RELATO DE VIOLÊNCIA LESBOFÓBICA E CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DENTRO DO ATO DO 8 DE MARÇO DE SP E REFLEXÃO SOBRE O ÓDIO AS LÉSBICAS DENTRO DO MOVIMENTO FEMINISTA ATUAL

[agradecemos a difusão desta nota]

No ato do 8 de março em São Paulo pelo Dia Internacional das Mulheres, que ocorreu neste último domingo em SP, Lésbicas Radicais Autônomas foram agredidas por militantes da FLM (Frente de Luta por Moradia). Levando panfletos e uma faixa escrito “Lésbicas Radicais contra o Capital e o Estado Racista Patriarcal” lembrando a necessidade da luta contra todos sistemas simultâneos de opressão originados pelo Macho, as ativistas lésbicas tentaram encontrar lugar na marcha, um pouco logo ao final. Logo atrás das sapatões autônomas estavam os militantes da FLM, homens e mulheres. Logo de início no ato, assim que as sapatonas entraram na via com a faixa sobre lesbianidade, um casal de namoradas do grupo de lésbicas autônomas que estavam de mãos dadas foram agredidas sem nenhum motivo  por um homem que compunha o FLM. Ele empurrou brutalmente as duas companheiras para trás, socando contra o peito delas, mandando-as sair do ato,  num ato nitidamente lesbofobico pela tentativa de interromper a expressão de afeto das duas. O esquerdomacho foi repreendido pelo seu colega de militância, nisso o agressor disse que não se importava que fossem mulhere“ia descer a porrada de qualquer jeito”.

 

Quando o agressor notou que as pessoas começaram a repreendê-lo mais, ele usou a intervenção artística – que consistia em estarem apresentadas com máscaras e chapéis de bruxa – como desculpa para bater no casal de ativistas lésbicas, tentando mobilizar @s demais militantes contra nós. A intervenção em questão consistia na vestimenta que trazíamos de máscaras e chapéis de bruxa desenhadas com papel, remetendo à historia das mulheres resistentes e da autonomia e rebeldia feminista. Também consistia em uma ação política legítima de auto-defesa feminista, pois há um motivo muito razoável para cobrirmos nossos rostos: a lesbofobia e o estado de guerra contra as mulheres e lésbicas no Patriarcado. Optamos pelas máscaras como uma tática de segurança, seja pela violência, seja porque entre nós haviam lésbicas em várias profissões e ambientes de trabalho lesbofóbicos, sendo que o panfleto que levávamos se tratava justamente de como a sobrevivência de lésbicas se encontra ameaçada pela lesbofobia e discriminação.

 

Irmos mascaradas significa a declaração de nossa autonomia feminista e a recuperação de nossas corpas lésbicas para nós: negar a sociedade de imagem em que vivemos e barrar o acesso a nossas corpas e sua exposição e de nossos rostos na mídia patriarcal burguesa, o que consideramos um ato de violência e invasão, também de modo à trazer atenção para nossa faixa e não para nossas caras. Além disso, gostaríamos de lembrar da perseguição e hostilidade contra idéias radicais que existe na nossa sociedade que se encontra num processo de facistização cada vez maior, e por outro lado, dentro do próprio movimento feminista que vem se mostrando extremamente hostil às lésbicas, utilizando violências e táticas de difamação de companheiras e das idéias lésbicas radicais e distorção, destruição da memória feminista de modo a dissociar lésbicas do feminismo em prol de fazer política de ‘maiorias’ e manipular lésbicas com culpa por lutarem por e para si mesmas e por sua pova lésbica, terem vergonha de sua auto-organização e ameaçarem seus espaços exclusivos, além de típica reversão dos lugares de agressor e agredida (gaslightining) contra lésbicas radicais, mostrando seu caráter colaboracionista e mantenedor da opressão das mulheres em prol da reforma de machos. Assim, as lésbicas tem que se defender de violências vindas de dentro e fora do movimento igualmente.

