Projeto Memória Lésbica

Se preferir ler no medium: https://link.medium.com/gZB9ruYgK8

O projeto Memória Lésbica surgiu em agosto de 2019 como resposta política e cultural ao contexto de descaracterização do movimento de lésbicas pelo neoliberalismo sexual e de gênero representados pelo movimento LGBT/Queer. O chamamos assim, Memória Lésbica, por ser precisamente o diagnóstico que damos à situação do movimento lésbico de falta de conhecimento acerca da sua própria história, genealogia de luta, pensamento,existência e ancestralidade. O que nos deixa à mercê do vazio simbólico, no qual eternamente a história feminina é lançada no patriarcado, e nos transforma em pálidas versões das produções dos homens: o segundo sexo de seus movimentos; o L do lgbt, que nos dilui e nos desaparece em suas siglas e significados. Assim, sem conhecimento dos passos que nos antecedem, começamos sempre do 0, sem consciência e sem orgulho ou reverência pela tradição de resistência daquelas que vieram antes de nós e que nos permite estar aqui hoje.

Estamos num momento de esvaziamento do significado de palavras como “Lésbica” e “Mulher”, que designam experiências específicas e indissociáveis do seu caráter sexuado. Sem essas palavras e categorias é impossível uma luta política organizada e a manutenção daquilo conquistado pelas nossas antepassadas. A diferença sexual é ontológica à lesbiandade e estamos aqui para devolver às palavras seu conteúdo concreto. Entendemos o corpo das lésbicas como o território primeiro vital, que foi invadido e colonizado e que, através da lesbiandade, é defendido, retomado, recuperado, cuidado e sanado. O corpo das mulheres está em disputa em uma guerra, os femicídios e lesbocídios são diários. A heterossexualidade é a forma de ocupação masculina desses territórios explorados na reprodução compulsória, trabalhos de cuidado, maternidade, trabalho doméstico, prostituição, pornografia, gestação sub-rogada, abuso sexual infantil, etc.

A Lesbiandade não é uma mera orientação ou prática sexual como nos fizeram crer os patriarcas por meio de suas ideologias. A Lesbiandade é uma ação direta das mulheres de rebeldia contra a classe masculina, é a base ética de um modo de vida crítico ao sistema masculino. A lesbiandade é a recuperação dos laços entre mulheres: é priorizar e amar mulheres num mundo que nos odeia.

Queremos recuperar as nossas comunidades lésbicas e seu caráter político, cultural e ancestral. Recuperar nossas memórias de resistência e rebeldia, resgatando nossas raízes lésbicas e os legados deixados a nós pelas sapatonas ancestras, pautando novamente a potência radical da existência lésbica.

Temos por objetivo:

