Quarentena Lesbofeminista – grupo de leituras online de teorias lésbicas

Enquanto presenciamos a derrocada do patriarcado e o desenrolar do caos completo decorrente das necropolíticas ecocidas masculinas, do qual um vírus é somente uma das consequências, nós lésbicas radicais precisamos mais do que nunca criar territórios aquém e além da realidade masculina, deixando para trás definitivamente a normalidade heterossexista.

Convidamos todas as lésbicas interessadas a participarem da Quarentena Lesbofeminista – grupo online de leitura de teorias lésbicas. É um convite a explorarmos a potência do pensamento lésbico vital e sem amarras.

O isolamento social por conta da covid-19 nos obriga a ficar em casa, ou a reduzir nossa vida social. Mas para nós lésbicas a domesticidade, outrora desprezada, tem significado a redescoberta de uma liberdade, por fora da hostilidade do mundo externo masculino. Homens definiram o mundo público como o espaço da real-política, nós acreditamos no valor do íntimo, pois é na privacidade feminina que podemos confabular resistências e imaginar a reinvenção da vida longe das vistas do patriarcado.

Afirmemos a quarentena como oportunidade de nos retirar de vez: deixemos lá fora o vírus e a ordem simbólica masculina. A pandemia de coronavírus é expressão do fracasso do patriarcado. É agora mais que nunca a oportunidade de renegar seu mundo.

Convidamos as lésbicas a usarmos criativamente esse espaço potente que é a interioridade: ressignifiquemos desde um olhar sapatão como local de criatividade, prazer, autocuidado, crescimento pessoal e intelectual, ginoafeto virtual. E para aquelas de nós obrigadas a permanecerem isoladas com pessoas perpetuadoras de lesbo-ódio, é hora de apostar na criação de redes e de conexões e no poder da palavra entre mulheres. Estaremos criando ordem simbólica lesbiana e apreciação das nossas genealogias, aprendendo do pensamento autônomo de mulheres, por meio de encontros virtuais que recuperam a coletividade entre sapatonas para além das falsas fronteiras machistas que nos dividem.

Deixemos o mundo dos homens, suas políticas e problemas de fora. Essa crise não é nossa. Que mundo podem as lésbicas criar?


Os encontros ocorrerão por meio de videochamada em grupo a cada 15 dias na plataforma jitsi, escolhida por ser online e segura. O link da reunião virtual será enviado por e-mail às registradas. Este primeiro encontro ocorrerá dia 10 de maio (domingo) consistindo na leitura do texto de Susan Hawthorne “A Despolitização da Cultura Lésbica” – o pdf está em anexo na página e também está o texto para visualização online na página.

Por motivos de segurança contra a violência masculina (que pode ser física e virtual) pedimos que responda o formulário de registro.

Dúvidas escrever a: memorialesbicas@gmail.com

Dia das Rebeldias Lésbicas!

 

Vídeo realizado em 2006 para celebrar o 1o dia das Rebeldias Lésbicas, em 13 de Outubro, data de visibilidade das lutas lésbicas-feministas em toda Abya Yala, feito logo após o encontro lésbico que lançou o dia de lutas. É inspirador por mostrar genealogias de pensamento e luta lésbica. Temos crítica à Butler e outras mais faltaram, vamos tentar complementar assim como mais mulheres negras. “As sequências são uma visão pessoal da razão de ser e trabalhar desde o feminismo. Também é uma explicitação dos referentes de formação política lesbo-feminista que tive.”
realizado por Alejandra Aravena, Radio Numero Critico

 

“Me desnudam com sordícia
Me silenciam com sangue
Deformam meu corpo
Extirpam meu prazer.

Com suas migalhas me educam para servir-lhes.
Ainda escrava, atada às penas de minha terra,
Libero meus mares para sanar-me.

Expulsa de seu paraíso
Como deusa me violaram
Como sábia me queimaram
Como lutadora me torturaram.

Ser mulher não me basta…
Ser lesbiana não é suficiente…
Foi etiquetada, classificada e analisada
cada parte de mim.

Ante suas navalhas ensanguentadas,
Suas escolas fechadas,
Suas cozinhas vazias,
Suas bombas assassinas… Cada átomo de meu ser vibra
Em saltos cada vez mais amplos,
Explodindo em uma reação em cadeia:
De vida, de alegria…
de REBELDIA.

Lésbicas inspiracionais citadas:

Virginia Woolf, Marguerite Yourcenar, Monique Wittig, Teresa de Laurentis, Judith Butler, Tsitsi Tiripano, Cherríe Moraga, Jill Johnston, Barbara Smith, Sheila Jeffreys, Audre Lorde, Adrienne Rich, Gloria Anzaldúa, Cheryl Clarke, Margarita Pisano, Juanita Ramos, Julieta Paredes, Rosangela Castro, Cecilia Riquelme, Mariana Pessah, Paulina Vera, Marlore Moran, Ochy Curiel, Chuy Tinoco, Yuderkys Espinosa Miñoso, Melissa Cardoza, Norma Mongrovejo, Jules Falquet, Ximena Bedregal, Yan María Yaoyólotl Castro, Doris Muñoz, Erika Montecinos, Claudia Acevedo, Jana Aravena, Jennifer Mella). “1o dia Internacional das Rebeldias Lésbicas, 2007
Agradecimento a todas
Com as que estive aprendendo, chorado, rido… crescido. E aquelas com as quais estou em desacordo.
Por todas nós… ”

Queremos acrescentar alguns nomes: Carol Ann Douglas, Denise Thompson,  Betty McLelan, Susan Hawthorne, Celia Klitzinger,  Ana Reis, Sarah Lucia Hoagland, Julia Penelope, Marilyn Frye, Jeffner Allen, Julie Bindel, Pat Parker, Linda Bellos, Margaret Sloan Hunter, Kathy Miriam, Angela Davis, Caryatis Cardea, Alice Walker, Lilian Faderman, Janice Raymond, Kate Millet, Christine Delphy, Stormé DeLarverie, Sonia Johnson, Rosely Roth, Miriam Martinho, Tania Navarro Swain, Bev Jo, RADICALESBIANS, Magdalen Berns, Andrea Franulic, Insu Jeka (Jessica Gamboa), Chrystos,

Ato da Visibilidade Lésbica 2019 – 3 Anos sem Luana Barbosa. Párem de nos matar!

O Ato da Visibilidade foi puxado espontaneamente e descentralizadamente este ano, sem figuras protagonizando. Especialmente liderado pelas mulheres negras com o bloco Siga Bem, no começo fechava a avenida toda até um grande contingente de policiais aparecer para intimidar o ato que parecia querer disputar com a própria marcha. Foram puxados jograis sobre lesbocídio e lembrando as caídas, Luana Barbosa, Marielle Franco e tantas outras… presentes! Também palavras de ordem. “Hey mulher vire Sapatão o homem é machista e ele não vai mudar não” e outros clássicos sustentados por uma bateria ruidosa. Lésbicas radicais auto-convocadas produziram cartazes apresentando idéias mais separatistas e ecologistas.

 

 

Jornada da Memória Lésbica – 24 de Agosto de 2019. Registros e manifesto

Este ano foi comemorado 50 anos da revolta de Stonewall, apesar de nunca mencionarem que foi uma insurreição  iniciada por uma lésbica butch Drag King, a Stormé DeLarverie. Mas essa é a nossa história como mulheres e lésbicas? Desde o … Continue reading

Uma perspectiva crítica sobre o escrachamento de lésbicas

Um ensaio novamente sobre a questão do punitivismo e escracho como maltrato de lésbicas e a examinação das raízes na Misoginia da sua inspiração nas éticas de uma sociedade penal, mantendo que as práticas punitivistas servem a um propósito mais de controle social que de justiça e transformação profunda de um tema. Novamente dedico-me a tarefa de expôr minha oposição à destruição desumanizante e malignizante de alguém, como imperativo ético lésbico-feminista.

