mágoas, porque vive intensamente e é causa ativa de sua própria potência.

     As lésbicas que podem desestabilizar o pensamento religioso, a doutrina, o cultismo das teorias e das dinâmicas de movimentos políticos capturados, onde firma-se uma identidade estática, a lésbica propositora, ela desestabiliza. Isso gera as depreciações de que as lésbicas são agressivas e hostis, porque dificilmente no movimento uma mulher que acusa a outra se faz cargo do que produz em si o encontro com uma provocação reflexiva ou com a imagem intrigante desta Outra. E limita-se ao simbólico feminista que reforça a auto-imagem vitimista instaurada pelo patriarcado por meio da feminilidade: nomeio como agressão, como agressora, como agressiva e violenta. Esta rebeldia da pensadora é na verdade sentida como agressão a uma Verdade e logo, como a si mesma no caso da feminista que sente a desestabilização da sua verdade e fé como algo agressivo. Essa é a dinâmica que se vê, acusatória, onde coloco isso como característica da outra, e não como algo produzido em mim, questionamento do qual me defendo. Dinâmicas que se repetem entre feministas, onde não me faço cargo da minha própria fragilidade autoproduzida e auto-condescendência.

     Quero pensar sobre apedrejamento para pensar sobre o punitivismo também, dentro do feminismo, contra lésbicas. As práticas de rumor, de exposições, de linchamentos políticos e destruições psíquicas de lésbicas. A repetição de outros arquétipos patriarcais e calúnias lesbofobicas tais como lésbicas predadoras, agressoras, monstruosidades, pederastas, corruptoras de mulheres ou de meninas, possessivas, dominadoras, machonas, autoritárias, que exercem poder, especialmente dirigidas às divergentes da feminilidade. Narrativas negativas/depreciativas sobre a lesbianidade sedimentadas na Cultura. Narrativas estas, interiorizadas por nós, lentes heterossexuais com as quais nos vemos. Lentes que atuam cegando, cegando por exemplo um olhar para as subjetividades e relações lésbicas, a tomar por exemplo, o tratamento cristão que vemos, dado ao tema de lésbicas que estiveram em relações difíceis. Realidades lésbicas tomadas de forma individualista e num tratamento moralista, ignorando as forças que produzem os relacionamentos lésbicos instáveis ou problemáticos numa sociedade heterossexista.

     São tratamentos desumanos, de exclusão, julgamento, sentenciamento e punição severa, piores dos que as formalizadas pelo Estado Penal de Direito, que ao menos se dispôe de recursos formais de autodefesa, direitos, formas de evitar o mau-uso do instrumento. Tratamentos desumanizadores, de estigmatização, que geram dor psíquica inestimável e invisível. Excluem quem já se encontra numa situação de exclusão radical: a lésbica. Excluem aquela que já se encontra desterrada num mundo de homens, num mundo heterossexual, quem já é precarizada em vínculos sociais e quem já sofre séculos de estigmatização, quem já é estigmatizada e demonizada na Cultura, sendo sem muita dificuldade que se retomam os estigmas na hora em que convêm depreciar uma lésbica e negativizar sua existência, manchar. [7]

     Talvez isso se deva ao fato de que lésbicas são vistas como menos que humanas. Se para a categoria mulher aceder ao humano, privilégio da masculinidade, já é difícil, a Lésbica não é vista como mulher [8], escapa a essa categoria e se torna o abjeto. A Lésbica é uma aberração. Lésbicas não são humanas, são corpos abjetos [9], a serem eliminados fisicamente e narrativamente, contidos no ameaçador que representam, no irrepresentável que apresentam. Por isso as lésbicas somos tomadas como bestas predadoras, opressoras, agressoras/lesadoras da zona de conforto de mulheres heterossexuais ou dos códigos da feminilidade.  Somos indecentes para a sociedade e por isso, não existe tratamento humanitário para lésbicas. É essa a herança histórica recente de séculos de aprisionamentos, tratamentos com eletrochoques, manicômios, assassinatos, genocídios, os corpos abjetos terríveis sendo queimados nas fogueiras e apedrejados até sua desaparição. Caluniadas como molestadoras, pederastas, corruptoras e depravações sexuais. Seguimos sendo tratadas como criminosas por séculos e séculos, agora até mesmo pelo feminismo.

     Como não percebem que nessas ações de violência ainda inomeável como tal, como atrocidade que é, sendo atuadas por forças patriarcais que residem arcaicamente em nós, mulheres? Que atuamos a misoginia antiga do patriarcado, que atuamos como colaboradoras dessa ordem heterossexual? Que traímos as lésbicas, que somos movidas por colonização heterossexual mesmo as lésbicas, quando aplicamos as leituras heterossexistas sobre a existência lésbica e suas relações, suas vivências e dificuldades, sua precarização emocional e psicológica num estado de lesbofobia e lesbicídios, de sabotagem das vidas lésbicas? Atuamos, como diz Mary Daly, como fembots[10], que traduzo como robo-fems ou robô-minas, do Patriarcado, como “policiaizinhas” do Patriarcado, desde o que fomos programadas a fazer: reforçar sua ordem. Ajudar a perseguir as bruxas, as pecadoras, as convertidas em monstruosidades, as que devem ser mortas e afastadas, excluídas, as que devem ser extintas, as ameaçadoras, as adúlteras e infiéis às éticas patriarcais, as lésbicas, as indecentes, as que existem como seres sexuais, as malcriadas, as desobedientes da feminilidade como as sapatonas butch, é algo que fazemos frequentemente, participando do maquinário masculino.

     Participar em abusos ritualísticos grupais, contribuir em exposições e destruição de reputação de mulheres e lésbicas, demonizar mulheres/lésbicas com quem se teve um conflito e caluniá-las, acusar mulheres e lésbicas por falhantes morais, culpabilizando-as por erros irreparáveis em cruzes que devem carregar por toda sua vida, cristianamente, induzir pessoas à rituais psíquicos de auto-flagelação e loucura destruindo sua auto-estima… São equívocos éticos incongruentes com o compromisso [lésbico]feminista que firmamos. Passagens ao ato de violações do outro, geralmente possibilitados pelo clima grupal que socializa e autoriza a perversidade, que desculpa e redime e paradoxalmente, coloca aquela que é agredida violentamente e mutilada psicologicamente como agressora e violentadora, impregnando nela conceitos de Ser que demonizam a pessoa dela pelo que ela é, como se nascesse aquilo e fosse ser sempre aquilo. É a situação cármica que encontramos e reencontramos, em situação de repetição e retorno do mesmo: novamente, a caça as bruxas, a cada reencarnação. A cada reencarnação, as pedras que nos matam.

     Apedrejamentos no movimento social, onde mulheres ou lésbicas escolhidas como bodes-expiatórios da vez são escolhidas para despejar-se o Mal que habita em mim, para que eu me purifique e atenda ao arquétipo de santa e virgem patriarcal da feminilidade. A demanda da mulher descorporizada, que não tem afetos de agressividade ou irritabilidade, por serem pecados, pois mulheres não devem ser violentas, diz-se. Porém mulheres podem ser violentas de forma perversa, não de forma aberta e objetiva nem física, por meios indiretos permitidos à feminilidade e não tão menos terríveis, que são os bullyings e as fofocas, as intrigas, picuinhas que resultam num estado de abuso e violação psíquica não reconhecido em sua importância. A mulher feminina e dócil que jamais será acusada de ser alguém agressora às outras ou à zona de conforto de alguma, pois não vai romper com a expectativa de que mulheres devem se portar sempre bem e que se forem atuar uma violência, que a pratiquem de modo venenoso e invisível, pelas costas, intoxicando vínculos e fomentando imaginários em torno a sua ‘inimiga’. As lésbicas alvos desses rituais de maltrato são apedrejadas até sua morte política, social, psíquica, existencial, artística, intelectual, rebelde. São amansadas e finalmente, sua potência assustadora entrou em estado vegetativo.

