Projeto Memória Lésbica

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O projeto Memória Lésbica surgiu em agosto de 2019 como resposta política e cultural ao contexto de descaracterização do movimento de lésbicas pelo neoliberalismo sexual e de gênero representados pelo movimento LGBT/Queer. O chamamos assim, Memória Lésbica, por ser precisamente o diagnóstico que damos à situação do movimento lésbico de falta de conhecimento acerca da sua própria história, genealogia de luta, pensamento,existência e ancestralidade. O que nos deixa à mercê do vazio simbólico, no qual eternamente a história feminina é lançada no patriarcado, e nos transforma em pálidas versões das produções dos homens: o segundo sexo de seus movimentos; o L do lgbt, que nos dilui e nos desaparece em suas siglas e significados. Assim, sem conhecimento dos passos que nos antecedem, começamos sempre do 0, sem consciência e sem orgulho ou reverência pela tradição de resistência daquelas que vieram antes de nós e que nos permite estar aqui hoje.

Estamos num momento de esvaziamento do significado de palavras como “Lésbica” e “Mulher”, que designam experiências específicas e indissociáveis do seu caráter sexuado. Sem essas palavras e categorias é impossível uma luta política organizada e a manutenção daquilo conquistado pelas nossas antepassadas. A diferença sexual é ontológica à lesbiandade e estamos aqui para devolver às palavras seu conteúdo concreto. Entendemos o corpo das lésbicas como o território primeiro vital, que foi invadido e colonizado e que, através da lesbiandade, é defendido, retomado, recuperado, cuidado e sanado. O corpo das mulheres está em disputa em uma guerra, os femicídios e lesbocídios são diários. A heterossexualidade é a forma de ocupação masculina desses territórios explorados na reprodução compulsória, trabalhos de cuidado, maternidade, trabalho doméstico, prostituição, pornografia, gestação sub-rogada, abuso sexual infantil, etc.

A Lesbiandade não é uma mera orientação ou prática sexual como nos fizeram crer os patriarcas por meio de suas ideologias. A Lesbiandade é uma ação direta das mulheres de rebeldia contra a classe masculina, é a base ética de um modo de vida crítico ao sistema masculino. A lesbiandade é a recuperação dos laços entre mulheres: é priorizar e amar mulheres num mundo que nos odeia.

Queremos recuperar as nossas comunidades lésbicas e seu caráter político, cultural e ancestral. Recuperar nossas memórias de resistência e rebeldia, resgatando nossas raízes lésbicas e os legados deixados a nós pelas sapatonas ancestras, pautando novamente a potência radical da existência lésbica.

Temos por objetivo:

  • Produzir e transmitir política lésbica-feminista, pois entendemos que a falta de formação política é um elemento central da atual colonização do nosso movimento por homens e suas ideologias disfarçadas de progressistas. Logo, buscamos politizar as lésbicas e fomentar consciência e orgulho sapatão;
  • Impulsionar e fortalecer a cultura lesbica. Pensamos a arte como ferramenta de produção de ordem simbólica, que oferece novos sentidos à experiência feminina e cria um local onde podemos habitar;
  • Criar espaços separatistas somente lésbicos e uma economia entre lésbicas;
  • Recuperar o caráter político e radical do movimento de lésbicas;
  • Recuperar e preservar genealogias de luta e pensamento lésbico;
  • Destruir a Heterossexualidade como regime político. Consideramos esse regime a fonte da subjugação das mulheres à classe dos homens. Buscamos sua destruição pela libertação das mulheres;
  • Apoiar o aborto autônomo e sua descriminalização. A lesbiandade é o melhor contraceptivo: uma resposta mais radical que o aborto à violência do hetero-sexo. Porém, reconhecemos a força estrutural da cultura de estupro e compulsoriedade do coito, uma sexualidade desigual e centrada no prazer e poder masculino;
  • Cultivar a resistência lésbica, autonomia e autogestão sapatão;
  • Lutar pelo abolicionismo da prostituição, da pornografia e do gênero.
  • Lutar contra a pedofilia, inerente ao regime heterossexual;
  • Pautar e lutar contra o racismo, fomentando a consciência étnico-racial e reparação histórica entre lésbicas;
  • Alimentar  uma postura e uma práxis de vida anti-capitalista;
  • Defender o veganismo, o anti-especismo e a ecologia radical como fundamentais no movimento de lésbicas;
  • Lutar contra o lesbo-ódio, demandar justiça nos casos de lesbocídio, acabar com a impunidade.
  • Apoiar lésbicas encarceradas;
  • Apoiar os povos indígenas, defensoras essenciais da Planeta;
  • Apoiar as lésbicas caminhoneiras e promover seu reconhecimento como linha de frente da visibilidade lésbica e as mais oprimidas por motivo de lesbo-ódio;
  • Promover a lesbiandade como direito radical das mulheres ao próprio corpo e portanto, uma possibilidade para qualquer mulher viver e escolher. Promover o verdadeiro e real pertencimento do próprio corpo;
  • Fomentar a coletividade lésbica, redes de apoio-mútuo, a solidariedade sapatão/sororidade;
  • Colocar as lésbicas em primeiro lugar nas nossas políticas, frente ao heterossexismo do movimento feminista;
  • Pautar saúde lésbica alternativa, o auto-cuidado, a autodefesa, a alimentação vegana e a prática física como essenciais no fortalecimento das lésbicas e promoção do amor-próprio, necessários para resistir no patriarcado. Buscamos não apenas sobreviver, mas o bem-viver e a criatividade para além da opressão.
  • Somos internacionalistas, por isso pautamos a Abya Yala e nos conectamos com lutas lésbicas de outros territórios. Somos anti-imperialistas e anti-colonialistas (por isso, críticas ao queer). Somos anti-assimilacionistas, não buscamos inserção no sistema capitalista e patriarcal, como faz o movimento lgbt. Somos autônomas, não acreditamos que a agenda de direitos do Estado Racista patriarcal resolvera todos nossos problemas, e sim nossa auto-organização. Somos radicais, por isso vamos à raiz do problema e temos a coragem necessária para isso, pois nenhum reformismo acabará com o lesbo-ódio estrutural e cultural, nem trará dignidade real.
  • Somos lésbicas da diferença: desprezamos a igualdade com heterossexuais como um objetivo medíocre em relação a tudo que podemos transformar com o que somos, e não desejamos suas misérias/privilégios, seu sistema. Não acreditamos nos falsos direitos iguais que nos oferecem como se agora tudo estivesse melhor. Portanto somos críticas (não contrárias) ao casamento, por não validar outras formas de relações significativas e comunitárias. Somos contrárias a inseminação artificial por um mercado racista e elitista. Somos críticas da adoção (não contrárias) como é colocada pois não substitui políticas sociais reais e não entra em questões profundas de raça, classe, colonialidade, ilegalidade do aborto e quem são as mulheres que tiveram essas crianças, muitas presas, em situação de rua, dependentes química, indígenas, mulheres de países com crise humanitária e mulheres que perderam a guarda por motivos de vulnerabilidade. Somos anti-barriga de aluguel/gestação subrogada pois os corpos das mulheres vulneraveis não devem ser usados para gestar crianças para casais LGBT. Estamos pelos direitos da infância então nos importamos com estas nisso tudo, seus interesses e integridade psicológica, pois crianças são pessoas e não direito de casais. E por fim convidamos a refletir que esse desejo é construido pela pressão heteronormativa.  Estamos orgulhosas da diferença que representamos e não buscamos apenas sermos “normais”. Ao invés da família monogâmica, acreditamos na comunidade lésbica como forma de coletividade potente e subversiva. Valorizamos nossa dimensão anti-reprodutiva como ecológica. Não queremos que só possamos ter direitos migratórios, de saúde, herança, e validação dos nossos vínculos por meio exclusivamente do casamento. Também não desejamos inserção no serviço militar ou policial.
  • Somos contra escracho e cancelamento de lésbicas. Acreditamos em resolução de conflitos nas nossas comunidades que não passem pelo punitivismo, o qual apenas estimula a sabotagem material de uma população vulnerável e o lesbo-ódio. A demanda de que lésbicas sejam perfeitas e não errem é desumanizante, tal exigência se origina na misoginia mais antiga contra mulheres e lésbicas. E o cancelamemto é contrário ao ambiente democrático para que debates e reflexões necessárias ocorram.