 

A utilização do pretexto da máscara abriu espaço para a perseguição política, e assim o FLM se mostrou como verdadeiros coxinhas, polícia vermelha dentro da manifestação, declarando seu ódio a todo tipo de ativismo radical. Começaram a ameaçar de nos entregar para a polícia, e diversas tentativas foram feitas de conversar e explicar que se tratava de uma intervenção artística e uma questão de segurança e não num ato de vandalismo, eles não desistiam: estava claro que queriam desmobilizar a nossa ação. Num dado momento fomos para umas escadarias por acharmos o ‘estar dentro’ da marcha cheia de bandeiras partidárias e homens incômoda, além da estética da ‘participação’ nos incitar o desejo de encontrar um lugar mais marginal e contestatário. Então escolhemos um lugar de visibilidade maior de modo a que toda a marcha visse nossa mensagem e fomos segurar a nossa faixa no alto de umas escadarias na avenida Paulista. Os militantes nos perseguiram até aí. Quando entramos novamente no ato, nos perseguiram novamente, todas vezes que tentamos sair de perto deles, insistindo que tirassemos as máscaras, homens e mulheres, tentando nos atrapalhar. Num dado momento começaram a nos filmar, e nós à eles. Mais uma vez de forma lesbofobica tentaram implodir nossa intervenção criminalizando a existência lésbica naquele espaço

 

Como se não bastasse a agressão inicial tivemos que lidar com a perseguição desse grupo. O agressor chamou vários outros machos enormes do FLM para nos perseguirem, e quando dizemos perseguição queremos dizer que o nosso agressor, suas e seus cúmplices ficavam a menos de meio metro de nós. Diversas mulheres e seus captores/maridos/companheiros de militância ficaram nos perseguindo durante a marcha, incluindo o agressor, dizendo “que estavam de olho”, afinal, a gente era o único grupo somente de lésbicas visíveis durante o ato rompendo com o regime e agenda heterossexual. Tudo isso foi registrado em filme pelo casal de ativistas lésbicas.

 

Diversas feministas estavam fantasiadas, com roupa, sem roupas, de máscaras ou sem, mas somente contra nosso grupo ele agiu dessa forma violenta, totalmente lesbofóbica. Isso não justifica a culpabilização da vítima por estarmos mascaradas, temos direito a nossa expressão política e a segurança e medo das mulheres e lésbicas nunca deve ser subestimada sob um Patriarcado. Não é Não. Não podem nos obrigar o acesso a nossos corpos. Auto-defesa feminista nunca é exagero. Se a questão fossem as máscaras mesmo ninguém precisava apanhar, era só chamar a comissão organizadora, e esta nao viu problemas dado que eram apenas mascaras infantis de papelão e que os motivos de nao querermos sair na midia eram óbvios. Queriam bater nas sapatão  por um motivo apenas: Lesbofobia.

 

As agressões e perseguição pararam somente com ação (eficaz) da comissão de segurança da marcha do 8 de março, composta por coincidência por algumas sapatonas conhecidas, que buscamos quando esgotadas as tentativas nossas de diálogo e resistência ao assédio lesbofóbico e coxinha. Elas falaram para que mantivessemos nossa intervenção e levaram o agressor até o metrô o expulsando da marcha para ter certeza de não comprometer a segurança. Parabenizamos aqui a ação e sororidade das companheiras.

 

Porém queremos deixar a reflexão de que em nenhum momento qualquer mulher à nossa volta, além da comissão de segurança, teve a decência de se sororizar e não se mostrar indiferente à agressão que estávamos sofrendo, e de ajudar a compôr resistência, nós tivemos que nos proteger sozinhas como sempre.  Os homens estavam fisicamente nos ameaçando e entrando no meio da gente. Pedimos ajuda às mulheres em volta, as agredidas gritaram que haviam sofrido agressão, nenhuma se comoveu e não houve o princípio feminista “Se agridem a uma – respondamos todas”, mesmo que as militantes à nossa volta segurassem faixas sobre combate à violência contra mulher. Se a teórica lésbica Monique Wittig dizia que lésbicas não eram mulheres, parece que as companheiras heterofeministas tem isso bastante claro de que estamos excluídas de sua agenda política e que lésbicas não são prioritárias nem sua questão no movimento feminista, e que se lésbicas são agredidas, elas não saem a nos defender como se pede a lésbicas que façam pelas mulheres, que têm sua energia lésbica extraída e demandada pelo movimento de mulheres tornando o separatismo um ato de heresia temido e criminal, que recebe muitas difamações e acusações de misoginia e abandono das ‘mulheres’ nos acusando de portar falsos privilégios de não dormir com o opressor.