     Visibilizar o apedrejamento simbólico é uma crítica à todas exposições, todos escrachos, todas pseudo-denúncias (public shaming) policialescas e aquelas em forma de fofoca com a ausência da outra para que esta não possa se defender. Todos falsos relatórios, tegiversações, o ‘disseram que’, exageros e leituras parciais de um conflito atravessadas por subjetivismos distorcionantes do relato. Porque não vejo como qualquer uma dessas atitudes possam chegar a ser humanas. É impossível ser algo humano o escracho descaracterizado e oportunista contra lésbicas. Jamais vai ser uma forma humana de abordar problemas entre nós, uma forma construtiva de abordar o tema que se propôe supostamente a denunciar e que lhe confere tanto ar de legitimidade chantagista. O apedrejamento escrachativo promove apenas invisibilidade lésbica, por invisibilizar nossas narrativas e histórias e a história daquela pessoa que se maligniza. Na tradição punitivista herdada por séculos de violências de Estado, Tiranias e Patriarcado, a pessoa é sempre o que é tornado maligno, não é a crítica à sua ação. Na lógica punitivista, nunca vai importar entender a história daquele sujeito transformado em “o bandido”, “o traficante”, “a lésbica agressora”. Nunca vai haver interesse em questionar-se o que produz os sujeitos, que condições vivenciadas, quais violências, exclusões vivenciadas e qual seu impacto psíquico para que tenha se tornado alguém tão ‘ruim’. Logo, entendo que o punitivismo aplicado às lésbicas é incoerente com a própria premissa radical que se volta a entender a materialidade que nos constrói e às mulheres, lésbicas.

     Quando falo em punitivismo, não apoio a apropriação dessa discussão pelos homens e seus casos de violência, porque são atrocidades sistemáticas e convictas, que já foram demonstradas para nós em exemplos e vivências que voltam a se repetir por mulheres. Eles não tem interesse em se desconstruírem que lésbicas e feministas sim, se interessam, desde que integram um movimento social e vem realizando um processo de autoconstrução e reconstrução de si, desfazendo-se de comportamentos de subordinação, feminilidade, maquiagens, depilação ou heterossexualidade. Os homens tem poder estrutural demais e é muito perverso seu terrorismo, e ele se extende até mesmo nos movimentos sociais e na esquerda. Não precisamos mais provas de que não é possível o diálogo com eles e que eles representam um risco à nossa sobrevivência.

     Abordar o punitivismo de maneira crítica [11] serve para refletir as relações entre mulheres no movimento. Serve para possibilitarmos pensar porque nos tornamos aquilo que se diz e se acusa de forma condenatória. Seja uma mulher acusada de raivosa ou agressiva ou uma mulher que reage mal à perda da outra, ou a que não entende limites (questão que na verdade, pouco se avançou nas relações num geral, é apenas uma consequência de uma ética que tomamos generalizadamente, quando até a noção de sororidade em si exige que se ignore os limites próprios de uma). O que a subjetiva, o que a construiu daquela forma, que informações recebeu ou não recebeu. O que nos construiu para não atendermos às expectativas morais perfeccionistas do movimento, do porque tivemos tal dificuldade relacional num momento de nossas vidas, ou porque se repetem essas ações-sintomas negativos quando nunca foram tratados e retirados do inconsciente e dado um destino diferente a isso. Quais as forças heterossexistas em jogo, como entendermos melhor as lésbicas e seus desafios, como acolher as ambiguidades e complexidades que compôem a subjetividade lésbica ainda desconhecida para a teoria feminista ou para a história, depois de séculos de silêncio sobre essas existências. Chega a ser uma perda científica, de oportunidade de pesquisa lésbica. Uma perda teórica. De criarmos teoria, pensamento, reflexão, para entendermos e recriarnos, dentro das éticas que idealizamos. Como melhorar nossas comunidades entendendo o que passa com nós, olhando para as nossas questões. Deixar de acolher e de buscar entender nossas contradições é seguir no vazio histórico (Margarita Pisano), seguir na nossa falta de história própria de mulheres, nossa falta de memória coletiva, de produções, de criação de cultura, vazio que faz com que, na falta de referentes novos ou diferentes, repitamos os modelos patriarcais que existem eternamente.

     O apedrejamento apenas evita o problema por aniquilar a pessoa que se considera que carrega o Mal, e achar que assim livrou aquela sociedade da malignidade por eliminar alguém produto daquela sociedade. Sem necessidade de mudar a cultura e sem ter que mudar nada, no velho e conhecido punitivismo que vem de séculos de patriarcado e penas de mortes, torturas, mutilações ‘justas’, e formas de punição de transgressoras/os ou rebeldes, muitas vezes em sua maioria, falsamente acusados/as. Aqueles que saíram da linha por algo. Uma forma de controle social: as punições, a penalização, a forma que fazemos o outro pagar com dor, loucura, manicômios, ostracismo, isolamento, sofrimento psíquico e físico. Quando julgamos, atacamos, condenamos, criticamos o outro, é o fascista em nós, o policial que nos habita, o desejo colado ao poder, que atua. [12]

     A acusação é perversa, por seu ar de legitimidade. A acusação (rumor) é tão tomada sem crítica e como verdade absoluta como eram as acusações que se faziam de que as bruxas deitavam com o demônio. De maneira semelhante, a acusada no movimento, acusada de qualquer coisa que seja mentirosa, distorcida, exagerada ou imaginativa-paranóica, ela é levada à insanidade, ela é torturada coletivamente até delirar sobre a malignidade atribuída a si e isso afetar seu autoconceito, vendo-se com os termos dos outros que a depreciaram. Ela assim como as bruxas do passado, depois de tanto cansaço, admite ter dormido com o demônio. Apenas para de, qualquer modo, ser queimada e morta. Jamais a confissão a livraria. Jamais a confissão ou o contrário, a preservação da sua vida pessoal do juízo das hordas perversas e a escolha pela recusa em dar satisfações, a livram ou vão a dar uma chance de não ser aniquilada ou de ser integrada novamente ao coletivo, àquela que é escrachada. É a loba expulsa da alcateia, a loba solitária, que uiva de dor ao se ver em um desterro radical: a margem da margem da margem da margem. A exclusão da exclusão. Excluída como lésbica, excluída da heterorrealidade, excluída de uma comunidade lésbica de sobrevivência cultural, e muitas vezes, excluída por outras posições estruturais de vulnerabilidade que se somam, resultando em uma solidão implacável e potencialmente enlouquecedora, suicidante.

     A situação de ser penalizada me lembra um filme chamado Precisamos Falar sobre Kevin. É uma história fictícia sobre uma mãe de um filho que é como esses adolescentes norte-americanos tidos como psicopatas, que saem matando seus colegas na escola. A mãe dele era uma escritora de sucesso e tinha uma família e um casamento. No momento presente encontra-se com ela na sua situação após o aprisionamento do filho e os incidentes de massacre estudantil: totalmente precarizada, esmolando um subemprego de loja em loja numa cidadezinha pequena onde todos a boicotam por ser a mãe do menino que matou várias crianças. Sua vida acabou, mal consegue alugar uma casa. Sua casa e carro são constantemente assaltados por legumes e tintas sendo atirados contra eles, e pixos a escrachando por ser a mãe de um assassino em série. Ao longo do filme, mergulhamos na mente da mãe: desde sua gravidez indesejada quando ainda solteira, com o ex-marido transando sem camisinha avisando em última hora, à mudança total de sua vida e a perda de liberdade com a gravidez. A depressão pós-parto e a dificuldade de adaptação à maternidade, a criança dessubjetivada e desinvestida que cresce, a criança quase autista anti-social, a dificuldade de ser mãe dessa condição. As contra-transferências – raivas, irritabilidades, agressividades – produzidas na mãe pela sobrecarga materna, a culpabilização da mãe constante, a desolação da mãe que acompanha as tendências anti-sociais do filho que cresce, a tentativa de ser mãe exímia e tentar afetar aquela criança apática e sem capacidade de empatia. Mostra como a maternidade e as cobranças e culpabilizações vão minando sua autoconfiança e tornando-a resignada. Ela vai percebendo as questões do seu filho, mas o contexto a desola, não a crê, não encontra interlocutor, o problema é ela, má mãe, que precisa amar mais ao filho. Ela vai percebendo as tendências do filho mas ninguém a crê, ela não sabe lidar com ele, a ambivalência materna: mães também podem chegar a odiar seus filhos. Um dia, recebe a notícia de que houve um massacre no colégio, e mataram-se centenas de crianças e adolescentes. Preocupada por seu filho, vai ao local apenas para descobrir que o assassino é seu filho.