Convocamos todas as lésbicas identificadas com essa proposta rebelde a fazer parte desse chamado a construção de um movimento que faça jus à potência da existência lésbica.

Memoria Lésbica
memorialesbica@riseup.net

13 de outubro – Dia das Rebeldias Lésbicas, Memória das raízes lesbofeministas na Latinoamérica/Abya Yala

“O Beijo” por Nuvem V.

13 de outubro – Dia das Rebeldias Lésbicas, Memória das raízes lesbofeministas na Latinoamérica/Abya Yala.

Por Jan R.

A igualdade implica um caminho de comparação”

(Luce Irigaray)

Somos fugitivas da nossa classe

assim como os escravos americanos

fugiam da escravidão para serem livres”

(Monique Wittig)

Em 2006, no Chile, país marcado pela mais sanguinária ditadura no continente, e igualmente com combativas resistências, ocorreu o VII Encontro Lésbico Feminista Latinoamericano e Caribenho, que levava o título de “Pensando Autonomias desde uma Rebeldia Cúmplice”. O encontro foi marcado desde o começo pela aspiração a algo diferente do caminho que vinha levando muitos movimentos feministas nos anos 90 em diante: institucionalização, burocratização e cooptação para esferas governamentais e agendas de financiadoras internacionais. Segundo analisa Ochy Curiel na cartilha que registra a Memória do ELFLAY Colombia de 2014, a abertura democrática se deu conjuntamente com o interesse da globalização e do imperialismo de instalar o Neoliberalismo no território chamado latinoamericano – a Abya Yala, seu nome originario – recém saído da era dos regimes militares, e para isso necessitava de uma estabilidade política. Para isso promoveu um cidadanismo liberal por meio da cooptação das lideranças populares para cargos em organismos internacionais e financiamento de ONGs, para fazer dos movimentos sociais algo funcional ao sistema e com demandas reformistas do mesmo, ao invés de revolucionárias. O movimento lésbico sempre ficou um tanto a parte dessa tendência, talvez justamente por sua condição abjeta e ininteligível à heterorrealidade: o fato da não reprodução. Boa parte do ativismo feminista vinha sendo financiado por editais de direitos reprodutivos. Isso mostra o primeiro ponto da rebeldia lésbica: o lugar favorável da estrangería à cultura masculina, possibilidade de criação de Outra cultura e éticas, de outra perspectiva de mundo.
O encontro foi marcado pela discussão sobre Lesbiandade para além da sexualidade ou de uma identidade reivindicatória ante ao Estado (como é a política da Visibilidade), mas como projeto político emancipatório para todas mulheres, sendo as lésbicas prófugas do sistema heterossexual. Se aprofundou ali a formação política, facilitado pelo fato de que já havia lá um trabalho anterior e tradição de lutas graças ao ativismo e teoria de lésbicas como Margarita Pisano, Edda Gaviola, que com a heterofeminista Sandra Lidid fundaram o movimento autonomo feminista no Chile e formaram o grupo Complices, e o grupo Afuera de lésbicas radicais criado também por Pisano. As discussões se deram em torno a história do movimento, teoria lésbica, autonomia, rebeldia, radicalidade, utopia, e contexto no qual se encontravam enquanto lésbicas, analisando a vida das lésbicas em relação à fenômenos estruturais, sistêmicos e regionais destas. Um continente marcado por ditaduras, invasões colonialistas, intervenções militares, guerras civis, paramilitarismo, feminicídio, racismo, pobreza, ataque à indigenas, privatizações, resistências populares, exploração humana, animal e da Natureza. E desde toda essa reflexão, definir coletivamente qual projeto político se quer fazer da Lesbiandade.
Isso se deveu à vantagem da condição lésbica de marginalidade: no contexto latinoamericano por exemplo, foi fundamental o trabalho do GALF, que chegou a se replicar no Peru enquanto grupo lésbico. Nos periódicos Chana com Chana brasileiros, frequentemente vemos o debate de autonomia, com algumas páginas com o logotipo do Mujeres Libres por exemplo. Especialmente Rosely Roth tem um artigo de 1983 no número 4 do boletim, sobre Autonomia dos movimentos sociais, onde relata como a cooptação por partidos reduzia a potência política dos movimentos. As lésbicas sempre sofreram extrema exclusão nos movimentos [hetero]feministas, que as queriam esconder, e dentro dos espaços de homens homossexuais, gays, elas também eram invisibilizadas, e também os partidos políticos e a esquerda sempre subestimaram, invisibilizaram e diminuíram as lutas “homossexuais”. E isso impulsionou sua autonomia, a mesma história se repetindo nos EUA, Mexico ou Brasil. Essa exclusão se fez vantajosa para perceber como estes movimentos tendiam ao reformismo e a se firmar no aspecto contracultural do ser lésbica, a refletir por que essa exclusão acontecia: o quão desestabilizadora é a lesbianidade para o sistema, para a dominação masculina, e quanto a heterossexualidade é uma ferramenta política de manutenção dessa dominação. As lésbicas estando fora, criam comunidade, autonomia e ações diretas, tomando responsabilidades de moldar suas vidas dentro dos seus ideais separatistas de autogestão das sapatonas.