 

Apesar da expulsão do agressor, queremos lembrar que a expulsão de um agressor não é o suficiente para garantir a segurança das mulheres e lésbicas, uma vez que a classe dos homens como um todo é inimiga das mulheres. Mulheres heterossexuais trazendo homens para as marchas estão comprometendo a segurança de todas, e muito embora isso seja uma programação da heterossexualidade obrigatória que domestica as mulheres desde criancinhas para dever lealdade e dependência aos macho, é hora de acordar e nos responsabilizarmos de nossa autonomia e da defesa da nossa resistência coletiva, já que minimamente nos encontramos em um movimento dito feminista e já há informação suficiente sobre as estatísticas de assassinato de mulheres pela classe dos homens a cada segundo, mutilação genital feminina, violência/estupro obstétrico, casamento de crianças, tráfico para fins de exploração sexual, violências e estupros reincidentes dentro dos movimentos sociais e da Esquerda e outras provas das atrocidades que eles são capazes contra mulheres. Queremos lembrar da importância de que recordemos que o feminismo é das mulheres e lésbicas e os espaços auto-organizados são um meio de resistência e autodefesa feminista, logo é inadmissível a presença de agressores neste, ademais da revitimização de sobreviventes de violência que consiste este ato, pois inúmeras mulheres e lésbicas tem na figura masculina um acionador de traumas e experiências de violência e vulnerabilidade. Nos espaços e atividades de mulheres e lésbicas homens não devem entrar. Nas manifestações  e marchas feministas, a rua tem que ser exclusivamente nossa!

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

É muito frustrante perceber a fragilidade da nossa posição enquanto lésbicas radicais autônomas dentro da dinâmica feminista hegemônica. Precisamos ficar sempre alertas com os homens que as heterossexuais levam para os atos. De forma lesbofobica elas colocam em risco a nossa integridade e a de suas irmãs. O desprezo do feminismo heterossexual hegemônico à feministas autonomas, separatistas, sapatões, ficou evidente nos atos deste final de semana onde escutavamos muitas vezes a palavra ‘homens e mulheres’ sendo ditas no microfone e poucas vezes a palavra lésbica, muitas vezes a pauta de ‘homofobia’ (que não é assunto do feminismo mas sim do LGBT) sendo dita nos microfones – objetos que eram exclusividade das pelegas participadoras das reuniões onde quem discordasse era expulsa, logo as únicas a serem ouvidas –  e poucas ou nenhuma vez a palavra ‘lesbofobia’, onde participantes heteras assediavam ativista lésbica com perguntas lesbofóbicas e invasivas e dizendo que também lutavam por nós por ter um bottom escrito ‘contra a homofobia’, como se fossemos a versão feminina de machos gays, ou a clamação de que os homens deveriam fazer parte do feminismo, incluindo aí clientes de prostituição/proxenetas acadêmicos que chegaram a participar de uma ciranda de mulheres em Campinas enquanto uma lésbica era interrompida no que estava dizendo e retirado o microfone dela, a cumplicidade com sequestradores e violadores do feminismo como os gays queer que fazem lavagem cerebral em lésbicas liberais voltando estas contra lésbicas radicais e outras mulheres, machos supostos dissidentes do ‘gênero’ ganhando dinheiro com suas bolsas de estudos de gênero para colonizar a luta das mulheres e lésbicas e estuprar os seus espaços. No ato de Campinas no sábado anterior ao ato na Avenida Paulista em São Paulo, uma companheira conseguindo à muitas custas poder falar ao microfone, teve sua voz interrompida, a primeira e única voz lésbica lá. Também no mesmo ato, as lésbicas foram mandadas para o final da marcha, enquanto que homens podiam segurar bandeiras de seus partidos em meio à marcha pois estariam ‘protegendo’ as militantes de sua organização. A lógica heterossexual – a compulsoriedade da união das classes homem e mulher e o tabu contra seu rompimento pela autonomia das mulheres e lésbicas – se apresentava na compulsiva apresentação de militantes que apenas estavam ali por determinação de seus partidos ou na predominância de organizações que por mais que se digam de “Mulheres”, estão ali a mando de PT, CUT, PSOL, PSTU, governismos, sindicatos e qualquer outro Pai/Patriarca, e não pelas mulheres e lésbicas e seus interesses, mas para atender os interesses de seus grandes esposos.