Baixe a versão em pdf: O Apedrejamento de Lésbicas

O Apedrejamento de Lésbicas

por Jan. hembrista@riseup.net

“Apedrejamento, ou lapidação, é um método de punição onde um grupo joga pedras numa pessoa até que ela morra. Nenhum indivíduo do grupo pode ser identificado como aquele que mata o sujeito (…) Mais lento que outras formas de execução, a lapidação dentro do contexto da cultura ocidental contemporânea é considerada uma forma de execução por tortura.” (https://en.wikipedia.org/wiki/Stoni…)

     O apedrejamento constituiu-se na cultura popular como um símbolo, um arquétipo. O apedrejamento ocorre há muitos séculos, ocorreu em muitas culturas, e ainda existe contra todos apêlos dos Direitos Humanos por sua abolição. Foi a primeira forma de queima das bruxas. A mulher apedrejada até a morte, acusada de uma insubmissão à ordem patriarcal. A mulher acusada de adultério é como a mulher acusada de bruxa: ela é acusada de trair, de repente, uma cultura, a cultura masculina. Talvez pela forma que ela se portasse, por sua insubmissão, ou por ação de uma subjetividade masculina que, num funcionamento psíquico paranóico, delirasse nela uma ameaça, o que nunca foi muito difícil em se tratando das fantasias de castração em torno ao feminino que motivam a misoginia que nasce do imaginário masculino. O arquétipo é tão forte que ele se tornou uma frase de conhecimento popular retirada da literatura bíblica: quem nunca pecou que atire a primeira pedra, disse-se quando Maria Madalena estava condenada a ser apedrejada por prostituição ou pelo que parece que consta na bíblica, acusada de possuir 7 demônios em si. A relação com o demoníaco e a sombra, a demonização, seriam primórdios das acusações às bruxas? Repete-se também a questão de controle do corpo, da sexualidade, de que essa sexualidade pertence ao homem. Talvez, assim como as bruxas, a maioria dessas mulheres apedrejadas fossem lésbicas.

     Eu trago essa reflexão sobre apedrejamento porque quero pensar sobre os linchamentos morais no movimento feminista. A prática do rumor[1], as acusações falsas, o trashing, a exposição, o public shaming [2]. O castigo em bodes expiatórios escolhidos para expiar nosso Mal, como legados do Patriarcado, legados da misoginia mais ancestral que nos habita.

     O apedrejamento é universal. Ele existe de forma simbólica, como prática de Misoginia, e é uma programação ancestral de nossas mentes e nosso inconsciente coletivo. Assim como é arquetípico a queima e perseguição de alvos escolhidos como bruxas. O apedrejamento é um referente de como mulheres e lésbicas são atacadas e tratadas, socialmente no Patriarcado, e depois, dentro dos movimentos sociais por suas falhas individuais. Somando-se à imagem já associada ao feminino de pecadoras e portadoras do pecado original, agencia-se todo repertório de demonização e deturpação da representação das lésbicas ao longo da história. E aqui eu quero abordar a presença desses repertórios depreciadores de mulheres e lésbicas no fenômeno da hostilidade horizontal entre mulheres e lésbicas.

     Embora as pedras em alguns países sejam reais, as pedras que se tratam aqui são outras, simbólicas. O ato de apedrejar se conserva mas sem pedras, mas não por isso se torna menos letal. O assassinato pode não ser físico, mas pode ser um assassinato existencial em vida. Enquanto dirigidos os escrachamentos à possibilidade de existência política, afetiva, social, cultural, artística ou intelectual de uma lésbica, de uma pensadora, ou até mesmo a lésbica como existente em si, é de uma letalidade muito triste pela perda que produz de desejos engajados na criação de outra vida. Pela perda de mais uma lésbica numa existência expressada.

     Os alvos do apedrejamento são as audaciosas intelectuais, as céticas, as insubmissas, as autênticas, as que se diferenciam, que não seguem a manada, que pensam por si mesmas, as radicais de profundidade, não as de fanatismo doutrinário que agride as que não se encaixam na disciplina moral exigida. As radicais pensantes e criadoras que não tratam o pensamento lésbico como uma religião ou um dever-ser moral feminista estrangulador. Também são alvo do apedrejamento as lésbicas em si e o medo que elas despertam, que sua sexualidade principalmente desperta. A sexualidade lésbica nos assusta, assusta as mulheres, assusta as próprias lésbicas, e alguns discursos criam uma nova aura de tabu em torno à sexualidade e afetividades lésbicas, dominando os debates e discursos, narrativas, com um vocabulário que termina por se restringir em termos como ‘abuso’, ‘agressão’ e ‘violência entre lésbicas’ para definir a complexidade das relações lésbicas. As lésbicas temos uma carência cultural própria e há muito habitamos a linguagem dos homens, a linguagem patriarcal é limitada para definir nossas experiências e constrange nossa imaginação. A sexualidade lésbica é um tabu rodeado de medos e ansiedades. Por meio de um feminismo que empaca em palavras da experiência de sofrimento, carece-se de narrativas da corporalidade que não sejam as de vitimização dessa experiência, viciando a compreensão de mundo em um simbólico limitado que vem precarizando simbolicamente o existir lésbico. Não é de agora que os feminismos erram de estratégia ao criar uma simbólica de maltrato, de sofrimento. Necessitamos produzir e habitar nossos imaginários também com as experiências da alegria e criação, resistência. A precariedade simbólica de um feminismo que reduz a compreensão das relações como sendo ou ‘abusivas’ ou…puras? Perfeitas? Seria a perfeição relacional possível, ou talvez isso seja a própria imagem da morte, do fim, por representar uma perspectiva de fim-da-História, onde não seja mais necessário realizar-se mais o devir e reinvenção de si inerentes à vida?

     As lésbicas que são leais a pensamento e éticas lésbicas representam uma ameaça para movimentos feministas heterocentrados, reformistas e vitimistas, e sim, uso a palavra vitimista embora seja polêmica, desde meu lugar de lésbica e não desde o patriarcado. Pois geralmente se tratam de discursos que nunca apontam para a responsabilidade das mulheres em sua libertação e em sua capacidade para isso, e sim sempre mulheres como produtos determinados da materialidade incapazes de superar e intervir na sua vida, retirar sua participação no que a oprime, criar sua existência, retomar sua autonomia, o que me parece uma subestimação muito grande das próprias mulheres.

     Penso em um feminismo numa ética diferencialista de valorizar o habitar o Afora (Margarita Pisano) [3], não que busca entrada no Patriarcado (Sonia Johnson) [4], um feminismo separatista que aposta na capacidade de criar nossas vidas, à diferença de um feminismo voltado ao demandismo de políticas e direitos ao Estado e Patriarcado. [5] “Ensinem os homens a não nos estuprar”, posições de passividade, de espera de cessões do Estado e Patriarcado, que pôe nas mãos do outro a possibilidade de satisfazer suas necessidades existenciais. Se passamos a produzir nossa autonomia de vida, superamos o lugar de vítimas sentenciado para nós e perpetuado pela dependência na agenda de direitos e reformismos. A lésbica autônoma realiza uma radicalidade que consiste em mostrar uma possibilidade política que não a da postura ressentida (chamado por Nietschze de niilismo reativo, que apenas reclama e se queixa numa crítica sem potência transformadora)[6], o ressentido que ataca ao Outro, ao Estado, ao Patriarcado, aos outros, pelo que não tem. A autonomia aponta para uma postura ativa, que cria sua vida, sem esperar dos outros e dos sistemas. A lésbica autônoma se faz responsável de si e toma a vida em suas mãos, realizando o Cuidado de Si, saindo da ilusão de sermos faltantes e de que o sistema tem algo do qual precisamos, uma construção que é conveniente ao próprio sistema por legitimá-lo e criar dependências de novos maridos psicológicos e institucionais. Também acredito que quem consegue buscar novas formas de se afetar criativamente, quem cuida de si, não precisa denunciar ninguém nem excluir ninguém como sendo o causador de seu Mal, nem coagir as demais mulheres a isso e que a maternalize nas práticas de exclusão de uma mulher ou outra que me desagrada e de quem falo mal, não peço proteção a ninguém porque cuido de mim. A lésbica que vive na intensidade não precisa mais disso, esquece suas mágoas, porque vive intensamente e é causa ativa de sua própria potência.