Foi um encontro marcado pelos avanços políticos do movimento de lésbicas, em clara ruptura e reação à tendência de LGBTização das lésbicas, e assimilação ao conceito de Diversidade Sexual, que esvazia a aposta e discurso lésbico. Neste encontro se profundizou a Lesbiandade como projeto político transformador, impactando ao neoliberalismo patriarcal, o racismo, o militarismo, a colonização, o etnocídio… Uma proposta de mudança civilizatória, propondo uma outra cultura fora da história masculina do Domínio.
A data foi decidida em Assembléia, com mais de 200 lésbicas-feministas de vários países. O primeiro encontro Lésbico Feminista ocorreu no México em 1987 e também ocorreu em um 13 de outubro, iniciando numa sexta-feira, dia das bruxas. E assim se decidiu pela data, impulsada pela sincronicidade. Também o 13 de outubro foi data escolhida para o primeiro encontro no México porque “é o dia seguinte à maldita chegada dos colonizadores às terras indígenas” segundo Angelina Marín, ativista lesbiana feminista da coletiva Moiras, em seu discurso na Plaza de las Armas, onde ocorreu a concentração para a marcha das Rebeldias Lésbicas após o encontro chileno. Ponto escolhido devido à história de assassinados e desaparecidos pela ditadura pinochetista. (fonte: blog Memoria Feminista Autonoma, texto de Victoria Adulnate). Todos encontros latino-americanos terminam com uma marcha ao final com 300 lésbicas feministas de várias partes do continente. Então foram convocadas ações no continente todo nessa data, de coletivas lésbicas que não de dobram ao opressor e nem mendigam direitos, senão que os exercem. A idéia da data é que ocorram atividades das mais variadas, marchas, exibições de filmes, pixações, discussões, festivais culturais… que celebrem as existências lésbicas como ato de rebeldia ante a heterosexualidade como sistema político normativo e obrigatório que explora e oprime as mulheres, recuperando as histórias e genealogias lésbicas em suas teorias, acionar político e no prazer de ser lésbica, celebrando também nossos erotismos como forma radical de alegria, descolonização e sanação dos primeiros territórios invadidos: nossas corpas.
Retomar o dia das Rebeldias Lésbicas é importante no Brasil em tempos em que a lesbianidade vem sendo esvaziada enquanto proposta política, sendo assimilada para dentro da idéia de “Diversidade Sexual”. O conceito de Diversidade vem do que mencionei no começo – a ação da globalização neoliberal em países de terceiro mundo, e suas agentes ONGs, financiadoras, partidos políticos, buscando acomodar movimentos de resistência como minorias identitárias que apelam direitos ao mesmo Estado genocida que as esmaga. Diversidade esconde políticas de acomodação ao sistema, e a idéia de Inclusão, que dilui a nossa potente Diferença, oferecendo a pobre Igualdade com os heterossexuais ou como mulheres, com os homens. O Lesbianismo como ética da Diferença não se basta em obter os mesmos privilégios heteros como casar, adotar, formar família, ou aparecer na mídia (representatividade). Nem em obter, enquanto mulheres, igualdade com homens ou escalar no seu regime de opressão e colonização, suas estruturas de dominação como empresas ou secretarias governamentais. A Lésbica Rebelde entende que nossa opressão só terá fim quando esses sistemas forem desmantelados conjuntamente, e a nossa inclusão nele ou algumas migalhas não serão suficiente para libertar a todas e todos povos oprimidos, animais ou a planeta. Lembrando que animais e Natureza são feminizados numa Ordem Simbólica patriarcal, logo o Ecocídio e Femicídio partilham a mesma logica masculina necrofílica e invasora/estupradora.