     O filme fala sobre o punitivismo, o escracho, a injustiça. É nos dada a oportunidade de compartilhar a mente da personagem, culpabilizada e que sofre linchamentos na sua cidade, inclusive físicos. [13] Nos é dada a oportunidade de estar mais perto da pessoa que é escrachada injustamente, de acompanhar os filmes que rodam na sua cabeça retomando o passado, ininteligível e incompreensível para os demais, incapazes de lançar um olhar empático para a sua pessoa. Incapazes de buscar entender sua história. Apenas ela é testemunha e tem que viver aquela condição dolorosa com a coragem que lhe resta, e pagar um preço desproporcional pelos supostos erros cometidos, no caso o ‘erro’ e culpa de ter tido um filho num momento da sua vida.

     Precisamos parar com os apedrejamentos, parar de apedrejar o psicológico das lésbicas, jamais isso será uma forma de reflexão sobre o problema apresentado, jamais será uma proposição de futuro para nós. Precisamos parar com as práticas patriarcais, como uma necessidade urgente de nos des-heterossexualizar e des-misoginizar. Para que possamos sair da engrenagem do Patriarcado, parar de ajudar essa engrenagem e esses ciclos de destruição e iconoclastia de mulheres/lésbicas e sua cultura toda vez que esta ensaia nascer.

     Precisamos parar de trabalhar como algozes para os patriarcas, e por fim, precisamos parar de destruir a nós mesmas. Destruir existências lésbicas e sabotar potências criadoras, devires e subjetividades lésbicas, por meio dos assassinatos políticos e sociais dos escrachamentos ignorantes. Precisamos parar de perder lésbicas e suas contribuições tão importantes, intelectuais, artísticas, políticas, criativas, nessa política de aniquilação e nesse feminicídio simbólico ritual entre nós. Ao dizer que precisamos parar esse ciclo, eu vejo como equivalente a parar de ser a mão que faz a infibulação da menina, da própria filha, para entregá-la a um homem, parar de ser a mulher que joga pedra na adúltera. Parar os ciclos de traições entre mulheres históricos, essa doença hereditária que precisamos nesta geração, dar um fim. E que só daremos um fim quando passarmos a ser agentes, e não apenas vítimas, dentro dos nossos feminismos. Quando paremos de ser cúmplices nessas violências, de participar nelas e se deixar ser coagida a elas, perdendo o senso crítico na licença grupal para a desumanidade. Cortar esse ciclo de colaboração com a cultura patriarcal que instaura esse estado de atrocidade e essa guerra contra mulheres, contra lésbicas. A colaboração simbólica heterossexual por parte das lésbicas ocorre quando nos tornamos ignorantes de nossas histórias, e de umas éticas lésbicas, que priorizam lésbicas e as colocam em primeiro lugar, que entendem como imperativo ético e compromisso político firme feminista e lésbico o tratar-nos às lésbicas de outra forma, não contribuir endossando a visão heterocentrada que nos apaga para fora da existência, que nos anula, e invisibiliza. Uma vida lésbica é uma vida que não se repete. Nenhuma a menos, pelo fim dos assassinatos físicos de lésbicas, mas também pelo fim dos assassinatos simbólicos e políticos de lésbicas nessa heterossexualidade compulsória disfarçada de justiça linchativa.

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Notas e Referências:

 

[1] Andrea Franulic & Insu Jeka. Daqui não sai: reflexões sobre o rumor. Santiago, Chile, 2014. Disponível em https://we.riseup.net/radfem/reflex%C3%B5es-sobre-a-fofoca

[2] O conceito de public shaming eu me apropriei após a brilhante e corajosa palestra de Jon Ronson, Como um Tweet pode arruinar sua vida, no Tedx (canal de palestras no youtube). A palestra aborda o impacto das exposições virtuais com intencionalidade justiceira, como uma modalidade de violência, a virtual. Me pareceu um conceito muito bom para começar a debater e visibilizar essas violências que vem ocorrendo no mundo online e dentro dos feminismos.

[3] Margarita Pisano. Fantasear un Futuro, introducción a un cambio civilizatorio. Editorial Revolucionarias. Chile, 2015.

[4] Sonia Johnson. Going farther out of our minds. Vídeo no youtube. Também “Tirando os nossos Olhos dos Homens”. Tradução em radfeminismo.noblogs.org

[5] “A política de reivindicações, por mais que sejam justas, por mais sentidas que sejam, é uma política subordinada e da subordinação, porque se apoia sobre o que resulta justo segundo a realidade projetada e sustentada por outros e porque adota, logicamente, suas formas políticas” (Librería de Mujeres de Milán. No Creas tener Derechos. Madrid. 1991).

[6]Amauri Ferreira. Introdução à Filosofia de Nietschze. Editora Yellow Cat Books, 2010

[7] Margarita Pisano abordou a questão dos preconceitos em Segredos, Chantagens e Rumores: Os preconceitos. Mas também quem desenvolveu muito o tema do rumor e das calúnias, e há uma parte sobre preconceitos, embora tenha minhas críticas, é Leandro Karnal em Detração: Breve ensaio sobre o Maldizer. Editora Unisinos, Vale do Rio do Sinos, 2016.

[8] Wittig fala que lésbicas escapam à mulheridade, ao não submeterem à exploração heterossexual que caracteriza a classe das mulheres. Esse escapar deposita a lésbica na ininteligibilidade social e no medo que despertam. No entanto tal lugar é potente justamente por isso. (Monique Wittig. O Pensamento Heterossexual e outros ensaios. Editorial Egales. Barcelona. 1992).

[9] Conheci o conceito de corpos abjetos e abjeção com Judith Butler, mas na verdade ela retirou esse conceito de Julia Kristeva, psicanalista francesa, no livro Poderes do Horror. A abjeção, a outridade, o estranho, o ‘anormal’, desorganiza a identidade pessoal e gera profundas ansiedades paranóicas: “De acordo com Julia Kristeva, o abjeto é aquilo do que o eu deve se liberar para vir a ser um eu. Uma substancia fantasmática, alheia ao sujeito, mas íntima a ele, tão íntima que sua proximidade produz pânico. O abjeto aponta para a fragilidade de nossos limites corporais, para a precariedade da distinção espacial entre dentro e fora, assim como para a passagem temporal do interior do corpo materno a exterioridade da lei do pai. Espacial e temporalmente, a abjeção é uma condição na qual a subjetividade é problematizada e o sentido entra em colapso.(…)” “..como num teatro verdadeiro, sem disfarce e sem máscara, o dejeto como o cadáver me indicam aquilo que eu afasto permanentemente para viver. Porque a abjeção é, em soma, o outro lado dos códigos religiosos, morais, ideológicos sobre os quais repousam o sono dos indivíduos e a calma das sociedades” Em https://www.eba.ufmg.br/grupo/textopiti01.htm

[10] Mary Daly. Gin/Echology. The Metaethics of Radical Feminism. Beacon Press; Boston. 1978.

[11] Maria Lúcia Karam. A esquerda punitiva. In: Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade, ano 1, número 1, 1º semestre de 1996. Disponível em https://we.riseup.net/radfem/esquerda-punitiva

[12] “Portanto, é concebível que um grupo possa ser revolucionário do ponto de vista do interesse de classe e dos seus investimentos pré-conscientes, mas não sê-lo do ponto de vista dos seus investimentos libidinais, e manter-se até mesmo fascista e policial. (…) o ponto de vista do investimento libidinal, nota-se bem que há pouca diferença entre um reformista, um fascista, às vezes até certos revolucionários, que só se distinguem de maneira pré-consciente, mas cujos investimentos inconscientes são do mesmo tipo, mesmo quando não esposam o mesmo corpo.” (Deleuze e Guatari. O Anti-Édipo – Capitalismo e Esquizofrenia. Editora 34 Ltda. São Paulo, 2010)

[13] Um artigo genial sobre Linchamento foi escrito por Marcia Tiburi para a revista Cult. Pode ser lido em:  http://www.geledes.org.br/linchamento/. Também é interessante seu texto sobre o “Poderzinho”, que também se encontra no site da revista Cult, para agregar nessa reflexão, uma vez que essas ações no movimento social e na vida são motivadas pelo interesse de micro-poderes compensatórios por parte de oprimidos.