     As lésbicas que podem desestabilizar o pensamento religioso, a doutrina, o cultismo das teorias e das dinâmicas de movimentos políticos capturados, onde firma-se uma identidade estática, a lésbica propositora, ela desestabiliza. Isso gera as depreciações de que as lésbicas são agressivas e hostis, porque dificilmente no movimento uma mulher que acusa a outra se faz cargo do que produz em si o encontro com uma provocação reflexiva ou com a imagem intrigante desta Outra. E limita-se ao simbólico feminista que reforça a auto-imagem vitimista instaurada pelo patriarcado por meio da feminilidade: nomeio como agressão, como agressora, como agressiva e violenta. Esta rebeldia da pensadora é na verdade sentida como agressão a uma Verdade e logo, como a si mesma no caso da feminista que sente a desestabilização da sua verdade e fé como algo agressivo. Essa é a dinâmica que se vê, acusatória, onde coloco isso como característica da outra, e não como algo produzido em mim, questionamento do qual me defendo. Dinâmicas que se repetem entre feministas, onde não me faço cargo da minha própria fragilidade autoproduzida e auto-condescendência.

     Quero pensar sobre apedrejamento para pensar sobre o punitivismo também, dentro do feminismo, contra lésbicas. As práticas de rumor, de exposições, de linchamentos políticos e destruições psíquicas de lésbicas. A repetição de outros arquétipos patriarcais e calúnias lesbofobicas tais como lésbicas predadoras, agressoras, monstruosidades, pederastas, corruptoras de mulheres ou de meninas, possessivas, dominadoras, machonas, autoritárias, que exercem poder, especialmente dirigidas às divergentes da feminilidade. Narrativas negativas/depreciativas sobre a lesbianidade sedimentadas na Cultura. Narrativas estas, interiorizadas por nós, lentes heterossexuais com as quais nos vemos. Lentes que atuam cegando, cegando por exemplo um olhar para as subjetividades e relações lésbicas, a tomar por exemplo, o tratamento cristão que vemos, dado ao tema de lésbicas que estiveram em relações difíceis. Realidades lésbicas tomadas de forma individualista e num tratamento moralista, ignorando as forças que produzem os relacionamentos lésbicos instáveis ou problemáticos numa sociedade heterossexista.

     São tratamentos desumanos, de exclusão, julgamento, sentenciamento e punição severa, piores dos que as formalizadas pelo Estado Penal de Direito, que ao menos se dispôe de recursos formais de autodefesa, direitos, formas de evitar o mau-uso do instrumento. Tratamentos desumanizadores, de estigmatização, que geram dor psíquica inestimável e invisível. Excluem quem já se encontra numa situação de exclusão radical: a lésbica. Excluem aquela que já se encontra desterrada num mundo de homens, num mundo heterossexual, quem já é precarizada em vínculos sociais e quem já sofre séculos de estigmatização, quem já é estigmatizada e demonizada na Cultura, sendo sem muita dificuldade que se retomam os estigmas na hora em que convêm depreciar uma lésbica e negativizar sua existência, manchar. [7]

     Talvez isso se deva ao fato de que lésbicas são vistas como menos que humanas. Se para a categoria mulher aceder ao humano, privilégio da masculinidade, já é difícil, a Lésbica não é vista como mulher [8], escapa a essa categoria e se torna o abjeto. A Lésbica é uma aberração. Lésbicas não são humanas, são corpos abjetos [9], a serem eliminados fisicamente e narrativamente, contidos no ameaçador que representam, no irrepresentável que apresentam. Por isso as lésbicas somos tomadas como bestas predadoras, opressoras, agressoras/lesadoras da zona de conforto de mulheres heterossexuais ou dos códigos da feminilidade.  Somos indecentes para a sociedade e por isso, não existe tratamento humanitário para lésbicas. É essa a herança histórica recente de séculos de aprisionamentos, tratamentos com eletrochoques, manicômios, assassinatos, genocídios, os corpos abjetos terríveis sendo queimados nas fogueiras e apedrejados até sua desaparição. Caluniadas como molestadoras, pederastas, corruptoras e depravações sexuais. Seguimos sendo tratadas como criminosas por séculos e séculos, agora até mesmo pelo feminismo.

     Como não percebem que nessas ações de violência ainda inomeável como tal, como atrocidade que é, sendo atuadas por forças patriarcais que residem arcaicamente em nós, mulheres? Que atuamos a misoginia antiga do patriarcado, que atuamos como colaboradoras dessa ordem heterossexual? Que traímos as lésbicas, que somos movidas por colonização heterossexual mesmo as lésbicas, quando aplicamos as leituras heterossexistas sobre a existência lésbica e suas relações, suas vivências e dificuldades, sua precarização emocional e psicológica num estado de lesbofobia e lesbicídios, de sabotagem das vidas lésbicas? Atuamos, como diz Mary Daly, como fembots[10], que traduzo como robo-fems ou robô-minas, do Patriarcado, como “policiaizinhas” do Patriarcado, desde o que fomos programadas a fazer: reforçar sua ordem. Ajudar a perseguir as bruxas, as pecadoras, as convertidas em monstruosidades, as que devem ser mortas e afastadas, excluídas, as que devem ser extintas, as ameaçadoras, as adúlteras e infiéis às éticas patriarcais, as lésbicas, as indecentes, as que existem como seres sexuais, as malcriadas, as desobedientes da feminilidade como as sapatonas butch, é algo que fazemos frequentemente, participando do maquinário masculino.

     Participar em abusos ritualísticos grupais, contribuir em exposições e destruição de reputação de mulheres e lésbicas, demonizar mulheres/lésbicas com quem se teve um conflito e caluniá-las, acusar mulheres e lésbicas por falhantes morais, culpabilizando-as por erros irreparáveis em cruzes que devem carregar por toda sua vida, cristianamente, induzir pessoas à rituais psíquicos de auto-flagelação e loucura destruindo sua auto-estima… São equívocos éticos incongruentes com o compromisso [lésbico]feminista que firmamos. Passagens ao ato de violações do outro, geralmente possibilitados pelo clima grupal que socializa e autoriza a perversidade, que desculpa e redime e paradoxalmente, coloca aquela que é agredida violentamente e mutilada psicologicamente como agressora e violentadora, impregnando nela conceitos de Ser que demonizam a pessoa dela pelo que ela é, como se nascesse aquilo e fosse ser sempre aquilo. É a situação cármica que encontramos e reencontramos, em situação de repetição e retorno do mesmo: novamente, a caça as bruxas, a cada reencarnação. A cada reencarnação, as pedras que nos matam.

     Apedrejamentos no movimento social, onde mulheres ou lésbicas escolhidas como bodes-expiatórios da vez são escolhidas para despejar-se o Mal que habita em mim, para que eu me purifique e atenda ao arquétipo de santa e virgem patriarcal da feminilidade. A demanda da mulher descorporizada, que não tem afetos de agressividade ou irritabilidade, por serem pecados, pois mulheres não devem ser violentas, diz-se. Porém mulheres podem ser violentas de forma perversa, não de forma aberta e objetiva nem física, por meios indiretos permitidos à feminilidade e não tão menos terríveis, que são os bullyings e as fofocas, as intrigas, picuinhas que resultam num estado de abuso e violação psíquica não reconhecido em sua importância. A mulher feminina e dócil que jamais será acusada de ser alguém agressora às outras ou à zona de conforto de alguma, pois não vai romper com a expectativa de que mulheres devem se portar sempre bem e que se forem atuar uma violência, que a pratiquem de modo venenoso e invisível, pelas costas, intoxicando vínculos e fomentando imaginários em torno a sua ‘inimiga’. As lésbicas alvos desses rituais de maltrato são apedrejadas até sua morte política, social, psíquica, existencial, artística, intelectual, rebelde. São amansadas e finalmente, sua potência assustadora entrou em estado vegetativo.