Então a Ética da Igualdade, Liberal, sob o discurso de “Diversidade”, se constitui numa estratégia de fragmentação e diluição da proposta lésbica. Quando mal vemos, nos tornamos uma mera letra insignificante no amontado de signos e bandeiras da hoje enorme sigla LGBTTQIetc, com quem dizem que temos que nos unir muitas vezes por meio de pânico quanto à violência heterossexual (como se homens fossem nos proteger). Basta ver o que aconteceu com as caminhadas lésbicas em São Paulo, que este ano foi encabeçada por uma faixa no estilo institucional, aquelas impressas em gráfica provavelmente com algum financiamento estatal ou partidário pelo preço que custam, levando o enorme mote: “Mulheres Lésbicas e Bis, Trans e Cis: Na mesma luta pela vida e por liberdade”. O sistema realmente tenta convencer que se trata de uma mesma luta e nos enfiar “todes” no mesmo saco para assim nos administrar melhor. As marchas lésbicas brasileiras inspiraram as marchas das rebeldias lésbicas, por termos sido pioneiras nesse tipo de manifestação pública levando a Lesbiandade às ruas como forma de visibilidade rebelde e redefinição do ser lésbica não como algo privado, mas político. Mas agora, estão deixando de existir para serem renomeadas e apagadas em sua história, enquanto Caminhada “Lesbi”, os seminários de lésbicas são agora “seminários Lesbi”, e votam para que se tornem “Lesbitrans”, fazendo sem sentido a própria existência de um movimento lésbico próprio, que sem nem perceberem, foi assimilado ao LGBT se tornando ele. Aqui não estou a negar a importância de que todos movimentos dissidentes sexuais se organizem politicamente e se unam em momentos em que seja necessário e estratégio, mas que devemos nos perguntar de quem é o interesse em desarticular os espaços próprios de luta e fortalecimento de cada questão, porque são questões diferentes. Não somos a versão feminina do homem gay e a corpa – diferença sexual – importa, quando falamos em Patriarcado que enxerga corpos femininos como recursos e mais antigo capital, o reprodutivo
Assim o neoliberalismo na sua forma de colonização de territórios lésbicos autônomos pela propaganda ideológica do queer (ideologia colonial norte-americana que se impôs com sucesso bastante devido aos homens gays já serem parte do problema sendo homens) e pela demanda de partidos políticos oportunistas e eleitoreiros do qual essas mulheres fazem parte, se impôs nos movimentos lésbicos. Também minha hipótese do por que isso veio ocorrendo, é pelo próprio sucesso da implantação cultural do neoliberalismo, que produziu subjetividades próprias do liberalismo: individualistas, consumistas, sem história, ou na pós-história, onde não importa mais lutar os regimes opressivos e sim, aplaudir a propaganda da uber com a sua bandeira identitária. A Diversidade de Mercado é a liberdade de consumir o que quiser, a falsa liberdade capitalista.
O corpo das mulheres é também um território político invadido e ocupado há seculos, assim como é a Abya Yala. Lésbicas são aquelas que expulsaram os invasores homens de seu território fundamental. Como diz Catherine Mackinnon:“A Sexualidade é para o Feminismo o que o Trabalho é para o marxismo: aquilo que nos é mais próprio e que mais é expropriado”. Ser lésbica é um ato de resistência, são aquelas que resistem em seus territórios-corpo. As deturpações de feminismo ou NeoPatriarcado (Yan Maria Castro) são uma forma dos homens retomarem nossos territórios-corpo, a corpa lésbica nega o acesso masculino. Distorcer o significado radical e genealógico, ancestral, do ser lésbica vem sendo uma guerra psicológica empreendida pelos homens contra nós por meio das novas políticas de identidade do queer e generismo.
Saber nossa história, recuperar genealogias de lutas e pensamento, fazer formação política como fizeram as chilenas em 2006, pode ser a nossa melhor aposta para rearticular o movimento lésbico enquanto resistente, rebelde e combativo, para longe de uma inclusão que é falsa, romântica, maternal e conciliadora como a boa e velha feminilidade, mais antiga colonização mental masculina sobre mulheres.
FONTES:
ADULNATE, Victoria. 13 DE OCTUBRE: DÍA DE REBELDÍAS LESBIANAS FEMINISTAS LATINOAMERICANAS Y CARIBEÑAS. 2006. Em http://feministautonoma.blogspot.com/2007/10/13-de-octubre-da-de-rebeldas-lesbianas.html
CASTRO, Yan María Yaoyólotl. La Cosmopercepción Indígena Lesbofeminista ante el generismo capitalista. Una perspectiva desde el lesbianismo feminista comunista indígena. Em “Pensando los Feminismos en Bolívia – Série Foros 2”. Creativa 2. La Paz, Bolívia: 2012.
CURIEL, OCHY. EL 7MO ENCUENTRO LÉSBICO FEMINISTA: TRASCENDENTE e HISTÓRICO. 2006. Em https://elflacguate.blogspot.com/p/los-elflacs.html
FRANULIC, Andrea. Fala Sobre dia das Rebeldias Lésbicas “MOVIMIENTO REBELDE DEL AFUERA PLAZA YUNGAY”, 2012. Em: https://www.youtube.com/watch?v=sQK1QfFxYbA
MOGROVEJO, Norma. Un amor que se atrevio a decir su nombre. La Lucha de las Lesbianas y su relacion con los movimentos homossexual y feminista en latinoamerica. Plaza y Valdes editores. México, DF. 2000.
MOGROVEJO, Norma. VIII ELFLAC GUATEMALA. ¿DE QUE NOS TIENEN QUE CON-VENCER? 2010. Em: https://normamogrovejo.blogspot.com/2016/02/viii-elflac-guatemala-de-que-nos-tienen.html
Memórias X ELFLAY (ENCUENTRO LÉSBICO FEMINISTA DE ABYA YALA) 2014.
ROTH, Rosely. Autonomia. Chana com Chana. n. 4. 1983.