A Mercantilização da Comunidade Lésbica*

Patricia Karina Vergara
(feminista mexicana, lésbica feminista radical autônoma, gorda, indígena, mãe de uma filha)
tradução livre por hembrista@riseup.net
 SORORIDADE

 

Não é muito popular ser a “chata do rolê” que reclama sobre o consumismo na época das festas natalinas, enquanto o resto da comunidade toda está pendurando luzinhas pisca-pisca, montando a árvore de Natal e cantando musiquinhas típicas. A mesma impopularidade e incômodo com minhas interlocutoras encontro toda vez que abro a boca para problematizar a estrutura consumista em que está submergida a comunidade LGBTQetc: o modelo do antro/gueto, o embrutecimento com álcool, a sexualidade coisificada e coisificante e o abuso de drogas. Porém, minha preocupação pessoal e concreta se refere especificamente ao que me toca: as lésbicas, a restrição das nossas vivências lésbicas à logica dos bares/festas/”rolê” que vem predominando em nossa comunidade.

 

Antes de qualquer coisa, reforço aqui que eu não sou contra festas nem as detesto, nem tampouco os bares, nem as bebidas alcoólicas, nem tampouco a socialização que ocorre nesses ambientes. Mil vezes eu venho aceitando com prazer convites para uma cerveja com amigas, uma ou muitas doses, fui organizadora de festas, fui e sou frequentadora de algumas. Acredito no exercício sexual livre, sempre e quando seja responsável e consensual. Inclusive, conheço e respeito o uso de substâncias que levam a estados alterados de consciência com fins rituais, recreativos, espirituais, de busca ou simplesmente experimentais.
Reconheço – ora como não? –  a necessidade de espaços de convivência, encontro, e de celebração para esta comunidade. Porém, isso que escrevo é um chamado a nos perguntarmos, desde o fazer lésbico politizado, sobre o que está por trás das relações e organização, interação das lésbicas, sempre em torno desta forma mercantil de socialização/alienação [1]. Por exemplo, questionamos nossas relações íntimas e criticamos duramente a reprodução do modelo heterossexual onde, lamentavelmente, há quem assume o papel dominante e outra que aceita o papel de submetida e se repetem as hierarquias já conhecidas.[2] Como resposta, as lésbicas somos capazes de criticar, contribuir, e encontramos que não necessariamente temos por quê imitar tal modelo. Também podemos questionar e reconstruir as formas em que nos relacionamos como comunidade, de nos divertirmos ou dos espaços de ócio e a partir da reflexão crítica, fazer estremecer o modelo pré-fabricado, capitalista, patriarcal, que nos deram.
Podemos estabelecer, para começar, que o submergir na mercadotecnia da diversidade e da lógica de nicho mercadológico, que nos aliena, ou seja, nos distancia uma das outras e de nós mesmas e impede a busca de objetivos comuns. Nos submetemos a imposição patriarcal de valores e, em meio a este submundo, competimos para ver quem tem mais fama, beleza física, quem tem mais encontros ou conquistas sexuais, quem pegou mais minas, quem tem mais likes, quem bebe mais, quem tem melhores bens de consumo, quem tem melhor visual, quem é mais que quem…

 

Claro que isso ocorre também nos ambientes homossexuais, heterossexuais e em geral. E também valeria a pena a discussão a respeito disso. Porém, ao nos focar em falar das lésbicas, seria bom pensarmos nas oportunidades valiosas que nos estamos negando. Que aconteceria se jogássemos a cultura de imagem e a mercantilização no cesto de lixo e pudéssemos começar a nos perceber entre nós mesmas como aliadas, nos aproximar, nos convidar a refletir em conjunto, nos apreciar por nossos valores intrínsecos e quem sabe, talvez poder nos organizar em ações articuladas, por exemplo, para apoiar aquelas que foram expulsas de casa, que estão em situação de risco, para exigir justiça jurídica, apoiar àquela que precisa de nossa ajuda, criar grupos de trabalho intelectual, artístico ou político que hoje certamente em México existem apenas alguns pouquíssimos, ou simplesmente, para refletir sobre nossas existências lésbicas, celebrar, criar cultura, comunidade, preservar nossas memórias, recitar poesias, cantar, nos cuidar umas entre as outras.

 

Não se trata simplesmente de uma proposta utópica e sonhadora, senão que é um convite para começarmos a buscar opções alternativas de vida e de ação tanto política como cotidiana daquelas que nos foram dadas. O fenômeno da geração que hoje vive é o da era do desencanto. Do pessimismo, da descrença em processos coletivos ou políticos. As grandes teorias transformadoras parecem ter ficado no século passado. Idéias de transformação social são tachadas pelo sistema como coisas ultrapassadas, a militância política parece ‘careta’ demais. Parece muito distante ou impossível a promessa de uma ordem social mais justa. O Capitalismo parece ter triunfado de uma forma nunca antes vista, o monopólio de toda violência por parte do Estado e seus aparatos repressivos torna qualquer rebeldia meramente pictórica, a vigilância sobre nossas vidas reduz nossa manifestação política a expressão cidadã tímida, a revolta está cercada pelo sistema, monitorada, contida. E a política também é assimilada pela estratégia consumista e festiva, de “rolê” e subcultura urbana.

 

Para as mulheres a quem tivemos negados nossas contribuições pelos livros de história, afastadas sistematicamente do poder e despojadas de nós mesmas, o vazio é maior. E assim, respiramos diariamente o desencanto, cinismo, falta de solidariedade/sororidade umas  com as outras. De tal modo que as únicas duas premissas possíveis são as impostas desde o Poder: o valor do dinheiro como fonte de toda satisfação e o embotamento dos sentidos. O valor da imagem e do consumo.

 

Como a ordem econômica estabelecida garante que o dinheiro e suas possibilidades são inacessíveis para a maioria, então nos voltamos para a segunda premissa: apostamos à evasão contra toda e qualquer ação política, ao desprezo por qualquer militância e jogamos a não olhar, a nos conformarmos com o que há.

 

Quando a ansiedade psíquica, a insatisfação ou a solidão começam a pesar muito, uma das possíveis saídas é ir gastar 30 conto em umas cervejas e acreditar que é melhor isso que nos questionar o por quê de não haver outros espaços, outras práticas, e outros serviços, outras lógicas, talvez desde a economia sororária e de troca, feiras lésbicas autogestivas para expormos nossos trampos. Enfim, encontrar opções de lazer que não passem pelo consumo, ou inventá-los nós mesmas. Preferimos não ver a violência que nos cerca ou nos conformar com saber que sempre esteve aí, ao invés de tomar responsabilidade sobre nossas vidas e começar a fazer, a propôr, a transformar no imediato.

 

Temos que aprender a reconhecer que o poder de comprar um brinquedo sexual, ver um filme pornô, ou a possibilidade de ficar com alguém em uma festa e terminar na cama sem conhecer sequer seu nome não são reivindicações nem constituem nenhuma libertação sexual, mas sim, ao contrário, formas efetivas que os empresários encontraram para comercializar nossa sexualidade e lucrar – eles, homens brancos, patriarcas, heterossexuais muitas vezes – com nossa comunidade. [3] E que por outro lado, nos expôem a riscos como transmissão de DSTs. [4]

 

As vezes parece que o movimento lésbico tem por única demanda política que não fechem o bar onde se amontoam a juventude gay aos domingos. E na miopia dos exemplos anteriores ficamos tomando uma cervejinha enquanto decidimos quem vamos pegar hoje e ‘secamos’ o ambiente em busca da ‘caça do dia’. Assim, uma multidão de lesbianas que podiam ser forças transformadoras, se convertem em um mercado adestrado rentável pro Capital e nada mais. Onde fica o potencial rebelde, questionador, crítico, da lesbianidade?
São os negócios em geral, bares, botecos, baladas, ou a sua lógica transferida à socialização lésbica da mercantilização da diversidade sexual. Da assimilação da potência rebelde da condição política de ser lésbica. É novamente a idéia de que somos identidade/orientação/prática sexual e nada mais. Estes artifícios do sistema são meios efetivos de despolitização a serviço da ordem atual. Se fossem contestatários ou se sua existência tivesse um peso político de importância, como os empresários pretendem nos fazer acreditar, então sua existência estaria agora ameaçada [5]: esses espaços seriam perseguidos, boicotados, sabotados, caluniados, atacados e não tão facilmente existiriam em número crescente. O ‘mercado rosa‘ [6] tem um peso econômico e seu interesse político não é o da transformação. Se existisse uma mudança política, jurídica, e social, ou seja, se não houvesse heterossexismo, já não seriam necessários bares, viagens turísticas, revistas especializadas, sexshops, baladas, boates, bares. Terminada a necessidade de espaços exclusivos gays, se acaba a galinha dos ovos de ouro pros capitalistas interessados neste setor. Por isso, essas empresas são, servindo a seus próprios interesses, um meio efetivo de controle social e nada mais. A lógica de consumo importada dessas comunidades, reproduzida dentro das nossas relações lésbicas, é uma colonização capitalista e patriarcal que serve meramente como forma de amaciar nossa rebeldia, de controle da radicalidade lésbica.