     Visibilizar o apedrejamento simbólico é uma crítica à todas exposições, todos escrachos, todas pseudo-denúncias (public shaming) policialescas e aquelas em forma de fofoca com a ausência da outra para que esta não possa se defender. Todos falsos relatórios, tegiversações, o ‘disseram que’, exageros e leituras parciais de um conflito atravessadas por subjetivismos distorcionantes do relato. Porque não vejo como qualquer uma dessas atitudes possam chegar a ser humanas. É impossível ser algo humano o escracho descaracterizado e oportunista contra lésbicas. Jamais vai ser uma forma humana de abordar problemas entre nós, uma forma construtiva de abordar o tema que se propôe supostamente a denunciar e que lhe confere tanto ar de legitimidade chantagista. O apedrejamento escrachativo promove apenas invisibilidade lésbica, por invisibilizar nossas narrativas e histórias e a história daquela pessoa que se maligniza. Na tradição punitivista herdada por séculos de violências de Estado, Tiranias e Patriarcado, a pessoa é sempre o que é tornado maligno, não é a crítica à sua ação. Na lógica punitivista, nunca vai importar entender a história daquele sujeito transformado em “o bandido”, “o traficante”, “a lésbica agressora”. Nunca vai haver interesse em questionar-se o que produz os sujeitos, que condições vivenciadas, quais violências, exclusões vivenciadas e qual seu impacto psíquico para que tenha se tornado alguém tão ‘ruim’. Logo, entendo que o punitivismo aplicado às lésbicas é incoerente com a própria premissa radical que se volta a entender a materialidade que nos constrói e às mulheres, lésbicas.

     Quando falo em punitivismo, não apoio a apropriação dessa discussão pelos homens e seus casos de violência, porque são atrocidades sistemáticas e convictas, que já foram demonstradas para nós em exemplos e vivências que voltam a se repetir por mulheres. Eles não tem interesse em se desconstruírem que lésbicas e feministas sim, se interessam, desde que integram um movimento social e vem realizando um processo de autoconstrução e reconstrução de si, desfazendo-se de comportamentos de subordinação, feminilidade, maquiagens, depilação ou heterossexualidade. Os homens tem poder estrutural demais e é muito perverso seu terrorismo, e ele se extende até mesmo nos movimentos sociais e na esquerda. Não precisamos mais provas de que não é possível o diálogo com eles e que eles representam um risco à nossa sobrevivência.

     Abordar o punitivismo de maneira crítica [11] serve para refletir as relações entre mulheres no movimento. Serve para possibilitarmos pensar porque nos tornamos aquilo que se diz e se acusa de forma condenatória. Seja uma mulher acusada de raivosa ou agressiva ou uma mulher que reage mal à perda da outra, ou a que não entende limites (questão que na verdade, pouco se avançou nas relações num geral, é apenas uma consequência de uma ética que tomamos generalizadamente, quando até a noção de sororidade em si exige que se ignore os limites próprios de uma). O que a subjetiva, o que a construiu daquela forma, que informações recebeu ou não recebeu. O que nos construiu para não atendermos às expectativas morais perfeccionistas do movimento, do porque tivemos tal dificuldade relacional num momento de nossas vidas, ou porque se repetem essas ações-sintomas negativos quando nunca foram tratados e retirados do inconsciente e dado um destino diferente a isso. Quais as forças heterossexistas em jogo, como entendermos melhor as lésbicas e seus desafios, como acolher as ambiguidades e complexidades que compôem a subjetividade lésbica ainda desconhecida para a teoria feminista ou para a história, depois de séculos de silêncio sobre essas existências. Chega a ser uma perda científica, de oportunidade de pesquisa lésbica. Uma perda teórica. De criarmos teoria, pensamento, reflexão, para entendermos e recriarnos, dentro das éticas que idealizamos. Como melhorar nossas comunidades entendendo o que passa com nós, olhando para as nossas questões. Deixar de acolher e de buscar entender nossas contradições é seguir no vazio histórico (Margarita Pisano), seguir na nossa falta de história própria de mulheres, nossa falta de memória coletiva, de produções, de criação de cultura, vazio que faz com que, na falta de referentes novos ou diferentes, repitamos os modelos patriarcais que existem eternamente.

     O apedrejamento apenas evita o problema por aniquilar a pessoa que se considera que carrega o Mal, e achar que assim livrou aquela sociedade da malignidade por eliminar alguém produto daquela sociedade. Sem necessidade de mudar a cultura e sem ter que mudar nada, no velho e conhecido punitivismo que vem de séculos de patriarcado e penas de mortes, torturas, mutilações ‘justas’, e formas de punição de transgressoras/os ou rebeldes, muitas vezes em sua maioria, falsamente acusados/as. Aqueles que saíram da linha por algo. Uma forma de controle social: as punições, a penalização, a forma que fazemos o outro pagar com dor, loucura, manicômios, ostracismo, isolamento, sofrimento psíquico e físico. Quando julgamos, atacamos, condenamos, criticamos o outro, é o fascista em nós, o policial que nos habita, o desejo colado ao poder, que atua. [12]

     A acusação é perversa, por seu ar de legitimidade. A acusação (rumor) é tão tomada sem crítica e como verdade absoluta como eram as acusações que se faziam de que as bruxas deitavam com o demônio. De maneira semelhante, a acusada no movimento, acusada de qualquer coisa que seja mentirosa, distorcida, exagerada ou imaginativa-paranóica, ela é levada à insanidade, ela é torturada coletivamente até delirar sobre a malignidade atribuída a si e isso afetar seu autoconceito, vendo-se com os termos dos outros que a depreciaram. Ela assim como as bruxas do passado, depois de tanto cansaço, admite ter dormido com o demônio. Apenas para de, qualquer modo, ser queimada e morta. Jamais a confissão a livraria. Jamais a confissão ou o contrário, a preservação da sua vida pessoal do juízo das hordas perversas e a escolha pela recusa em dar satisfações, a livram ou vão a dar uma chance de não ser aniquilada ou de ser integrada novamente ao coletivo, àquela que é escrachada. É a loba expulsa da alcateia, a loba solitária, que uiva de dor ao se ver em um desterro radical: a margem da margem da margem da margem. A exclusão da exclusão. Excluída como lésbica, excluída da heterorrealidade, excluída de uma comunidade lésbica de sobrevivência cultural, e muitas vezes, excluída por outras posições estruturais de vulnerabilidade que se somam, resultando em uma solidão implacável e potencialmente enlouquecedora, suicidante.