Dia das Rebeldias Lésbicas!

 

Vídeo realizado em 2006 para celebrar o 1o dia das Rebeldias Lésbicas, em 13 de Outubro, data de visibilidade das lutas lésbicas-feministas em toda Abya Yala, feito logo após o encontro lésbico que lançou o dia de lutas. É inspirador por mostrar genealogias de pensamento e luta lésbica. Temos crítica à Butler e outras mais faltaram, vamos tentar complementar assim como mais mulheres negras. “As sequências são uma visão pessoal da razão de ser e trabalhar desde o feminismo. Também é uma explicitação dos referentes de formação política lesbo-feminista que tive.”
realizado por Alejandra Aravena, Radio Numero Critico

 

“Me desnudam com sordícia
Me silenciam com sangue
Deformam meu corpo
Extirpam meu prazer.

Com suas migalhas me educam para servir-lhes.
Ainda escrava, atada às penas de minha terra,
Libero meus mares para sanar-me.

Expulsa de seu paraíso
Como deusa me violaram
Como sábia me queimaram
Como lutadora me torturaram.

Ser mulher não me basta…
Ser lesbiana não é suficiente…
Foi etiquetada, classificada e analisada
cada parte de mim.

Ante suas navalhas ensanguentadas,
Suas escolas fechadas,
Suas cozinhas vazias,
Suas bombas assassinas… Cada átomo de meu ser vibra
Em saltos cada vez mais amplos,
Explodindo em uma reação em cadeia:
De vida, de alegria…
de REBELDIA.

Lésbicas inspiracionais citadas:

Virginia Woolf, Marguerite Yourcenar, Monique Wittig, Teresa de Laurentis, Judith Butler, Tsitsi Tiripano, Cherríe Moraga, Jill Johnston, Barbara Smith, Sheila Jeffreys, Audre Lorde, Adrienne Rich, Gloria Anzaldúa, Cheryl Clarke, Margarita Pisano, Juanita Ramos, Julieta Paredes, Rosangela Castro, Cecilia Riquelme, Mariana Pessah, Paulina Vera, Marlore Moran, Ochy Curiel, Chuy Tinoco, Yuderkys Espinosa Miñoso, Melissa Cardoza, Norma Mongrovejo, Jules Falquet, Ximena Bedregal, Yan María Yaoyólotl Castro, Doris Muñoz, Erika Montecinos, Claudia Acevedo, Jana Aravena, Jennifer Mella). “1o dia Internacional das Rebeldias Lésbicas, 2007
Agradecimento a todas
Com as que estive aprendendo, chorado, rido… crescido. E aquelas com as quais estou em desacordo.
Por todas nós… ”

Queremos acrescentar alguns nomes: Carol Ann Douglas, Denise Thompson,  Betty McLelan, Susan Hawthorne, Celia Klitzinger,  Ana Reis, Sarah Lucia Hoagland, Julia Penelope, Marilyn Frye, Jeffner Allen, Julie Bindel, Pat Parker, Linda Bellos, Margaret Sloan Hunter, Kathy Miriam, Angela Davis, Caryatis Cardea, Alice Walker, Lilian Faderman, Janice Raymond, Kate Millet, Christine Delphy, Stormé DeLarverie, Sonia Johnson, Rosely Roth, Miriam Martinho, Tania Navarro Swain, Bev Jo, RADICALESBIANS, Magdalen Berns, Andrea Franulic, Insu Jeka (Jessica Gamboa), Chrystos,

Jornada da Memória Lésbica – 24 de Agosto de 2019. Registros e manifesto

Este ano foi comemorado 50 anos da revolta de Stonewall, apesar de nunca mencionarem que foi uma insurreição  iniciada por uma lésbica butch Drag King, a Stormé DeLarverie. Mas essa é a nossa história como mulheres e lésbicas? Desde o … Continue reading