  • Produzir e transmitir política lésbica-feminista, pois entendemos que a falta de formação política é um elemento central da atual colonização do nosso movimento por homens e suas ideologias disfarçadas de progressistas. Logo, buscamos politizar as lésbicas e fomentar consciência e orgulho sapatão;
  • Impulsionar e fortalecer a cultura lesbica. Pensamos a arte como ferramenta de produção de ordem simbólica, que oferece novos sentidos à experiência feminina e cria um local onde podemos habitar;
  • Criar espaços separatistas somente lésbicos e uma economia entre lésbicas;
  • Recuperar o caráter político e radical do movimento de lésbicas;
  • Recuperar e preservar genealogias de luta e pensamento lésbico;
  • Destruir a Heterossexualidade como regime político. Consideramos esse regime a fonte da subjugação das mulheres à classe dos homens. Buscamos sua destruição pela libertação das mulheres;
  • Apoiar o aborto autônomo e sua descriminalização. A lesbiandade é o melhor contraceptivo: uma resposta mais radical que o aborto à violência do hetero-sexo. Porém, reconhecemos a força estrutural da cultura de estupro e compulsoriedade do coito, uma sexualidade desigual e centrada no prazer e poder masculino;
  • Cultivar a resistência lésbica, autonomia e autogestão sapatão;
  • Lutar pelo abolicionismo da prostituição, da pornografia e do gênero.
  • Lutar contra a pedofilia, inerente ao regime heterossexual;
  • Pautar e lutar contra o racismo, fomentando a consciência étnico-racial e reparação histórica entre lésbicas;
  • Alimentar  uma postura e uma práxis de vida anti-capitalista;
  • Defender o veganismo, o anti-especismo e a ecologia radical como fundamentais no movimento de lésbicas;
  • Lutar contra o lesbo-ódio, demandar justiça nos casos de lesbocídio, acabar com a impunidade.
  • Apoiar lésbicas encarceradas;
  • Apoiar os povos indígenas, defensoras essenciais da Planeta;
  • Apoiar as lésbicas caminhoneiras e promover seu reconhecimento como linha de frente da visibilidade lésbica e as mais oprimidas por motivo de lesbo-ódio;
  • Promover a lesbiandade como direito radical das mulheres ao próprio corpo e portanto, uma possibilidade para qualquer mulher viver e escolher. Promover o verdadeiro e real pertencimento do próprio corpo;
  • Fomentar a coletividade lésbica, redes de apoio-mútuo, a solidariedade sapatão/sororidade;
  • Colocar as lésbicas em primeiro lugar nas nossas políticas, frente ao heterossexismo do movimento feminista;
  • Pautar saúde lésbica alternativa, o auto-cuidado, a autodefesa, a alimentação vegana e a prática física como essenciais no fortalecimento das lésbicas e promoção do amor-próprio, necessários para resistir no patriarcado. Buscamos não apenas sobreviver, mas o bem-viver e a criatividade para além da opressão.
  • Somos internacionalistas, por isso pautamos a Abya Yala e nos conectamos com lutas lésbicas de outros territórios. Somos anti-imperialistas e anti-colonialistas (por isso, críticas ao queer). Somos anti-assimilacionistas, não buscamos inserção no sistema capitalista e patriarcal, como faz o movimento lgbt. Somos autônomas, não acreditamos que a agenda de direitos do Estado Racista patriarcal resolvera todos nossos problemas, e sim nossa auto-organização. Somos radicais, por isso vamos à raiz do problema e temos a coragem necessária para isso, pois nenhum reformismo acabará com o lesbo-ódio estrutural e cultural, nem trará dignidade real.
  • Somos lésbicas da diferença: desprezamos a igualdade com heterossexuais como um objetivo medíocre em relação a tudo que podemos transformar com o que somos, e não desejamos suas misérias/privilégios, seu sistema. Não acreditamos nos falsos direitos iguais que nos oferecem como se agora tudo estivesse melhor. Portanto somos críticas (não contrárias) ao casamento, por não validar outras formas de relações significativas e comunitárias. Somos contrárias a inseminação artificial por um mercado racista e elitista. Somos críticas da adoção (não contrárias) como é colocada pois não substitui políticas sociais reais e não entra em questões profundas de raça, classe, colonialidade, ilegalidade do aborto e quem são as mulheres que tiveram essas crianças, muitas presas, em situação de rua, dependentes química, indígenas, mulheres de países com crise humanitária e mulheres que perderam a guarda por motivos de vulnerabilidade. Somos anti-barriga de aluguel/gestação subrogada pois os corpos das mulheres vulneraveis não devem ser usados para gestar crianças para casais LGBT. Estamos pelos direitos da infância então nos importamos com estas nisso tudo, seus interesses e integridade psicológica, pois crianças são pessoas e não direito de casais. E por fim convidamos a refletir que esse desejo é construido pela pressão heteronormativa.  Estamos orgulhosas da diferença que representamos e não buscamos apenas sermos “normais”. Ao invés da família monogâmica, acreditamos na comunidade lésbica como forma de coletividade potente e subversiva. Valorizamos nossa dimensão anti-reprodutiva como ecológica. Não queremos que só possamos ter direitos migratórios, de saúde, herança, e validação dos nossos vínculos por meio exclusivamente do casamento. Também não desejamos inserção no serviço militar ou policial.
  • Somos contra escracho e cancelamento de lésbicas. Acreditamos em resolução de conflitos nas nossas comunidades que não passem pelo punitivismo, o qual apenas estimula a sabotagem material de uma população vulnerável e o lesbo-ódio. A demanda de que lésbicas sejam perfeitas e não errem é desumanizante, tal exigência se origina na misoginia mais antiga contra mulheres e lésbicas. E o cancelamemto é contrário ao ambiente democrático para que debates e reflexões necessárias ocorram.