 

Não se trata de censurar ninguém nem de se colocar como guardiãs da boa moral e dos bons constumes. É uma questão de pensar: quais são nossas éticas lésbicas? Uma questão de rebeldia e de sonho de novos valores, formas de nos relacionar, onde o consumismo, a redução da nossa socialização ao álcool, ao entorpecimento por meio de drogas, o consumo de corpos e a apatia política não fossem uma realidade cotidiana que passa a muitas de nós. É possível, muito possível,que seja de outra forma isso tudo. É possível espaços diferentes, rebeldes ao Capital, ao Estado, ao HeteroPatriarcado, de interação genuína entre nós em bases saudáveis e de potência criativa. Se as lésbicas somos humanas, uma vez capazes de ter rompido com a ordem da Heterossexualidade que nos foi enfiada desde pequenininhas, e nos atrevemos a amar e erotizar mulheres à nossa maneira e desde outros princípios, por que não poderíamos nos atrever a retomar para nós a responsabilidade de criar autonomamente, nós mesmas, nosso próprio espaço lúdico e de encontro, tomando ele da ordem existente que nos submete, explora, e deixando de aceitar e meramente consumir o que nos colocam?

 

Façamos um dia de ida ao campo, ao parque, com frutas e comidas veganas deliciosas feitas em casa, compartilhando, reunamos 200 lésbicas para pintar um mural, um grafitasso, que fale sobre a gente, lancemos bolas de sabão ao céu desde uma árvore nada mais que pela alegria de nos encontrar e de fazer coisas e estarmos vivas. Levemos nossas filhas e filhos a um passeio para ir retomando as consciências coletivas, construamos uma escola rural entre todas, vamos nadar, ensinemo-nos umas as outras a consertar carro, computadores,eletricidade, a andar de skate, bicicleta, e o que mais quisermos. É possível, eu acredito nisso, nos encontrarmos, construirmos, criarmos identidade desde uma história distinta à que nos foi contada, desde uma herstória [7] escrita em tinta própria. Por quê não nos atrevermos?

 

***

 

*Na verdade o artigo original se chamava “Ética e Bons Costumes”, mas como achei que esse título não seria atrativo para a questão central que aborda e problematiza, além de que poderia levar a confusões, eu estou constando aqui nesta nota de rodapé que mudei deliberadamente. [N.T.]
A tradução foi  livremente adaptada, pois o contexto mexicano é outro, as idéias foram traduzidas para ficarem mais inteligiveis e dialogarem com nosso contexto e momento no feminismo e comunidade lésbica.

 

[1] A autora não usa o termo ‘alienação’ no sentido de consciência alienada, como a pessoa desinformada ou ‘ignorante’, mas no sentido de isolamento, de restrição, de redução a um ‘cantinho’ tímido e silencioso, que o sistema faz com esta comunidade, que termina também por separá-la, assim como quando fala do gueto e antro, é sobre como a estrutura heterossexista consegue nos isolar num cantinho pouco ameaçador, nos enfiando num ‘nicho’ de mercado, em entretenimento, de modo a não incomodar, e como assim também nos afasta do nosso potencial rebelde, pois entretêm essa comunidade oprimida com lazer, entorpece (bebidas, consumo, consumo de corpos), e assim a mantêm distraída e ilusoriamente satisfeita ou contente, também tapando a dor da opressão. O sistema capitalista na verdade faz isso com todas pessoas, trabalhadores, e todas minorias rebeldes, transforma em identidades e provêm produtos específicos. Nisso tá imerso o próprio feminismo entendido agora como um “rolê”, onde você pode até mesmo comprar sua camisetinha, bottom e os eventos políticos são entendidos como entretenimento. O desinteresse de lésbicas por fazer política e a totalidade do tempo ‘livre’ retomado pelo Capital, que nos explora todos os dias e no final de semana ainda lucra com nosso descanso pois resumimos nosso momento de não-escrav@s a consumir produtos, o interesse unicamente de exercício da lesbiandade como sexualidade, a socialização lésbica  e até mesmo feminista em torno de consumo de corpos e rostos bonitos, de saídas para consumir… Não que não seja importante a vivência dos prazeres, da nossa sexualidade, a celebração, os afetos, as amizades, nem a descontração… mas a compulsão pelo prazer consumista e o resumir da lesbiandade a isso, o interesse das lésbicas unicamente em eventos de entretenimento e não de reflexão, é muito obviamente uma assimilação das lésbicas à lógica de mercado, e a retirada da potência criativa e radical, e de vivência de prazeres e socialização por fora da lógica mercantilizadora e da sexualidade lésbika  por fora da sexualidade coisificadora. 

[2] Nota da tradutora: não gosto muito da crítica aos papéis Butch e Femme, acho meio duro com lésbicas, acho que a crítica a relações que não são equilibradas em poder é ok, mas a crítica a estética que adotam eu acho lesbofóbica, até porque não depende de voluntarismo mas sim de programação, de socialização feminina ou resistência a essa socialização, que são ambos processos de sobrevivência num Patriarcado.

[3] Por que não estaria o facebook também ligado a isso, se é uma empresa que lucra com nossa participação nela? Qual o lucro que os empresários do facebook, homens, seu inventor, um homem agressor, possuem, estando hoje milionários, ao fomentar nessa plataforma que foi desenhada pra promover hostilidade horizontal e violência, comas diversas ‘tretas’ (mesmo mecanismo do ‘ibope’ televisivo, quando tem uma treta, mais acessos, mais dinheiro rolando) e agressividade entre feministas, fofocas,difamações, exposições… O que não lucram com a exposição de nossas vidas íntimas, nossas fotos, transformando-as num espetáculo público? Qual interesse dos empresários do facebook em fomentar feminismo e lesbianidade da forma que vemos vendo nessas redes, deforma desconstrutiva, hostil, e assimilar radicalidade à lógica da exposição e das guerras de egos? Enquanto as feministas e lésbicas se destróem entre si, os empresários do facebook estão cada dia mais milionários, e estão ‘pouco se fodendo’ para feministas ou mudanças sociais. [N.T.] 

[4] Este parágrafo parece mais uma crítica ao queer e a logica LGBT de liberalismo sexual, mas que creio que as lésbicas também reproduzem e trouxeram dessa comunidade de algum modo, ao meramente enxergar os espaços de socialização lésbicos como de pegação e essa ansiedade por vivências sexuais compulsivas, que a mim me remete a sexualidade patriarcal por ser uma questão de auto-estima relacionada à quantas conquistas tive, com quem fiquei, como se outras mulheres fossem um troféu. E claro, um consumo de aparência,que leva a reprodução de padrões estéticos racistas, gordofóbicos, elitistas, muitas vezes. [N.T.] 

 [5] Como o estão os espaços lésbicos radicais, que nem espaço para reunião possuem, sendo sempre uma dificuldade encontrar portas abertas às nossas propostas ou um espaço tranquilo sem intromissão constante de homens como nos mostra a experiência de reuniões em espaços abertos ‘públicos’, que na verdade são dominados por machos. [N.T.]

[6] Nome dado ao mercado ‘gay’. O poder de compra de homens gays, interessante pro capitalismo, e o por que da militância LGBT ter um status de hegemonia e as paradas gays tanto financiamento. 

Comentário final: A idéia deste artigo não é ignorar as questões de solidão lésbica que levam a termos que procurar os ambientes de consumo para encontrar iguais, mas de questionar o por quê de não retomarmos em nossas mãos o papel de criar espaços realmente radicalmente rebeldes e lesbikos à ordem patriarcal, já que creio eu que sempre que a lesbiandade é assimilada por essas estruturas opressivas e exploradoras, nos heterossexualizam de algum modo. 
 