Jornada Autônoma da Visibilidade Lésbica

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29 de agosto é o dia da Visibilidade Lésbica. Em ocasião desta data, a Círcula de Reflexões Lesbafeministas convoca todas as sapatonas, fanchas, caminhoneiras, entendidas, lésbicas, bate-bolachas, cola-velcros, tesourinhas, tríbades e roçadeiras para um dia inteiro de atividades voltadas à celebração da nossa resistência, memória e rebeldia.
Se não nos fazemos visíveis, não existimos. A Visibilidade Lésbica que queremos é a visibilidade da nossa resistência enquanto mulheres rebeldes e em desacato constante à Supremacia Masculina. É dar a ver a existência lésbica à outras irmãs sapas para saibam o que são, que há outras como elas, que elas possuem um nome – Lésbicas – para que tomemos consciência da nossa condição política enquanto lésbicas: de que somos foragidas da Heterossexualidade Obrigatória enquanto regime de submissão das mulheres. Ao escapar da heterossexualidade não estamos apenas exercendo uma orientação sexual diferente, estamos ousando criar uma existência independente da aprovação masculina. 
Somente com mais e mais lésbicas visíveis nos fazemos fortes e acessíveis à outras lésbicas, agora talvez sozinhas. Visibilidade Lésbica é sobre nosso apoio-mútuo no enfrentamento da Lesbofobia, violência, heterossexismo. Somente com mais e mais lésbicas nas ruas e e todos demais espaços – políticos, simbólicos, nas artes, na literatura, na história – podemos crescer em numero e idéia para derrubar o sistema da supremacia masculina.
O Patriarcado (sistema da Dominação Masculina) trata de ocultar e reprimir as lésbicas porque esta é uma idéia perigosa para o poder dos homens, que depende da exploração das mulheres. Se todas mulheres se tornassem lésbicas hoje, derrubaríamos o Patriarcado. Lésbicas vem, durante os séculos, existido, mesmo perseguidas, mortas e torturadas, queimadas como bruxas, deportadas de seus países, trancafiadas em prisões ou hospitais psiquiátricos, excluídas, tendo que viver de forma escondida ou negando seu desejo. As lésbicas, antes de qualquer movimento feminista organizado, vêm vivendo de forma autônoma dos homens, muitas chegaram a morrer antes de negar sua paixão. Em homenagem àquelas que nos antecederam celebramos nossa consciência lésbica e a transmitimos às demais, lutamos para que mais e mais lésbicas, assim como todas as mulheres,  possam ser livres. 
Nossa proposta é recuperar os espaços e a culturas lésbica, num contexto em que estes estão sob ataque. Os espaços lésbicos e a palavra lésbica estão em desaparição, e isso se deve à lógica neoliberal que vem colonizando os movimentos sociais, dentre eles o lesbianismo e feminismo como movimentos políticos. Nossa Jornada se propôe a ser Autônoma em questionamento das lógicas mercantilistas, capitalistas, governistas, institucionais, academicistas, médicas, liberais, elitistas, racistas, anti-feministas e anti-lésbicas que vem tomando o movimento lésbico, chegando a apagar até mesmo a palavra ‘lésbica’ destes, trocando por termos como ‘les-bi’ ou ‘queer’, “LBGT”, e outros. Queremos espaços específicos e exclusivos de lésbicas para nossas demandas. Queremos pensar em alternativas autogestivas para nossa comunidade que saia do modelo de ‘políticas públicas’ e de pedir coisas ao Estado, que consideramos Patriarcal, Racista e Capitalista. Não queremos que o sistema assimile a Revolta Lésbica. Queremos incitá-la para revolucionar este mundo!
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PROGRAMAÇÃO
10h: oficina de autodefesa lesbika para reflexão e enfrentamento à violência masculina (10h-12h)
12h: almoça beneficente vegana – livre de exploração animal!
13h: roda de conversa sobre visibilidade lesbica, resistência e invisibilidade de lesbicas negras, pobres, mães, presas, imigrantes, gordas, deficientes…
15h30: curta “Meu Mundo é Esse” de Márcia Cabral, sobre lésbicas negras. 
16h: oficina de saúde e ginecologia auto-gestionada para lesbikas – Lesbofobia na saúde, medicalização e heterossexualização das corpas lésbicas e estratégias de autonomia.
17h30. Sarau Lésbico. Traga suas escritas ou de autoras que você goste!
19h às 22h. Apresentações Culturais.
    Luana Hansen 
    Mc Lua
   exposições e apresentações artísticas 
   
* Mostra fotográfica sobre cotidianidade das lésbicas, Giovana Pellin.
* Exposições de ilustrações com temática sapatão (Traga sua arte e participe também!).
* Apresentação artística “malabarima” por raposa.
* Vai ter FEIRINHA LIVRE de materiais lésbicos: camisetas, bottons, zines, patchs, chaveiros, colares de labrys, copinhos menstruais, comidinhas veganas… Em apoio à autogestão das lésbikas e suas atividades subversivas!
Traga sua banquinha também caso também produza  artesanato. 
Nos somamos a campanha de arrecadação de absorventes para presas. Se puder traga absorventes externos descartáveis que estaremos recolhendo!
* Mães lésbicas: haverá uma ciranda durante o evento para ficar com as suas crianças.
* Este espaço pretende ser inclusivo a todo tipo de lésbicas. Se você tem alguma demanda para facilitar o acesso a este espaço, escreva para circula.lesbafeminista@riseup.net 
* Para quem for almoçar no local: vamos realizar uma almoça vegana, com contribuição de 7 reais, para apoiar atividades lesbafeministas. Não é obrigatório participar na almoça se você quiser trazer seu lanche. Se você não puder pagar este valor converse com a organização e combinamos.
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Onde: CICAS – Centro Independente de Cultura Alternativa e Social
Avenida do Poeta, 740 – Jardim Julieta Terminal de Cargas Fernão Dias
Quando: 30 de agosto, domingo.
Como chegar: do metro Belém (linha vermelha) pegar ônibus 172R-10 Jaçanã, descer na praça Carlos Koseritz. O CICAS fica no meio da praça. Caso haja dúvidas, basta perguntar às pessoas do bairro pois o centro é conhecido na comunidade!
(tem ônibus que vem também do Tatuapé da linha vermelha, o 172J-10 Jardim Brasil na rua Enrique Sertorio, 101, descer na mesma praça acima, e da estação Tucuruvi da linha azul, na Avenida Nova Cantareira, 2475, o ônibus 1720-10 Jardim Guanca descer na Praça dos Sonhos da Menina).
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Por todas as lésbicas:
Negras, mães, periféricas, indígenas, imigrantes, deficientes, idosas, jovens, gordas, presas, assumidas e não-assumidas. Visíveis ou não. Por todas as lésbicas que resistem para existirem.
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contato: circula.lesbafeminista@riseup.net

Onde está a palavra LÉSBICA?