     A situação de ser penalizada me lembra um filme chamado Precisamos Falar sobre Kevin. É uma história fictícia sobre uma mãe de um filho que é como esses adolescentes norte-americanos tidos como psicopatas, que saem matando seus colegas na escola. A mãe dele era uma escritora de sucesso e tinha uma família e um casamento. No momento presente encontra-se com ela na sua situação após o aprisionamento do filho e os incidentes de massacre estudantil: totalmente precarizada, esmolando um subemprego de loja em loja numa cidadezinha pequena onde todos a boicotam por ser a mãe do menino que matou várias crianças. Sua vida acabou, mal consegue alugar uma casa. Sua casa e carro são constantemente assaltados por legumes e tintas sendo atirados contra eles, e pixos a escrachando por ser a mãe de um assassino em série. Ao longo do filme, mergulhamos na mente da mãe: desde sua gravidez indesejada quando ainda solteira, com o ex-marido transando sem camisinha avisando em última hora, à mudança total de sua vida e a perda de liberdade com a gravidez. A depressão pós-parto e a dificuldade de adaptação à maternidade, a criança dessubjetivada e desinvestida que cresce, a criança quase autista anti-social, a dificuldade de ser mãe dessa condição. As contra-transferências – raivas, irritabilidades, agressividades – produzidas na mãe pela sobrecarga materna, a culpabilização da mãe constante, a desolação da mãe que acompanha as tendências anti-sociais do filho que cresce, a tentativa de ser mãe exímia e tentar afetar aquela criança apática e sem capacidade de empatia. Mostra como a maternidade e as cobranças e culpabilizações vão minando sua autoconfiança e tornando-a resignada. Ela vai percebendo as questões do seu filho, mas o contexto a desola, não a crê, não encontra interlocutor, o problema é ela, má mãe, que precisa amar mais ao filho. Ela vai percebendo as tendências do filho mas ninguém a crê, ela não sabe lidar com ele, a ambivalência materna: mães também podem chegar a odiar seus filhos. Um dia, recebe a notícia de que houve um massacre no colégio, e mataram-se centenas de crianças e adolescentes. Preocupada por seu filho, vai ao local apenas para descobrir que o assassino é seu filho.

     O filme fala sobre o punitivismo, o escracho, a injustiça. É nos dada a oportunidade de compartilhar a mente da personagem, culpabilizada e que sofre linchamentos na sua cidade, inclusive físicos. [13] Nos é dada a oportunidade de estar mais perto da pessoa que é escrachada injustamente, de acompanhar os filmes que rodam na sua cabeça retomando o passado, ininteligível e incompreensível para os demais, incapazes de lançar um olhar empático para a sua pessoa. Incapazes de buscar entender sua história. Apenas ela é testemunha e tem que viver aquela condição dolorosa com a coragem que lhe resta, e pagar um preço desproporcional pelos supostos erros cometidos, no caso o ‘erro’ e culpa de ter tido um filho num momento da sua vida.

     Precisamos parar com os apedrejamentos, parar de apedrejar o psicológico das lésbicas, jamais isso será uma forma de reflexão sobre o problema apresentado, jamais será uma proposição de futuro para nós. Precisamos parar com as práticas patriarcais, como uma necessidade urgente de nos des-heterossexualizar e des-misoginizar. Para que possamos sair da engrenagem do Patriarcado, parar de ajudar essa engrenagem e esses ciclos de destruição e iconoclastia de mulheres/lésbicas e sua cultura toda vez que esta ensaia nascer.

     Precisamos parar de trabalhar como algozes para os patriarcas, e por fim, precisamos parar de destruir a nós mesmas. Destruir existências lésbicas e sabotar potências criadoras, devires e subjetividades lésbicas, por meio dos assassinatos políticos e sociais dos escrachamentos ignorantes. Precisamos parar de perder lésbicas e suas contribuições tão importantes, intelectuais, artísticas, políticas, criativas, nessa política de aniquilação e nesse feminicídio simbólico ritual entre nós. Ao dizer que precisamos parar esse ciclo, eu vejo como equivalente a parar de ser a mão que faz a infibulação da menina, da própria filha, para entregá-la a um homem, parar de ser a mulher que joga pedra na adúltera. Parar os ciclos de traições entre mulheres históricos, essa doença hereditária que precisamos nesta geração, dar um fim. E que só daremos um fim quando passarmos a ser agentes, e não apenas vítimas, dentro dos nossos feminismos. Quando paremos de ser cúmplices nessas violências, de participar nelas e se deixar ser coagida a elas, perdendo o senso crítico na licença grupal para a desumanidade. Cortar esse ciclo de colaboração com a cultura patriarcal que instaura esse estado de atrocidade e essa guerra contra mulheres, contra lésbicas. A colaboração simbólica heterossexual por parte das lésbicas ocorre quando nos tornamos ignorantes de nossas histórias, e de umas éticas lésbicas, que priorizam lésbicas e as colocam em primeiro lugar, que entendem como imperativo ético e compromisso político firme feminista e lésbico o tratar-nos às lésbicas de outra forma, não contribuir endossando a visão heterocentrada que nos apaga para fora da existência, que nos anula, e invisibiliza. Uma vida lésbica é uma vida que não se repete. Nenhuma a menos, pelo fim dos assassinatos físicos de lésbicas, mas também pelo fim dos assassinatos simbólicos e políticos de lésbicas nessa heterossexualidade compulsória disfarçada de justiça linchativa.

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Notas e Referências:

 

[1] Andrea Franulic & Insu Jeka. Daqui não sai: reflexões sobre o rumor. Santiago, Chile, 2014. Disponível em https://we.riseup.net/radfem/reflex%C3%B5es-sobre-a-fofoca

[2] O conceito de public shaming eu me apropriei após a brilhante e corajosa palestra de Jon Ronson, Como um Tweet pode arruinar sua vida, no Tedx (canal de palestras no youtube). A palestra aborda o impacto das exposições virtuais com intencionalidade justiceira, como uma modalidade de violência, a virtual. Me pareceu um conceito muito bom para começar a debater e visibilizar essas violências que vem ocorrendo no mundo online e dentro dos feminismos.

[3] Margarita Pisano. Fantasear un Futuro, introducción a un cambio civilizatorio. Editorial Revolucionarias. Chile, 2015.

[4] Sonia Johnson. Going farther out of our minds. Vídeo no youtube. Também “Tirando os nossos Olhos dos Homens”. Tradução em radfeminismo.noblogs.org

[5] “A política de reivindicações, por mais que sejam justas, por mais sentidas que sejam, é uma política subordinada e da subordinação, porque se apoia sobre o que resulta justo segundo a realidade projetada e sustentada por outros e porque adota, logicamente, suas formas políticas” (Librería de Mujeres de Milán. No Creas tener Derechos. Madrid. 1991).

[6]Amauri Ferreira. Introdução à Filosofia de Nietschze. Editora Yellow Cat Books, 2010

[7] Margarita Pisano abordou a questão dos preconceitos em Segredos, Chantagens e Rumores: Os preconceitos. Mas também quem desenvolveu muito o tema do rumor e das calúnias, e há uma parte sobre preconceitos, embora tenha minhas críticas, é Leandro Karnal em Detração: Breve ensaio sobre o Maldizer. Editora Unisinos, Vale do Rio do Sinos, 2016.

[8] Wittig fala que lésbicas escapam à mulheridade, ao não submeterem à exploração heterossexual que caracteriza a classe das mulheres. Esse escapar deposita a lésbica na ininteligibilidade social e no medo que despertam. No entanto tal lugar é potente justamente por isso. (Monique Wittig. O Pensamento Heterossexual e outros ensaios. Editorial Egales. Barcelona. 1992).

[9] Conheci o conceito de corpos abjetos e abjeção com Judith Butler, mas na verdade ela retirou esse conceito de Julia Kristeva, psicanalista francesa, no livro Poderes do Horror. A abjeção, a outridade, o estranho, o ‘anormal’, desorganiza a identidade pessoal e gera profundas ansiedades paranóicas: “De acordo com Julia Kristeva, o abjeto é aquilo do que o eu deve se liberar para vir a ser um eu. Uma substancia fantasmática, alheia ao sujeito, mas íntima a ele, tão íntima que sua proximidade produz pânico. O abjeto aponta para a fragilidade de nossos limites corporais, para a precariedade da distinção espacial entre dentro e fora, assim como para a passagem temporal do interior do corpo materno a exterioridade da lei do pai. Espacial e temporalmente, a abjeção é uma condição na qual a subjetividade é problematizada e o sentido entra em colapso.(…)” “..como num teatro verdadeiro, sem disfarce e sem máscara, o dejeto como o cadáver me indicam aquilo que eu afasto permanentemente para viver. Porque a abjeção é, em soma, o outro lado dos códigos religiosos, morais, ideológicos sobre os quais repousam o sono dos indivíduos e a calma das sociedades” Em https://www.eba.ufmg.br/grupo/textopiti01.htm

[10] Mary Daly. Gin/Echology. The Metaethics of Radical Feminism. Beacon Press; Boston. 1978.