Também a idéia não é ignorar que as vidas lésbicas são já muito difíceis e duras e que o único que uma lésbica quer, muitas vezes, é sair tomar uma cerveja, relaxar, ir pra uma festa, coisa que a comentadora deste texto também faz, que muitas lésbicas possuem unicamente um ou dois dias da semana livres que não ocuparia com militância, a idéia é trazer uma reflexão e pensar em como reinventar nossas vidas reconhecendo também que estamos tão programadas pelo capitalismo a sermos mercado consumidor que muitas vezes nem percebemos o quanto isso vem definindo as nossas relações umas com as outras [N.T.]

terra lesbika

terra lesbika

 

Por uma Visibilidade Radical e Autônoma!

O que é a Visibilidade Lésbica? A Visibilidade Lésbica é sobre existirmos, principalmente para outras lésbicas. É sobre ser consciente do significado político, ético, afetivo, ancestral, cultural, da lesbianidade. É sobre conhecer sua própria história e cultura lésbica, sobre celebrar nossa coletividade com as lésbicas e sobre nos fortalecer. A Lesbianidade é um profundo ato de desmisoginização numa cultura patriarcal que odeia mulheres e as aniquila, explora, assassina, todos os dias. Ser lésbica não é apenas uma prática sexual diferente da heterossexual. Ser lésbica é sobre estar entre mulheres, amar outras mulheres, se conectar com outras mulheres, com a nossa cultura, história, e sobre compreender a tradição que levamos por séculos, desde que existe o patriarcado, de combatentes, saboteadoras, desobedientes da Heterossexualidade Compulsória enquanto um sistema político de exploração e opressão das mulheres.

Que visibilidade queremos? Que visibilidade nos fará livres?

Visibilidade Lésbica enquanto estratégia Radical é sobre sermos visiveis para nós mesmas, e não dependentes do olhar aprovador do sistema. Nós lésbicas estamos isoladas, separadas umas das outras, inconscientes de termos uma comunidade, uma história, um significado de resistência política. Ao sermos visíveis, e por meio da visibilidade das nossas irmãs, favorecemos nossa união e vemos que não somos a única sapatão, que não estamos loucas. É assim, então, a visibilidade um ato de sororidade. É também sobre fazer disso uma possibilidade para outras, pois toda mulher pode ser lésbica. É sobre sobrevivência e criação de territórios autônomos de existência lésbica dentro de uma heterorrealidade na qual não nos encaixamos. É sobre visibilizar alternativas, uma proposta diferente de vida, de ética, totalmente fora do sistema patriarcal, ultrapassando os limites impostos de mulheres heterossociais. Por meio de mais visibilidade lésbica, perdemos o medo, nos permitimos sair do armário, parar de nos esconder, nos fortalecemos, ganhamos auto-estima para enfrentar essa sociedade que invalida nossas existências. Nos organizarmos politicamente para falarmos de nossas pautas, que existimos, que sofremos duplamente: como mulheres e como lésbicas, às vezes triplamente, como mulheres, negras e lésbicas. Por meio da visibilidade, mostramos que resistimos e que estamos no combate.

Visibilidade lésbica é trazer à tona a cultura lésbica, é fazer com que outras lésbicas possam nos enxergar e consequentemente enxergarem a si mesmas. Pra isso é importante estarmos entre lésbicas, falarmos sobre nossas vivencias, dar espaço e importancia para os trabalhos feitos por lésbicas, doar o máximo de energia para lésbicas. Tirar a noção (nociva) de que lesbiandade é sexualidade, pois tendo isso como visão unilateral esquecemos do todo que nos permeia além da sexualidade. Enxergar as lésbicas apenas como parte da sua vida sexual é limitante, e obviamente é um instrumento do patriarcado para que sejamos somente isso. “Amar” mulheres enquanto trabalhamos para os homens é incongruente, por isso, nos baseamos numa ética de separação. Visibilidade lésbica é trazer a ideia de que podemos “amar” mulheres e trabalhar para e por mulheres, no âmbito mais extenso da ideia. Visibilidade lésbica é também sobre uma postura crítica, rebelde, questionadora do sistema, que não aceita migalhas destes. Não nos basta ter lésbicas na televisão ou poder casar, muito menos queremos lésbicas em instituições patriarcais como polícia, exércitos, ou no governo do qual somos críticas. Não nos basta sermos aceitas. É sobre recusar fazer parte do LGBT que apaga as lésbicas. É cuidar com a assimilação do sistema hegemônico, que mina nosso potencial rebelde. É sobre dizer alto a palavra LÉSBICA, não ‘bi’ ou ‘gay’. Precisamos tomar consciência da condição política que representamos enquanto lésbicas: a de sermos um ataque às instituições da supremacia masculina. É uma postura de priorizar lésbicas, dentro dos movimentos sociais, nas nossas vidas, e até mesmo no feminismo, pois nunca somos pauta relevante em nenhum movimento.

A visibilidade que queremos é a visibilidade como estratégia de sororidade lésbika contra a heterossexualidade compulsoria, como estratégia de contra-propaganda da heterossexualidade, de ataque e de okupação do mundo, como estrategia antissistêmica de tornar a Resistência conhecida, de criar consciência lésbika.

Não queremos a visibilidade de sermos ‘reconhecidas’ pelo sistema que nos explora e aniquila, que repudiamos. Queremos ser a visibilidade de um futuro onde as mulheres serão livres de seu estatuto de classe sexual. Queremos ser visibilidade de uma resistência ancestral, que recuperamos e carregamos, e da propaganda anti-heterossexual que representamos.

Sejamos incômodas! Sejamos visíveis!

Lésbicas Radicais Visíveis!

sapasbandovisiveis(texto do panfleto distribuído durante a 1o Jornada Autônoma da Visibilidade Lésbika realizada no dia 30 de agosto de 2015)

 

Jornada Autônoma da Visibilidade Lésbica

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29 de agosto é o dia da Visibilidade Lésbica. Em ocasião desta data, a Círcula de Reflexões Lesbafeministas convoca todas as sapatonas, fanchas, caminhoneiras, entendidas, lésbicas, bate-bolachas, cola-velcros, tesourinhas, tríbades e roçadeiras para um dia inteiro de atividades voltadas à celebração da nossa resistência, memória e rebeldia.
Se não nos fazemos visíveis, não existimos. A Visibilidade Lésbica que queremos é a visibilidade da nossa resistência enquanto mulheres rebeldes e em desacato constante à Supremacia Masculina. É dar a ver a existência lésbica à outras irmãs sapas para saibam o que são, que há outras como elas, que elas possuem um nome – Lésbicas – para que tomemos consciência da nossa condição política enquanto lésbicas: de que somos foragidas da Heterossexualidade Obrigatória enquanto regime de submissão das mulheres. Ao escapar da heterossexualidade não estamos apenas exercendo uma orientação sexual diferente, estamos ousando criar uma existência independente da aprovação masculina. 
Somente com mais e mais lésbicas visíveis nos fazemos fortes e acessíveis à outras lésbicas, agora talvez sozinhas. Visibilidade Lésbica é sobre nosso apoio-mútuo no enfrentamento da Lesbofobia, violência, heterossexismo. Somente com mais e mais lésbicas nas ruas e e todos demais espaços – políticos, simbólicos, nas artes, na literatura, na história – podemos crescer em numero e idéia para derrubar o sistema da supremacia masculina.
O Patriarcado (sistema da Dominação Masculina) trata de ocultar e reprimir as lésbicas porque esta é uma idéia perigosa para o poder dos homens, que depende da exploração das mulheres. Se todas mulheres se tornassem lésbicas hoje, derrubaríamos o Patriarcado. Lésbicas vem, durante os séculos, existido, mesmo perseguidas, mortas e torturadas, queimadas como bruxas, deportadas de seus países, trancafiadas em prisões ou hospitais psiquiátricos, excluídas, tendo que viver de forma escondida ou negando seu desejo. As lésbicas, antes de qualquer movimento feminista organizado, vêm vivendo de forma autônoma dos homens, muitas chegaram a morrer antes de negar sua paixão. Em homenagem àquelas que nos antecederam celebramos nossa consciência lésbica e a transmitimos às demais, lutamos para que mais e mais lésbicas, assim como todas as mulheres,  possam ser livres. 
Nossa proposta é recuperar os espaços e a culturas lésbica, num contexto em que estes estão sob ataque. Os espaços lésbicos e a palavra lésbica estão em desaparição, e isso se deve à lógica neoliberal que vem colonizando os movimentos sociais, dentre eles o lesbianismo e feminismo como movimentos políticos. Nossa Jornada se propôe a ser Autônoma em questionamento das lógicas mercantilistas, capitalistas, governistas, institucionais, academicistas, médicas, liberais, elitistas, racistas, anti-feministas e anti-lésbicas que vem tomando o movimento lésbico, chegando a apagar até mesmo a palavra ‘lésbica’ destes, trocando por termos como ‘les-bi’ ou ‘queer’, “LBGT”, e outros. Queremos espaços específicos e exclusivos de lésbicas para nossas demandas. Queremos pensar em alternativas autogestivas para nossa comunidade que saia do modelo de ‘políticas públicas’ e de pedir coisas ao Estado, que consideramos Patriarcal, Racista e Capitalista. Não queremos que o sistema assimile a Revolta Lésbica. Queremos incitá-la para revolucionar este mundo!
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PROGRAMAÇÃO
10h: oficina de autodefesa lesbika para reflexão e enfrentamento à violência masculina (10h-12h)
12h: almoça beneficente vegana – livre de exploração animal!
13h: roda de conversa sobre visibilidade lesbica, resistência e invisibilidade de lesbicas negras, pobres, mães, presas, imigrantes, gordas, deficientes…
15h30: curta “Meu Mundo é Esse” de Márcia Cabral, sobre lésbicas negras. 
16h: oficina de saúde e ginecologia auto-gestionada para lesbikas – Lesbofobia na saúde, medicalização e heterossexualização das corpas lésbicas e estratégias de autonomia.
17h30. Sarau Lésbico. Traga suas escritas ou de autoras que você goste!
19h às 22h. Apresentações Culturais.
    Luana Hansen 
    Mc Lua
   exposições e apresentações artísticas 
   