 

Também deixamos como reflexão a importância de que as lésbicas sororizem com outras lésbicas e despertem sua consciência para a valorização de um movimento autônomo de lésbicas. Apesar de não termos convocado amplamente para a bloca, que era de afinidade, as lésbicas devem juntar-se às sapatão. São as mais expostas e mais prováveis vítimas de violência e as que mais necesitam de uma estratégia defensiva de bloco em marchas. Enquanto isso eramos minoria da minoria, e as sapatão se prestavam à situação de fazer número para outras organizações ou heterofeministas, servindo de guarda-costas a elas ao invés de unir-se à outras lésbicas e se interessar pelo projeto político lésbico feminista, o único no qual lésbicas são prioridade e não assuntinho secundário e menor, ‘divisionista’ e evitado com toda cautela.

 

Achamos legítima a denúncia e exposição da agressão e não corroborar com o silêncio, e não temos muitas expectativas de que será esse relato de denúncia e crítica que vai fazer os movimentos sociais levarem a lesbofobia a sério, se nem o movimento feminista o leva e ao final deste escrito muitas que o estejam lendo devem estar considerando, como sempre, que somos ‘um bando de loucas’. Por isso convocamos novamente as lésbicas a constituírem um movimento autônomo de lésbicas e autodefesa lésbica porque apenas acreditamos em poder contar com nós mesmas e não esperamos nada das instituições dos Machos como delegacias de polícia, Estado, e afins. Aquelas que se sensibilizarem com esse relato sabemos que estarão do nosso lado.

 

As companheiras vamos nos recuperando desta agressão lesbofóbica e de outras de modo a que não nos expulsem do movimento por traumas, acionadores, insegurança e desconforto. Nos manteremos firmes. Nenhum espaço é seguro para lésbicas a menos que construamos o nosso, em autonomia sapatão. Não importa quanto homens – gays e heteros – e mulheres heterocentradas queiram aniquilar as sapatão e sabotar a verdadeira libertação das mulheres do seu estatuto de escravização sexual, vamos continuar existindo, nos multiplicando e resistindo, contaminando outras de rebeldia e desobediência feminista. Insistiremos na palavra LÉSBICA em todos lugares em que quisermos ocupar e estar, até que todas mulheres sejam finalmente livres.

 

SAPATONAS RESISTEM!

 

Lésbicas Radicais Autonomas

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* em breve, uma crônica e análise mais aprofundada da nossa participação e reflexão sobre o Estado do movimento feminista.

ato 8 março em SP – lésbicas radicais presentes

 

Lésbicas radicais autônomas se fizeram presentes no ato de SP segurando faixa escrito LÉSBICAS RADICAIS CONTRA O CAPITAL E O ESTADO RACISTA PATRIARCAL, fizeram uma intervenção artística por meio de se fazer presente usando máscaras e chapéis de bruxa e entoando gritos como: “Vem! caminhão! Vem para a revolução!”, “Acorda mulher! Vire sapatão! O homem é machista e ele não vai mudar não!”, “Se toda mulher virasse sapatão, seria a revolução, seria a revolução!”, “Sapatonas contra as guerras! Sapatonas contra o Capital! Sapatonas contra o Racismo, contra o Terrorismo Neoliberal!”, “Lésbica feminista! sapatona convicta!”, “Não, não! Lesbofobia não!”, “Basta já de repressão! Pela santa inquisição! Botar fogo nas igreja libertar as sapatão!”, “Sapatão não é diferença sapatão é resistência!”.