[11] Maria Lúcia Karam. A esquerda punitiva. In: Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade, ano 1, número 1, 1º semestre de 1996. Disponível em https://we.riseup.net/radfem/esquerda-punitiva

[12] “Portanto, é concebível que um grupo possa ser revolucionário do ponto de vista do interesse de classe e dos seus investimentos pré-conscientes, mas não sê-lo do ponto de vista dos seus investimentos libidinais, e manter-se até mesmo fascista e policial. (…) o ponto de vista do investimento libidinal, nota-se bem que há pouca diferença entre um reformista, um fascista, às vezes até certos revolucionários, que só se distinguem de maneira pré-consciente, mas cujos investimentos inconscientes são do mesmo tipo, mesmo quando não esposam o mesmo corpo.” (Deleuze e Guatari. O Anti-Édipo – Capitalismo e Esquizofrenia. Editora 34 Ltda. São Paulo, 2010)

[13] Um artigo genial sobre Linchamento foi escrito por Marcia Tiburi para a revista Cult. Pode ser lido em:  http://www.geledes.org.br/linchamento/. Também é interessante seu texto sobre o “Poderzinho”, que também se encontra no site da revista Cult, para agregar nessa reflexão, uma vez que essas ações no movimento social e na vida são motivadas pelo interesse de micro-poderes compensatórios por parte de oprimidos.

a corpa lésbika

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Há um corpo especifico lesbico…
Um corpo que foge à mutilação heterossexual.
Não se nasce mulher: se constrói
à base de depilações, cirurgias, medicalizações,
regimes/esfomeamentos, violências, exposições
coisificação, hormonização (contraceptivos), maquiagens,
negações.
O corpo lésbico é uma incógnita:
é homem ou mulher?
Quê é esse ser que não se parece com coisa sequer?
Pêlos cobrindo seu corpo,
outro cheiro cobrindo seu corpo
mais ácido, instintivo, selvagem, extasiante
Um corpo que se move e atua
de modos talvez mais brutos, não melindrosos como os de antes
de andar mais desimpedido e seguro
Um corpo-presença que declara sua existência ao mundo.
As cabeças raspadas, os cabelos curtos, as sombrancelhas selvagens,
e modificações rituais: desenhos sobre a pele, alargadores às vezes, perfurações
reminiscências de amazonas tribais
Rituais estéticos da diferença.

Esse corpo que é um enigma nos consultórios,
esse corpo ingestionável para a medicina,
esses pés que pisam o chão,
esses corpos múltiplos e amedrontadores,
a carne não comedida na magreza,
corpo que ocupa e toma espaço publico,
corpo forte e orgulhoso
desacatando o mundo dos Homens
esse corpo libertado e alegre
em fúria, eufórico,
rindo-se enquanto corre do Patriarcado
escapado da sua escravidão.
O corpo confuso e confundido na rua
sem nome certo.
O corpo que se burla dos códigos dos Invasores
Das leis de gênero/casta sexual
O corpo passional
Nele late uma economia erotica radicalmente subversiva
Uma outra geografia de prazer
Mapeam-se outras ondas de gozo
gozos de liberdade e mutualidade com a outra
O corpo que carrega escrituras da resistência e da fuga
A corpa-existência lésbica que habitamos
que encarnamos carmicamente
deliciosamente, desafiadoramente
Corpa-rebeldia lésbica
Que inaugura um outro mundo.

(por Jan. Desenhos também)
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Por uma Visibilidade Radical e Autônoma!

O que é a Visibilidade Lésbica? A Visibilidade Lésbica é sobre existirmos, principalmente para outras lésbicas. É sobre ser consciente do significado político, ético, afetivo, ancestral, cultural, da lesbianidade. É sobre conhecer sua própria história e cultura lésbica, sobre celebrar nossa coletividade com as lésbicas e sobre nos fortalecer. A Lesbianidade é um profundo ato de desmisoginização numa cultura patriarcal que odeia mulheres e as aniquila, explora, assassina, todos os dias. Ser lésbica não é apenas uma prática sexual diferente da heterossexual. Ser lésbica é sobre estar entre mulheres, amar outras mulheres, se conectar com outras mulheres, com a nossa cultura, história, e sobre compreender a tradição que levamos por séculos, desde que existe o patriarcado, de combatentes, saboteadoras, desobedientes da Heterossexualidade Compulsória enquanto um sistema político de exploração e opressão das mulheres.

Que visibilidade queremos? Que visibilidade nos fará livres?

Visibilidade Lésbica enquanto estratégia Radical é sobre sermos visiveis para nós mesmas, e não dependentes do olhar aprovador do sistema. Nós lésbicas estamos isoladas, separadas umas das outras, inconscientes de termos uma comunidade, uma história, um significado de resistência política. Ao sermos visíveis, e por meio da visibilidade das nossas irmãs, favorecemos nossa união e vemos que não somos a única sapatão, que não estamos loucas. É assim, então, a visibilidade um ato de sororidade. É também sobre fazer disso uma possibilidade para outras, pois toda mulher pode ser lésbica. É sobre sobrevivência e criação de territórios autônomos de existência lésbica dentro de uma heterorrealidade na qual não nos encaixamos. É sobre visibilizar alternativas, uma proposta diferente de vida, de ética, totalmente fora do sistema patriarcal, ultrapassando os limites impostos de mulheres heterossociais. Por meio de mais visibilidade lésbica, perdemos o medo, nos permitimos sair do armário, parar de nos esconder, nos fortalecemos, ganhamos auto-estima para enfrentar essa sociedade que invalida nossas existências. Nos organizarmos politicamente para falarmos de nossas pautas, que existimos, que sofremos duplamente: como mulheres e como lésbicas, às vezes triplamente, como mulheres, negras e lésbicas. Por meio da visibilidade, mostramos que resistimos e que estamos no combate.

Visibilidade lésbica é trazer à tona a cultura lésbica, é fazer com que outras lésbicas possam nos enxergar e consequentemente enxergarem a si mesmas. Pra isso é importante estarmos entre lésbicas, falarmos sobre nossas vivencias, dar espaço e importancia para os trabalhos feitos por lésbicas, doar o máximo de energia para lésbicas. Tirar a noção (nociva) de que lesbiandade é sexualidade, pois tendo isso como visão unilateral esquecemos do todo que nos permeia além da sexualidade. Enxergar as lésbicas apenas como parte da sua vida sexual é limitante, e obviamente é um instrumento do patriarcado para que sejamos somente isso. “Amar” mulheres enquanto trabalhamos para os homens é incongruente, por isso, nos baseamos numa ética de separação. Visibilidade lésbica é trazer a ideia de que podemos “amar” mulheres e trabalhar para e por mulheres, no âmbito mais extenso da ideia. Visibilidade lésbica é também sobre uma postura crítica, rebelde, questionadora do sistema, que não aceita migalhas destes. Não nos basta ter lésbicas na televisão ou poder casar, muito menos queremos lésbicas em instituições patriarcais como polícia, exércitos, ou no governo do qual somos críticas. Não nos basta sermos aceitas. É sobre recusar fazer parte do LGBT que apaga as lésbicas. É cuidar com a assimilação do sistema hegemônico, que mina nosso potencial rebelde. É sobre dizer alto a palavra LÉSBICA, não ‘bi’ ou ‘gay’. Precisamos tomar consciência da condição política que representamos enquanto lésbicas: a de sermos um ataque às instituições da supremacia masculina. É uma postura de priorizar lésbicas, dentro dos movimentos sociais, nas nossas vidas, e até mesmo no feminismo, pois nunca somos pauta relevante em nenhum movimento.