* Mostra fotográfica sobre cotidianidade das lésbicas, Giovana Pellin.
* Exposições de ilustrações com temática sapatão (Traga sua arte e participe também!).
* Apresentação artística “malabarima” por raposa.
* Vai ter FEIRINHA LIVRE de materiais lésbicos: camisetas, bottons, zines, patchs, chaveiros, colares de labrys, copinhos menstruais, comidinhas veganas… Em apoio à autogestão das lésbikas e suas atividades subversivas!
Traga sua banquinha também caso também produza  artesanato. 
Nos somamos a campanha de arrecadação de absorventes para presas. Se puder traga absorventes externos descartáveis que estaremos recolhendo!
* Mães lésbicas: haverá uma ciranda durante o evento para ficar com as suas crianças.
* Este espaço pretende ser inclusivo a todo tipo de lésbicas. Se você tem alguma demanda para facilitar o acesso a este espaço, escreva para circula.lesbafeminista@riseup.net 
* Para quem for almoçar no local: vamos realizar uma almoça vegana, com contribuição de 7 reais, para apoiar atividades lesbafeministas. Não é obrigatório participar na almoça se você quiser trazer seu lanche. Se você não puder pagar este valor converse com a organização e combinamos.
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Onde: CICAS – Centro Independente de Cultura Alternativa e Social
Avenida do Poeta, 740 – Jardim Julieta Terminal de Cargas Fernão Dias
Quando: 30 de agosto, domingo.
Como chegar: do metro Belém (linha vermelha) pegar ônibus 172R-10 Jaçanã, descer na praça Carlos Koseritz. O CICAS fica no meio da praça. Caso haja dúvidas, basta perguntar às pessoas do bairro pois o centro é conhecido na comunidade!
(tem ônibus que vem também do Tatuapé da linha vermelha, o 172J-10 Jardim Brasil na rua Enrique Sertorio, 101, descer na mesma praça acima, e da estação Tucuruvi da linha azul, na Avenida Nova Cantareira, 2475, o ônibus 1720-10 Jardim Guanca descer na Praça dos Sonhos da Menina).
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Por todas as lésbicas:
Negras, mães, periféricas, indígenas, imigrantes, deficientes, idosas, jovens, gordas, presas, assumidas e não-assumidas. Visíveis ou não. Por todas as lésbicas que resistem para existirem.
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contato: circula.lesbafeminista@riseup.net

Fúria Lésbica! Fotos do bloco lésbico radical na ex-caminhada lésbica

Na caminhada lésbica e bissexual de SP, fizemos uma intervenção por meio de novamente, reaparecer com nossos chapéis de bruxa e mascaradas. Levamos nossa faixa “Lésbicas Radicais contra o Capital e o Estado Racista Patriarcal” e tambores de latão, lambes, stencil, feirinha de materiais lesboterroristas, máscaras. Na concentração e durante a marcha do nosso bloco podiam-se ouvir os gritos:

“Vem caminhão vem fazer revolução!(Toda feminista pode ser uma sapatão!)”
“Lésbicas Separatistas! Sapatonas convictas! (Eu não vou deixar o Patriarcado me abalar!)”
“Sapatão não é diversidade! Sapatão é resistência!”
“Tire o L do LGBT!”
“Lésbica Radical contra o sistema Patriarcal!”
“Basta já de repressão/pela Santa Inquisição!/Botar Fogo nas Igrejas e Libertar as Sapatão!”
ao passarmos ao lado de uma churrascaria: “Lésbica Radical! Contra a Exploração Animal!”
“Sapatonas contra as Guerras! Sapatonas contra o Capital! Sapatonas contra o Racismo contra o Terrorismo Neoliberal!”
“Sapatona! Sou sapatona! Porque quero ver o Patriarcado em chamas!”
“Acorda! Mulher! Vire sapatão! O homem é machista e ele não vai mudar não!”
“É nossa escolha! A vida é nossa! Eu escolhi amar mulheres! Lesbianize! Radicalize! A vida é nossa! É nossa escolha! Eu escolhi amar mulheres!”
“Não! Não! Lesbofobia não!”
“Odeio homem! Beijo mulher! Beijo mulher beijo mulher beijo mulher!”
“Fúria Lésbica!”

A intenção da ação era provocar e gerar um espaço contestatário à lógica liberal e pouco combativa da caminhada lésbica deste ano, renomeada como caminhada ‘les-bi’. Para opôr as cores do arco-íris LGBT, a cor preta da autonomia das nossas faixas e o lilás feminista/lésbico, auto-explicativos. As máscaras para nos proteger e permitir ousar, mostrar que nossa lesbiandade é de luta, e visibilizar a resistência. Gritando a palavra lésbica, sapatão, mostrar que os espaços lésbicos vivem, e não vão desaparecer!

Sempre atrás, quando a marcha chegava ao final, tomamos a frente dela cantando “Sapatão não é diversidade! Sapatão é resistência!”

Logo mais um relato mais detalhado da experiência.

ato 8 março em SP – lésbicas radicais presentes

 

Lésbicas radicais autônomas se fizeram presentes no ato de SP segurando faixa escrito LÉSBICAS RADICAIS CONTRA O CAPITAL E O ESTADO RACISTA PATRIARCAL, fizeram uma intervenção artística por meio de se fazer presente usando máscaras e chapéis de bruxa e entoando gritos como: “Vem! caminhão! Vem para a revolução!”, “Acorda mulher! Vire sapatão! O homem é machista e ele não vai mudar não!”, “Se toda mulher virasse sapatão, seria a revolução, seria a revolução!”, “Sapatonas contra as guerras! Sapatonas contra o Capital! Sapatonas contra o Racismo, contra o Terrorismo Neoliberal!”, “Lésbica feminista! sapatona convicta!”, “Não, não! Lesbofobia não!”, “Basta já de repressão! Pela santa inquisição! Botar fogo nas igreja libertar as sapatão!”, “Sapatão não é diferença sapatão é resistência!”.