Até onde soubemos, fomos o único grupo a sofrer violência (lesbofóbica e política) dentro do próprio ato, tendo sido atacadas por militantes do próprio ato, duas de nossas companheiras sofreram agressão e fomos perseguidas e filmadas, até a ação da comissão de segurança do ato atuar e expulsar o agressor do ato e reprimir a ação dos e das (sim) demais militantes. Também sofremos assédio lesbofóbico por parte de mulheres do próprio ato, de outras organizações. Mesmo assim se queriam nos atrapalhar, não conseguiram, seguimos firme com nossa faixa marchando e visibilizando as lésbicas.

8 de março também é das sapatão!

labrysludista
8 de março é uma data que remete às mulheres trabalhadoras que foram queimadas por patrões numa fábrica como repressão por protestarem e realizarem uma greve auto-organizada apenas por mulheres contra a extrema exploração e injustiça do sistema capitalista, mostrando que, desde os tempos da caça às bruxas e inquisição, mulheres resistentes a sistemas opressivos vem sendo queimadas e assassinadas. Muitas dessas resistentes foram também as lésbicas, que como Adrienne Rich coloca, “antes que existira ou pudesse existir qualquer classe de movimento feminista, existiam as lesbianas, mulheres que amavam a outras mulheres, que recusavam cumprir com o comportamento esperado delas, que recusavam definirem-se em relação aos homens, aquelas mulheres, nossas antepassadas, milenares, cujos nomes não conhecemos, foram torturadas e queimadas como bruxas”A História segue se repetindo, e o mecanismo político da fogueira e do estado de genocidio do povo político das mulheres – que é o Patriarcado – segue se dando e é preciso lutar contra ele.
Integrar uma resistência política não vem sem ataques por parte dos opressores. Definimos a Lesbofobia como um aparato de repressão a serviço da Heterossexualidade Compulsória, regime político que obriga a conformidade das mulheres nas classes sexuais de modo a manter sua exploração pela classe dos homens por meio da violência, invisibilização, aniquilamento.
Como o 8 de março é uma data histórica que fala da mulher trabalhadora, queremos falar aqui da lésbica trabalhadora, que nunca é pautada na data:
A Lesbofobia precariza economicamente a vida das lésbicas. Muitas vezes vivendo em diáspora, fugitivas da classe mulher, fugitivas e expulsas de instituições patriarcais como a família, possuem recursos de sobrevivência limitados. Diferentemente das companheiras e de suas parentes heterossexuais, muitas vezes tem que sair de casa cedo, ou de suas cidades de origem, onde existem poucas como ela, expulsas pela força da discriminação e da ameaça de violência que são constantes nas vidas lésbicas. Isso faz com que não terminem seus estudos e tenham que buscar empregos precarizados para pagar o aluguel ou custear sua vida longe de seus agressores. Em entrevistas de emprego, não é contratada pelo seu aspecto pouco feminizado: por ter cara de sapatão. No ambiente de trabalho, vive escondida ou sofre demissões por ser lésbica visível ou por descobrirem que o é. Na sua carência de recursos materiais e de afeto se torna dependente emocionalmente nas suas relações afetivas, pois funcionam também como apoio mútuo e sobrevivência. Estas relações não são reconhecidas nem apoiadas economicamente pela família, ou pelo Estado, ou pela Sociedade. O isolamento em um casamento lésbico pode torná-la dependende da companheira por compartilharem recursos materiais, e se caso a lésbica se encontra em situação de violência doméstica, esta situação é totalmente invisibilizada na sociedade, o que torna ainda mais difícil para uma lésbica vítima sair da situação. Ao buscar denunciar, a lei Maria da Penha falha enormemente com lésbicas, que são caçoadas por policiais nas delegacias ao fazer o boletim de ocorrência e a discriminação torna arriscado romper com o silêncio. Se possui crianças, o Conselho Tutelar tenta muitas vezes tomá-las por considerar a mãe lésbica uma indecente. Nos trabalhos, a Lésbica tem que provar ser ainda melhor que seus e suas companheiras heterossexuais, tendo que se esforçar duplamente para ganhar aceitação e não ter seu trabalho mau reconhecido em função de  sua sexualidade. O excesso de trabalho e o  sofrimento da invisibilidade afetam a saúde mental das lésbicas que padecem de ansiedade, depressões,e outros adoecimentos comuns gerados no ambiente laboral. O assédio sexual (estupro corretivo) no trabalho e a fetichização das lésbicas também são uma realidade do Terrorismo Sexual supremacista masculino. Se a lésbica é também negra, sofre ainda mais em termos de objetificação, exclusão, discriminação e precarização.