A visibilidade que queremos é a visibilidade como estratégia de sororidade lésbika contra a heterossexualidade compulsoria, como estratégia de contra-propaganda da heterossexualidade, de ataque e de okupação do mundo, como estrategia antissistêmica de tornar a Resistência conhecida, de criar consciência lésbika.

Não queremos a visibilidade de sermos ‘reconhecidas’ pelo sistema que nos explora e aniquila, que repudiamos. Queremos ser a visibilidade de um futuro onde as mulheres serão livres de seu estatuto de classe sexual. Queremos ser visibilidade de uma resistência ancestral, que recuperamos e carregamos, e da propaganda anti-heterossexual que representamos.

Sejamos incômodas! Sejamos visíveis!

Lésbicas Radicais Visíveis!

sapasbandovisiveis(texto do panfleto distribuído durante a 1o Jornada Autônoma da Visibilidade Lésbika realizada no dia 30 de agosto de 2015)

 

Jornada Autônoma da Visibilidade Lésbica

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29 de agosto é o dia da Visibilidade Lésbica. Em ocasião desta data, a Círcula de Reflexões Lesbafeministas convoca todas as sapatonas, fanchas, caminhoneiras, entendidas, lésbicas, bate-bolachas, cola-velcros, tesourinhas, tríbades e roçadeiras para um dia inteiro de atividades voltadas à celebração da nossa resistência, memória e rebeldia.
Se não nos fazemos visíveis, não existimos. A Visibilidade Lésbica que queremos é a visibilidade da nossa resistência enquanto mulheres rebeldes e em desacato constante à Supremacia Masculina. É dar a ver a existência lésbica à outras irmãs sapas para saibam o que são, que há outras como elas, que elas possuem um nome – Lésbicas – para que tomemos consciência da nossa condição política enquanto lésbicas: de que somos foragidas da Heterossexualidade Obrigatória enquanto regime de submissão das mulheres. Ao escapar da heterossexualidade não estamos apenas exercendo uma orientação sexual diferente, estamos ousando criar uma existência independente da aprovação masculina. 
Somente com mais e mais lésbicas visíveis nos fazemos fortes e acessíveis à outras lésbicas, agora talvez sozinhas. Visibilidade Lésbica é sobre nosso apoio-mútuo no enfrentamento da Lesbofobia, violência, heterossexismo. Somente com mais e mais lésbicas nas ruas e e todos demais espaços – políticos, simbólicos, nas artes, na literatura, na história – podemos crescer em numero e idéia para derrubar o sistema da supremacia masculina.
O Patriarcado (sistema da Dominação Masculina) trata de ocultar e reprimir as lésbicas porque esta é uma idéia perigosa para o poder dos homens, que depende da exploração das mulheres. Se todas mulheres se tornassem lésbicas hoje, derrubaríamos o Patriarcado. Lésbicas vem, durante os séculos, existido, mesmo perseguidas, mortas e torturadas, queimadas como bruxas, deportadas de seus países, trancafiadas em prisões ou hospitais psiquiátricos, excluídas, tendo que viver de forma escondida ou negando seu desejo. As lésbicas, antes de qualquer movimento feminista organizado, vêm vivendo de forma autônoma dos homens, muitas chegaram a morrer antes de negar sua paixão. Em homenagem àquelas que nos antecederam celebramos nossa consciência lésbica e a transmitimos às demais, lutamos para que mais e mais lésbicas, assim como todas as mulheres,  possam ser livres. 
Nossa proposta é recuperar os espaços e a culturas lésbica, num contexto em que estes estão sob ataque. Os espaços lésbicos e a palavra lésbica estão em desaparição, e isso se deve à lógica neoliberal que vem colonizando os movimentos sociais, dentre eles o lesbianismo e feminismo como movimentos políticos. Nossa Jornada se propôe a ser Autônoma em questionamento das lógicas mercantilistas, capitalistas, governistas, institucionais, academicistas, médicas, liberais, elitistas, racistas, anti-feministas e anti-lésbicas que vem tomando o movimento lésbico, chegando a apagar até mesmo a palavra ‘lésbica’ destes, trocando por termos como ‘les-bi’ ou ‘queer’, “LBGT”, e outros. Queremos espaços específicos e exclusivos de lésbicas para nossas demandas. Queremos pensar em alternativas autogestivas para nossa comunidade que saia do modelo de ‘políticas públicas’ e de pedir coisas ao Estado, que consideramos Patriarcal, Racista e Capitalista. Não queremos que o sistema assimile a Revolta Lésbica. Queremos incitá-la para revolucionar este mundo!
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PROGRAMAÇÃO
10h: oficina de autodefesa lesbika para reflexão e enfrentamento à violência masculina (10h-12h)
12h: almoça beneficente vegana – livre de exploração animal!
13h: roda de conversa sobre visibilidade lesbica, resistência e invisibilidade de lesbicas negras, pobres, mães, presas, imigrantes, gordas, deficientes…
15h30: curta “Meu Mundo é Esse” de Márcia Cabral, sobre lésbicas negras. 
16h: oficina de saúde e ginecologia auto-gestionada para lesbikas – Lesbofobia na saúde, medicalização e heterossexualização das corpas lésbicas e estratégias de autonomia.
17h30. Sarau Lésbico. Traga suas escritas ou de autoras que você goste!
19h às 22h. Apresentações Culturais.
    Luana Hansen 
    Mc Lua
   exposições e apresentações artísticas 
   
* Mostra fotográfica sobre cotidianidade das lésbicas, Giovana Pellin.
* Exposições de ilustrações com temática sapatão (Traga sua arte e participe também!).
* Apresentação artística “malabarima” por raposa.
* Vai ter FEIRINHA LIVRE de materiais lésbicos: camisetas, bottons, zines, patchs, chaveiros, colares de labrys, copinhos menstruais, comidinhas veganas… Em apoio à autogestão das lésbikas e suas atividades subversivas!
Traga sua banquinha também caso também produza  artesanato. 
Nos somamos a campanha de arrecadação de absorventes para presas. Se puder traga absorventes externos descartáveis que estaremos recolhendo!
* Mães lésbicas: haverá uma ciranda durante o evento para ficar com as suas crianças.
* Este espaço pretende ser inclusivo a todo tipo de lésbicas. Se você tem alguma demanda para facilitar o acesso a este espaço, escreva para circula.lesbafeminista@riseup.net 
* Para quem for almoçar no local: vamos realizar uma almoça vegana, com contribuição de 7 reais, para apoiar atividades lesbafeministas. Não é obrigatório participar na almoça se você quiser trazer seu lanche. Se você não puder pagar este valor converse com a organização e combinamos.
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Onde: CICAS – Centro Independente de Cultura Alternativa e Social
Avenida do Poeta, 740 – Jardim Julieta Terminal de Cargas Fernão Dias
Quando: 30 de agosto, domingo.
Como chegar: do metro Belém (linha vermelha) pegar ônibus 172R-10 Jaçanã, descer na praça Carlos Koseritz. O CICAS fica no meio da praça. Caso haja dúvidas, basta perguntar às pessoas do bairro pois o centro é conhecido na comunidade!
(tem ônibus que vem também do Tatuapé da linha vermelha, o 172J-10 Jardim Brasil na rua Enrique Sertorio, 101, descer na mesma praça acima, e da estação Tucuruvi da linha azul, na Avenida Nova Cantareira, 2475, o ônibus 1720-10 Jardim Guanca descer na Praça dos Sonhos da Menina).
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Por todas as lésbicas:
Negras, mães, periféricas, indígenas, imigrantes, deficientes, idosas, jovens, gordas, presas, assumidas e não-assumidas. Visíveis ou não. Por todas as lésbicas que resistem para existirem.
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contato: circula.lesbafeminista@riseup.net

A cilada da “Representatividade”. Ou: por uma visibilidade radical e autônoma!

lésbika anti-mídia

lésbica anti-mídia

Vamos pensar sobre “representatividade” x “visibilidade”? O que se entende por isso? Que visibilidade queremos?