A palavra lésbica e seus espaços exclusivos vem sendo omitidos, excluídos, atacados, difamados, apagados dentro dos espaços e discursos feministas hegemônicos. Isso acontece porque a lesbiandade é uma proposta rebelde que o sistema patriarcal não comporta, e portanto os feminismos bem-comportados, reformistas, subordinados às prerrogativas masculinas, não bancam nem querem bancar enquanto proposta política crítica que consegue até mesmo ir para além do próprio feminismo em potencial transformador.
Essa omissão da lesbiandade e as tentativas de suavização dessa política, além da submissão do feminismo na tentativa de ser aceitável aos homens, ocorre como consequência da própria opressão das mulheres e como reflexo fiél da Heterossexualidade Compulsória. Damos o nome de ‘heterofeminismo’  a toda suposta manifestação de ‘feminismo’ que se encontra atravessada pela lógica heterossexual – a lógica de que mulheres pertencem aos homens, de que homens devem ter acesso irrestrito aos nossos corpos, territórios e vida, a doutrina sistemática de que a relação entre opressores e oprimidos homem e mulher são inevitáveis, naturais e produtos do ‘desejo’ e não relações políticas de dominação. O tal desejo heterossexual não passa de uma tentativa de naturalização de uma relação de opressão entre os sexos. Esse “desejo” – quando existe (se é que existe) – é construído e doutrinado e forçado por uma série de mecanismos políticos: educação, mídia, família, terror psicológico. As mulheres se relacionam com homens porque eles detêm os recursos para sobrevivência destas em todo o planeta, sendo eles quem detêm poder político, recursos materiais, condições econômicas e simbólicas. Portanto o consentimento das mulheres nas relações heterossexuais é produzido pela relação de poder entre classes sexuais nas quais estas se encontram. 
Esses ‘feminismos’, resultados da colonização das mulheres como grupo pelos homens, não pretendem qualquer desafio real e radical à supremacia masculina, senão que pede por meras reformas e algumas  negociações com o Poder, além da reforma impossível dos nossos agressores e opressores. Não cosideramos nossa liberdade negociável com os patriarcas.
Tendo em vista que os espaços feministas são dominados pela heterossexualidade dominante e hegemônica, se torna confortável para a ordem patriarcal, que também se expressa nesse feminismo que sejamos colocadas sempre ao lado das bissexuais e de mil outras categorias políticas, enquanto uma “Diversidade Sexual” na ampla gama de cores de um alegre arco-íris, de modo a abafar o ruído e o estrondo que a palavra lésbica promove, de modo a esconder que a possibilidade de uma existência sem homens, também escondendo que a lesbiandade é uma condição política muito mais rebelde e subversiva do que qualquer outra dessas categorias do GBTTQIetc que não apresentam qualquer ameaça ao Patriarcado, se não é o caso de que as mantêm: se bissexuais mantêm a instituição da heterossexualidade, trans e travestis mantêm o genero e homens gays são homens.
Somos deslegitimadas e tratadas como diversidade sexual e não como mulheres que fugimos da condição de subordinada e recusam a relação com os opressores, como se fizéssemos parte de uma ampla gama de meras práticas sexuais e “identidades” – muitas vezes supremacistas masculinas como sadomasoquismo, “prostituição”/estupro pago de homens sobre mulheres vulnerabilizadas, abuso sexual infantil, heterossexualidade/bissexualidade, e outras – aparentemente coexistentes entre si e com o sistema, nos definindo novamente enquanto sexo. Lésbicas não somos Diversidade nem festa, somos pura fúria contra os patriarcas. Enquanto expressão política da Sexualidade da Desigualdade, jamais haverá revolução enquanto mantemos a Heterossexualidade intacta e inquestionada. Queremos destruí-la pela autonomia das mulheres!
O feminismo hegemônico/heterossexual é resultado da colonização dos homens. A prerrogativa heterossexual se expressa em como estes feminismos, ao invés de constituírem-se em um movimento feminista autônomo em si, termina prestando-se como ferramenta de homens gays (LGBT/Queer/Liberalismo Sexual) ou homens de partido ou homens em cargos de governo ou machos da esquerda anarquista e marxista, na ilusão de que poderá galgar alguma ascensão dentro das estruturas do Poder Masculino. Isso representa o que a Supremacia Masculina consegue fazer com todos desafios à sua ordem: absorver as resistências e tranformá-las em auxiliares do Opressor, desvitalizando a rebeldia e impedindo a radicalização das lutas. 
Vemos a lesbiandade como resposta enquanto ética radical de identificação entre mulheres e de descolonização, e como paradigma do que é o feminismo levado às últimas consequências. Enquanto um certeiro ataque à falorealidade, representa o rompimento/separação com a Cultura Masculina, consistindo para além de mero afeto sexual , na criação de outra realidade, outra existência para nós. Escolhemos a lesbiandade revolucionária porque vemos ela enquanto único desafio sério à colonização masculina.
Não podemos querer revolução se não revolucionamos o íntimo, o privado e o público. Se não nos propomos verdadeiramente a uma mudança radical e total, assumindo-nos como contra-ataque e reagindo com a nossa união, nos conectando com nossas iguais, criando uma comunidade lésbica que nos dê a segurança de saber que não estamos sós, que somos muitas, mesmo que muitas de nós ainda estejamos isoladas, não venceremos o heteropatriarcado. Precisamos nos unir para revolucionarmos, para colocarmos em prática o nosso contra-ataque. Necessitamos uma lesbiandade combativa contra o Terrorismo Masculino.
A proposta dessa virada lésbica é ser uma intervenção que traga a discussão da lesbiandade – uma ferramenta de luta e existência por fora da realidade masculina – e crie um espaço lésbico alternativo, questionando a exclusão da palavra lésbica por parte do feminismo hegemônico e sua lógica heterossexual, e propondo a união entre lésbicas.
Mesmo no meio feminista ainda precisamos pedir licença para existir, e nosso nome – lésbica, sapatão, caminhoneira – não pode aparecer sozinha e em todo seu estrondo e potência. Por isso, nos convidamos onde não somos convidadas, aparecemos, nos visibilizamos, assumimos nós mesmas o papel e o desafio de gerar esse espaço.
O medo da lesbiandade radical e o ataque às lésbicas, as tentativas de distorção e suavização dessa palavra – Lésbica – é um ataque sempre ao que representa a possibilidade de rompimento com homens, evento extremamente ameaçador aos patriarcas. A hostilidade com o feminismo lésbico e a negação de espaços exclusivos é para impedir que mulheres alcancem o estado político e consciência necessária para derrubar de fato o regime de dominação masculina e para transformar suas vidas agora, neste exato instante, sem esperar por mudanças estruturais ou politicas públicas que apenas colocam um esparadrapo no problema, revolucionando sua vida desde o privado e cotidiano.
Não podemos agir em direção à revolução se nos baseamos nas mesmas estruturas que nos oprimem. Tudo que for criado nas estruturas do sistema patriarcal-capitalista-racista-elitista será exatamente como ele (casamento gay, adoção, etc, acomodação ao modelo familiar heterossexista), por mais que a aparência seja diferente. As correntes assim se afrouxam e dão a falsa impressão de liberdade, mas somente estamos nos movimentando dentro do cercado bem delimitado pelos patriarcas, o que  nos mantêm domesticadas e não-ameaçadoras.
Vamos quebrar as correntes que nos prendem ao heteropatriarcado, vamos destruir os laços que ainda nos unem a essa sociedade que nos enfraquece, que barra a nossa voz! FÚRIA LÉSBICA!
Por isso tudo vamos intervir na virada feminista, reunindo as lésbicas interessadas em pensar e viver uma lesbiandade radical, como estratégia de luta, amor e vida!
O FEMINISMO SERÁ LÉSBICO/RADICAL* OU NÃO SERÁ.
SE NÃO FOR SEREMOS LÉSBICAS RADICAIS.
HERESIA LESBICA
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* lésbico = radical. Diferentes palavras para designar a mesma coisa
(versão integral do panfleto distribuído durante a intervenção “Virada Lésbica” durante a Virada Feminista realizada no CCJ em São Paulo em junho de 2015.
Baixe o panfleto aqui: http://heresialesbica.noblogs.org/files/2015/03/virada-panfleto-verso.pdf )