Até onde soubemos, fomos o único grupo a sofrer violência (lesbofóbica e política) dentro do próprio ato, tendo sido atacadas por militantes do próprio ato, duas de nossas companheiras sofreram agressão e fomos perseguidas e filmadas, até a ação da comissão de segurança do ato atuar e expulsar o agressor do ato e reprimir a ação dos e das (sim) demais militantes. Também sofremos assédio lesbofóbico por parte de mulheres do próprio ato, de outras organizações. Mesmo assim se queriam nos atrapalhar, não conseguiram, seguimos firme com nossa faixa marchando e visibilizando as lésbicas.

feminismo é sobre a igualdade entre mulheres

Feminismo, para mim, nunca significou a igualdade entre homens e mulheres. Significou e significa a igualdade entre Nós – tornar-se semelhante àquelas mulheres que foram para mulheres, as que viveram pela liberdade das outras, aquelas que morreram por isso; aquelas que lutaram por mulheres e sobreviveram através da força feminina; aquelas que amaram mulheres e que perceberam que, sem a consciência e a convicção de que mulheres são primárias nas vidas umas das outras, nenhuma perspectiva nos é possível. O feminismo heterorrelacional, como o humanismo heterorrelacional, obscurece a necessidade da amizade feminina como um pilar para o feminismo, bem como uma consequência dele.

– Janice Raymond, A Passion for Friends – Toward a philosophy of female affection. Tradução: Carmen de Carvalho.

pensamentos sobre lesbofobia

Lesbofobia por parte de mulheres/feministas não passa de uma forma específica de misoginia do colonizado. Afinal a lesbofobia/ódio às lésbicas é uma forma de misoginia especial, serve à heterossexualidade compulsória e a mantêm, mantêm as mulheres na linha, ligadas à classe masculina. Tudo que indica separação dos machos é atribuído às lésbicas e tudo que é relacionado a possibilidade do separatismo e ao lesbianismo é visto como demasiado radical e extremo, demasiado ameaçador pro estatus quo, pra zona de conforto. O pensamento radical lésbico é então, demonizado e as lésbicas feministas queimadas na fogueira da misoginia, porque é ‘revolução demais’, é ir longe demais… isso não é permitido pro povo colonizado que são as mulheres. O pensamento lésbico representa então uma ameaça às bases do patriarcado, a heterossexualidade, logo a lesbofobia é uma forma de misoginia e de dominação sobre as mulheres para não permitir sair do cerco da heterossexualidade compulsória e as doutrinas perpetuadoras da sua ordem.

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a palavra lésbica pro queer e pro anarquismo/lésbicas anarquistas ou queer é nojenta. todo o tempo tentando apagar essa palavra, com queer, com masculinidades femininas, com o que for no lugar, podem se chamar de tudo menos de lésbicas. Essa palavra é mal vinda em todo lugar, até mesmo dentro do ‘feminismo’. ideologias profundamente lesbofóbicas e anti-lésbicas. sempre se colocando também contra relações profundas entre duas mulheres e patologizando como se fossem ‘monogamia’, ‘dependência’ e ‘feminilidade’, ‘possessividade’. Definitivamente as pessoas precisam entender que a realidade lésbica necessita uma epistemologia, análises, próprias, não podem importar da análise das relações heterossexuais. O contexto das relações e até mesmo das violências que se dão entre lésbicas está permeada pelo contexto lesbofóbico, tudo temos que ler tendo em mente a lesbofobia, até os supostos ‘ciúmes’ (insegurança num mundo de relações instáveis, de abandono familiar, de ataques a suas relações, de ser deixadas por lesbofobia internalizada, etc), isso não é pra desresponsabilizar, mas pra poder acolher esses casos todos sem reproduzir mais violencia lesbofobica contra essas sujeitas. E definitivamente: escrachos e difamações de lésbicas por terem tido relações difíceis e conturbadas (etiquetadas por autoridades morais cristãs do ‘feminismo’ – que as vezes está mais pra um movimento pela feminilidade – como relações ‘violentas’) é pura expressão de lesbofobia e ódio à lésbicas. Sempre a lesbofobia escondida das pessoas encontra um meio de se manifestar e aí nessas situações vem a tona, as grandes vontades de jogarem pedras nas sapatões. Como se fosse fácil pra estas construir modelos saudáveis num contexto de tanto ódio e ódio internalizado.
Meu compromisso é com as lésbicas.

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também: é lesbofobia idealizar as relações e realidade lésbica, e colocá-las de forma objetificada e fetichista como ocorre no lesbianismo político. é uma lesbianidade definida e colocada para o ‘het gaze’ para o olhar heterossexual, e não definida pelas mesmas, é uma lesbianidade fora de si mesma, definida por outras. é lesbofóbico idealizar e colocar tantas expectativas na lesbianidade e depois se voltar contra lésbicas porque não foram o paraíso idílico que estava posto pelo lesbianismo político ou por sua imaginação, como abrigos da supremacia masculina. sim que são abrigos no mais das vezes, mas essa existência e esses vínculos entre lésbicas e mulheres são fortemente atacados pelo patriarcado por representar uma ameaça direta a este, então logo é esperar demais de uma comunidade que sobrevive contra mil dificuldades, seria estranho se todas lésbicas estivessem bem, se não reproduzissem violências traumáticas deixadas pelo agressor, se não tivessem suas mentes conturbadas pelo contexto de violência em que vivem.

as lésbicas tem que ser obrigadas eternamente a performar e provar pro mundo suas relações, as relações lésbicas tem que ser perfeitas, tem que simbolizar tudo de ‘lindo e fofo’, ‘cor de rosa’ que se supoe que deveria ser as relações entre ‘mulheres’. Já que mulher né, é o sonho de feminilidade, bondade e doçura, assim deviam ser as lésbicas e suas relações. Aì quando as feministas encontram sapas feias, gordas, peludas e agressivas, bravas, elas detestam! E acusam a gente de ferir o feminsimo ou a imagem da lesbianidade!
Eu não tenho que provar nada para a heterorrealidade! Nos deixem com nossos problemas! Sâo séculos de massacre estamos tentando encontrar soluções e nos curar! E aceite: sem sua ajuda! Sem mais colonizador*s!

Saudações humanas…

“Bem -vindas …………… .

Sabe, eu sou lésbica há 30 anos. Eu me assumi quando tinha 21 anos, e em uma semana faço 51.

Vocês sabem do que a comunidade lésbica precisa?

Nós precisamos de um fórum cultural. Nós precisamos de um lugar na natureza, onde possamos ir e fazer o que fazemos melhor, que é celebrar a Mãe, celebrar umas as outras, amar umas as outras, falar de nossas vaginas, falar de nosso sangue, falar de nossas crianças, falar de nossas netas/os, falar da Mãe Terra, falar sobre consciência lésbica. E nos juntarmos e usar nosso poder enquanto mulheres para avançar nossa causa e nossa jornada.

Nós estivemos tão presas nessa conversa de identidade de gênero, e quem é realmente mulher, quem pode ser mulher e quem… Sabe, nós tivemos que lutar e gastamos muito tempo pontuando/dizendo algo que não tem como ser pontuado.

Por que deveríamos considerar tanto questões sobre identidade sexual, de gênero, masculina? ..Num momento em que nossos restaurantes estão sendo fechados, as estruturas educacionais que construímos, nossas organizações,…

Isso não é progresso. Quando a cultura e a identidade lésbica estão sendo diminuídas e nós não podemos dizer que somos mulheres, nós não podemos celebrar nossos seios, nossas vaginas, nosso sangue e nós estamos sendo barradas/excluidas na mídia, nas nossas comunidades. Isso é opressão.

Então o que pessoas oprimidas fazem? Não se dá a eles essa atenção, o que fazemos é dar a nós nossa atenção, dar às nossas causas nossa atenção, dar a nossa sexualidade nossa atenção, dar nosso cuidado.. Nós estamos ficando velhas, algumas estão tendo bebês, sabe, estamos em diferentes fases da nossa vida. Somos masculinas, somos femininas, somos andróginas, somos muitas coisas, mas somos mulheres e somos lésbicas e precisamos nos juntar. Temos que perceber o tempo nesse planeta, a divindade está nos chamando, a Mãe está nos chamando, esse planeta está em perigo, está sob o patriarcado e misógina há tanto tempo que estamos programas a brigar de uma forma.. Nós não… Nós temos uma inteligência entre mulheres e lésbicas que é muito mais abrangente do que o que esse planeta tem nos oferecer nesse momento. E eu imploro a nós mulheres que nos juntemos, usemos nossa babailá, nossa bruxaria, nossa ioruba, nossa medicina ancestral. Para que nós passamos fazer por nós o que sabemos que deve ser feito. É tempo pra isso. Esta na hora de todas as mulheres que amam mulheres se juntarem e dizerem a verdade sobre quem somos. ”

pippa fleming