Beijo lésbico na novela da Globo favorece as lésbicas ou não passa de mais uma forma de assimilar nossa potência revolucionária e nos tranformar em mais um nicho de mercado pacificado e dado por satisfeito?

O que significa lésbicas numa emissora como a rede Globo, que um dia antes da famosa cena do beijo lésbico na novela, estava cobrindo e propagandeando uma manifestação de direita pedindo, dentre outras coisas, o retorno da ditadura militar? Manifestação esta, por ela e por outros setores da mídia burguesa incentivada?

Sabemos que a direita e conservadores querem ver lésbicas mortas e são portanto, nosso Inimigo. Nosso país se encontra em uma facistização crescente e isso se deve muito ao papel desempenhado pela mídia reacionária, criando um clima conservador no país refletido também nas últimas eleições.

Eu pergunto, é possível fazer um movimento e políticas lésbicas desconectadas das demais realidades? Desconectada de questões como raça e classe? Lutar o heterossexismo sem sermos também anti-capitalistas, anti-racistas, anti-ecocídio, anti-imperialismo, anti-mídia, anti-Estado, é uma luta em vão, pois esses sistemas atacam também as lésbicas. Devemos empreender uma luta radical e consciente.
A mídia burguesa e os governos utilizam da luta LGBT e dão concessões token (figurativas, apenas para dizer que incluem ‘minorias’) de forma oportunista, de maneira a distrair as populações dos massacres que os poucos Machos com poder economico e militar estão promovendo no planeta. A mídia, assim como as religiões, mantêm a dominação mental das populações, garantindo sua obediência e promovendo a internalização da visão do opressor, a ponto de pessoas extremamente precarizadas defenderem o sistema que as explora e oprime. A mídia burguesa, então, promove Falsa Consciência nos oprimidos, destrói sua memória de resistência, faz aceitar a dominação e priva de informação sobre ser dominado. Anestesia a revolta e adequa ao Capital por meio do consumismo e mata a possibilidade de sublevação, de ira coletiva para derrubar tudo isso.

A Globo mostra casal de lésbicas ricas na novela das oito, mas ao mesmo tempo tá atrapalhando revolução e consciência de classe da população por meio de emitir a visão do Capital e do Estado e alienar as mentes. A mídia é também um aparato do Racismo e eu diria que é um aparato policial em si: gera intencionalmente como pede os poderosos, pânico classista na população, principalmente na pequena burguesia de classe média que vai querer proteger seus privilégios e evitar a Guerra de classes, legitimando assim a intervenção militar nas favelas e o genocídio da população negra e pobre e o sistema/tortura prisional pra tentar conter a revolução. Difama a resistência política por meio de chamar os protestos, os ataques a opressores e o ódio de classe de “Vandalismo” e “Terrorismo” para criar pânico na população para com isso, legitimar e aumentar a Repressão Política e instalar em latinoamerica coisas como a lei anti-terrorista, que limita nossas possibilidades de manifestação e organização política, aumentando a vigilância e controle. Se não fosse a Mídia Burguesa não teríamos os panelaços, a facistização crescente, e toda essa reivindicação de retorno da ditadura militar e essa perda de memória histórica.
Além disso, a mídia vai representar quem sempre representa: ricos, brancos. Lésbicas brancas, privilegiadas, magras, femininas, ricas. Não nos interessa!
A lesbiandade representada na TV é produzida pelas mãos dos machos e para os interesses da Supremacia Masculina. Logo, o interesse que subjaz essa suposta presença de lésbicas na mídia é representar a lesbiandade como diversidade sexual pacífica e acomodada na sociedade, uma mera orientação sexual tolerada, um desvio invisível, não-ameaçador aos patriarcas. Vão representar lésbicas brancas, com filhos, casadas, aceitáveis. Vão apresentar imagens de nós como devidamente assimiladas às lógicas do sistema, domesticadas e nós, na nossa carência de pertencimento, por estarmos apartadas de nossa comunidade, raízes e ancestralidade amazônica, vamos comprar essa proposta acreditamos que vamos nos encaixar na normalidade e nesse mundo heterossexual! Mas não. Queremos destruir esse mundo e construir outro!
A lesbiandade é temida porque somos uma afronta à Ordem dos Pais. Nós Lesbicas Radicais estamos orgulhosas de sermos inimigas dos Patriarcas e queremos ser uma ameaça.

manipuladas

massificação heterossexista

A mesma mídia burguesa patriarcal comercializa os corpos das mulheres, por meio de propagandas sexistas que explora e expôe os corpos das mulheres. É uma mídia proxeneta.
Construamos uma Visibilidade que seja a Visibilidade e a Memória da nossa Resistência, que recupere e crie consciência sapatão. Consciência de sermos um projeto radical anti-patriarcado, de que não somos só sexualidade diferente, que somos uma comunidade que resiste ancestralmente.
Podemos nós mesmas criar nossas próprias representações, produzir nossa Mídia Livre autônoma. Criar, propagar nossa revolução e ideias, arte, recuperar e defender nossa Cultura.

Ser lésbica é ser uma rebelde. Façamos jus, pois, à nossa Rebeldia. Sejamos realmente sérias sobre Radicalidade e recusemos qualquer oferta, apropriação ou chantagem do Sistema que nos oprime e à outras espécies e saqueia a Planeta Mãe.

A revolução não será televisionada!

Fúria Lésbica! Fotos do bloco lésbico radical na ex-caminhada lésbica

Na caminhada lésbica e bissexual de SP, fizemos uma intervenção por meio de novamente, reaparecer com nossos chapéis de bruxa e mascaradas. Levamos nossa faixa “Lésbicas Radicais contra o Capital e o Estado Racista Patriarcal” e tambores de latão, lambes, stencil, feirinha de materiais lesboterroristas, máscaras. Na concentração e durante a marcha do nosso bloco podiam-se ouvir os gritos:

“Vem caminhão vem fazer revolução!(Toda feminista pode ser uma sapatão!)”
“Lésbicas Separatistas! Sapatonas convictas! (Eu não vou deixar o Patriarcado me abalar!)”
“Sapatão não é diversidade! Sapatão é resistência!”
“Tire o L do LGBT!”
“Lésbica Radical contra o sistema Patriarcal!”
“Basta já de repressão/pela Santa Inquisição!/Botar Fogo nas Igrejas e Libertar as Sapatão!”
ao passarmos ao lado de uma churrascaria: “Lésbica Radical! Contra a Exploração Animal!”
“Sapatonas contra as Guerras! Sapatonas contra o Capital! Sapatonas contra o Racismo contra o Terrorismo Neoliberal!”
“Sapatona! Sou sapatona! Porque quero ver o Patriarcado em chamas!”
“Acorda! Mulher! Vire sapatão! O homem é machista e ele não vai mudar não!”
“É nossa escolha! A vida é nossa! Eu escolhi amar mulheres! Lesbianize! Radicalize! A vida é nossa! É nossa escolha! Eu escolhi amar mulheres!”
“Não! Não! Lesbofobia não!”
“Odeio homem! Beijo mulher! Beijo mulher beijo mulher beijo mulher!”
“Fúria Lésbica!”

A intenção da ação era provocar e gerar um espaço contestatário à lógica liberal e pouco combativa da caminhada lésbica deste ano, renomeada como caminhada ‘les-bi’. Para opôr as cores do arco-íris LGBT, a cor preta da autonomia das nossas faixas e o lilás feminista/lésbico, auto-explicativos. As máscaras para nos proteger e permitir ousar, mostrar que nossa lesbiandade é de luta, e visibilizar a resistência. Gritando a palavra lésbica, sapatão, mostrar que os espaços lésbicos vivem, e não vão desaparecer!

Sempre atrás, quando a marcha chegava ao final, tomamos a frente dela cantando “Sapatão não é diversidade! Sapatão é resistência!”

Logo mais um relato mais detalhado da experiência.