Fúria Lésbica! Fotos do bloco lésbico radical na ex-caminhada lésbica

Na caminhada lésbica e bissexual de SP, fizemos uma intervenção por meio de novamente, reaparecer com nossos chapéis de bruxa e mascaradas. Levamos nossa faixa “Lésbicas Radicais contra o Capital e o Estado Racista Patriarcal” e tambores de latão, lambes, stencil, feirinha de materiais lesboterroristas, máscaras. Na concentração e durante a marcha do nosso bloco podiam-se ouvir os gritos:

“Vem caminhão vem fazer revolução!(Toda feminista pode ser uma sapatão!)”
“Lésbicas Separatistas! Sapatonas convictas! (Eu não vou deixar o Patriarcado me abalar!)”
“Sapatão não é diversidade! Sapatão é resistência!”
“Tire o L do LGBT!”
“Lésbica Radical contra o sistema Patriarcal!”
“Basta já de repressão/pela Santa Inquisição!/Botar Fogo nas Igrejas e Libertar as Sapatão!”
ao passarmos ao lado de uma churrascaria: “Lésbica Radical! Contra a Exploração Animal!”
“Sapatonas contra as Guerras! Sapatonas contra o Capital! Sapatonas contra o Racismo contra o Terrorismo Neoliberal!”
“Sapatona! Sou sapatona! Porque quero ver o Patriarcado em chamas!”
“Acorda! Mulher! Vire sapatão! O homem é machista e ele não vai mudar não!”
“É nossa escolha! A vida é nossa! Eu escolhi amar mulheres! Lesbianize! Radicalize! A vida é nossa! É nossa escolha! Eu escolhi amar mulheres!”
“Não! Não! Lesbofobia não!”
“Odeio homem! Beijo mulher! Beijo mulher beijo mulher beijo mulher!”
“Fúria Lésbica!”

A intenção da ação era provocar e gerar um espaço contestatário à lógica liberal e pouco combativa da caminhada lésbica deste ano, renomeada como caminhada ‘les-bi’. Para opôr as cores do arco-íris LGBT, a cor preta da autonomia das nossas faixas e o lilás feminista/lésbico, auto-explicativos. As máscaras para nos proteger e permitir ousar, mostrar que nossa lesbiandade é de luta, e visibilizar a resistência. Gritando a palavra lésbica, sapatão, mostrar que os espaços lésbicos vivem, e não vão desaparecer!

Sempre atrás, quando a marcha chegava ao final, tomamos a frente dela cantando “Sapatão não é diversidade! Sapatão é resistência!”

Logo mais um relato mais detalhado da experiência.