Acreditamos que o Capitalismo Heteropatriarcal e a Supremacia Masculina devem ser abolidas. Acreditamos na Lesbianidade não como orientação sexual, mas como um ato político de resistência e um projeto político de um mundo onde todas as mulheres possam ser livres. Sendo o modelo econômico existente uma imposição dos patriarcas brancos, queremos a destruição dele, parar o modelo econômico predatório que estupra[1] a Terra com o agronegócio e envenena os alimentos e recursos hídricos, mata animais e populações nativas, para favorecer a apoia mútua e resgatar o respeito ao meio ambiente.
8 de março não é dia para festejar a ‘mulheridade‘. Lésbicas são o conceito da fêmea[2] selvagem antes de sua apropriação pela classe dos homens, que a encerra na categoria Mulher. Somos fugitivas dessa classe e desse conceito. Não queremos flores, queremos molotovs contra o Heteropatriarcado e todas suas instituições opressivas, em solidariedade também com as demais espécies do planeta.
Contra o Heterosistema Racista, Classista, Especista, pela abolição das classes sexuais e econômicas, 
Pela Autogestão das Mulheres
Rebeldia Lésbica!
Sapatões Proletárias, Periféricas, Negras, Radicais e Autônomas, na Luta!
[1] Consideramos certo dizer que a terra é estuprada pelos grandes latifúndios e por todo processo de envenenamento, monocultura e reprodução forçada da qual é obrigada e a desertifica, a mata, para enriquecer patriarcas carnívoros que se apropriaram das terras, e porque a Terra e sua vida é identificada frequentemente, desde as mitologias ancestrais, com as Mulheres, sendo o ataque às Mulheres e ao Meio Ambiente expressões simultâneas e de um mesmo ódio patriarcal contra valores biofílicos. Estamos usando estupro como metáfora muito concreta do que vemos que ocorre com os ecosisstemas, violentados pelos machos. Acreditamos que a violência desse processo de destruição ambiental e seus impactos constitui um dos ritos e pilares fundamentais da Masculinidade. Sabemos de todas problematizações sobre o uso da palavra estupro, mas a usamos em demonstração de sororidade com a Planeta e não exclusão desta de nosso feminismo, representando nossa posição ecolesbofeminista de defesa da Matriarca/Deusa Terra. Não queremos medir palavras. Precisamos gerar consciência e sensibilidade e falar a verdade.
[2] Sabemos que as mulheres negras problematizam o conceito de fêmea. Aqui tentamos utilizar o termo fêmea não na sua conotação patriarcal pejorativa e especista de mulher não-humana, mas justamente o estado da pessoa que se considera hoje mulher, antes do acontecimento histórico que cria as classes sexuais homem e mulher. Isso não quer dizer que não vemos o conceito de mulher como politicamente útil e imprescindível para reconhecer o estado de opressão e a única e exclusiva sujeita do feminismo, apta para abolir e superar o Gênero por meio da destruição das classes sexuais, e pela necessidade de nos remeter a esta materialidade política.
[3] Com respeito ao termo proletária, posteriormente foi problematizado como heterocentrado, porque proletária se refere à prole, coisa que somos contra (reprodução). Também não excluímos desta definição as lésbicas autogestivas porque consideramos ‘trabalho’ no sentido de produção dos meios de vida. Estamos aqui como anti-trabalho, se trabalho se considera no sentido do capitalismo atual, queremos destruí-los.[4] As questões levantadas aqui sobre as lésbicas e suas questões com o trabalho e sobrevivência foram a síntese de questões surgidas em nossos grupos de autoconsciência, o interesse em aproveitar o tema da data também se encontrou com questões que apareciam na nossa grupa e uma tentativa de sair dos pequenos espaços de encontro para levar para o mundo público e para a ação política.

Por que você quis ser lésbica?

“Ai a pessoa tem a pachorra de me perguntar isso. Por que eu quis ser lésbica? O verbo no passado nem faz sentido. Eu escolho todos os dias ser lésbica, eu quero ser lésbica, eu quis, eu quererei no futuro. Eu quero ser lésbica porque eu me amo, eu quero ser lésbica porque eu sou livre e quero ser livre, eu quero ser lésbica porque eu estou viva VIVA e não morta e petrificada, eu quero ser lésbica porque eu amo outras lésbica que assim como eu estão VIVAS, eu quero ser lésbica porque eu quero ser visível pra mulheres e quero que elas saibam que também podem ser lésbicas.”

–  Mona

A feminilidade e a nudez não consentida de nossas corpas radicais

A feminilidade é um sistema de tortura autoempregada extremamente violento e estrutural, parte do espectro da naturalização do conceito “mulher”. Seria no mínimo irônico se não fosse trágico o fato de esse enquadramento ser, no fim, a coisa mais antinatural em todos os sentidos, porque artificializa todos os aspectos da existência das mulheres: criando uma estrutura psíquica debilitada, plastificando suas corpas por completo sob um olhar racista, pedófilo, pornográfico e fetichista, aniquilando a significação positiva da solidão, impondo um sentido hegemônico para uma diversidade de corpas e vivências, sabotando o prazer e a autonomia das mulheres, romantizando a submissão e erotizando a dor e a brutalidade.

E para a lésbica é este um dos fenômenos que a leva a apreender outro tipo de autoflagelo: o ódio internalizado por si mesma, por sua corpa que não se enquadra nas caixas apertadas do processo de feminilização. Não necessariamente pela lésbica nutrir o desejo de aceitação através do enquadramento, mas pelo fato de enxergar com clareza que está à margem da sociedade.

Florescendo as características selvagens que levamos em nossas corpas, rejeitamos o padrão que impõe que devemos manter corpos e comportamentos infantis, e permitimos que nossos pelos cresçam. Em repúdio à indústria estética – que além de transformar as mulheres em bonecas e produtos para associá-las ao consumo masculino, explora animais e desperdiça recursos naturais como parte de seu processo lucrativo – negamos a máscara compulsória da maquiagem e dos produtos de desespero por características que não são nossas; dentre todos os aspectos de nossa existência lésbica, que já nos leva a rejeitar por completo a cultura que romantiza e absolve o macho de seu comportamento hierárquico inerente, bem como qualquer possibilidade de acesso à afetividade íntima e às nossas corpas, somos identificadas e posicionadas pelo olhar heteronormativo como as que estão e devem continuar marginalizadas. Somos uma ameaça. E esse deslocamento ocorre não só nos meios bem dentro da burocracia do sistema (lesbofobia institucional) como generalizadamente.

Por isso, presenciar a situação do padrão branco heterocentrado de feminilização é desgastante, porque ao enquadramento da HT segue-se a exclusão da lésbica, afinal está a própria normatizada sustentando a relação de poder, por reproduzir sistematicamente o discurso e o olhar que intenta provocar-nos uma sensação de nudez não consentida, de inadequação por estarmos existindo e nos locomovendo com corpas autoconscientes. Trata-se de mais uma das situações em que a corpa lésbica paira sem terra. Tal isolamento é uma forma de violência, e é essencial para a saúde das lésbicas a disposição para a desconstrução de tudo o que é bebido em fonte patriarcal e a manutenção de espaços de convivência.

!Vida longa ao sapatonismo radical!

 

– raposa