Convocamos todas as lésbicas identificadas com essa proposta rebelde a fazer parte desse chamado a construção de um movimento que faça jus à potência da existência lésbica.

Memoria Lésbica
memorialesbica@riseup.net

Nenhuma lésbica a menos! Luana Barbosa, Sarah Hegazi, Nicole Saavedra vivem na luta!

As histórias de vidas de lésbicas potentes interrompidas pelo lesboódio não podem simplesmente sofrer o segundo lesbocídio simbólico de se tornarem notícias de tablóides, estatísticas de lesbocídio para endossar pesquisas que clamem ao Estado reconhecimento, ou nomes citados em jograis na rua, mas sem substância. Precisamos relembrar suas vidas, mantê-las vivas por meio da luta, fazer vingança e justiça por meio da rebeldia e resistência lésbicas. Precisamos entrar em um contato mais profundo com suas narrativas.

Por isso, em função da agitação pelos 3 anos do lesbocídio da sapatão butch chilena Nicole Saavedra ocorrido no mesmo ano que Luana Barbosa dos Reis, em função do suicídio da ativista egípcia exilada política por motivo de lesboódio no Canadá, Sarah Hegazi, justo na semana de consciência sobre a condição de pessoas refugiadas no mundo, e em memória a Luana Barbosa dos Reis, lésbica negra caminhoneira, mãe, negra, poetisa, ex-presa, morta por lesboódio e racismo das forças policiais genocidas do Estado bra$ileiro e juntando à agitação do “Vidas Negras Importam” contra o genocídio policial da juventude negra, estamos trazendo a vocês três escritos que buscaram ficar mais próximos da vida dessas lésbicas. Lembramos que as únicas que levaram a frente o caso de Luana Barbosa à visibilidade pública foram as lésbicas. Nem feministas nem o movimento negro deram tanta repercussão, como por exemplo podemos ver com a adesão dos movimentos sociais à liberdade de Rafael Braga.

Todas elas têm em comum terem sido mortas por serem lésbicas, ou seja, por sua insubordinação ao poder dos homens num mundo que odeia mulheres e mais ainda, mulheres que não estão acessíveis a classe dos homens e não vestem as marcas de casta sexual designada à nós: a feminilidade.

Frente à violência masculina vemos o separatismo lésbico e autogestão das nossas comunidades como a resposta, fortalecendo o processo de construção de comunidades lésbicas plurais, anti-racistas e anti-capitalistas, ecologistas e de nossa própria cultura.

Por Marielle Franco e tantas outras que ainda falaremos, pelo fim das prisões e pela destruição do regime heterossexual. Sapatonas insubmissas, presentes, agora e sempre!

Quem esquece das Mortas

Quem esquece das Presas

Esquece da Luta

Que nossa Memória

Construa Rebeldia

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Luana Barbosa dos Reis: “Luana era uma lésbica fantástica, combativa, corajosa! Cresceu entre mulheres numa época crítica para as periferias de São Paulo, especialmente para as meninas: os anos 90. Cresceu presenciando o que se vive como menina nesse contexto, convivendo com mulheres cujas histórias eram trágicas: filhos que faleciam um a um no tráfico, assassinados pela polícia, maridos e parentes que as violentavam, espancavam, abusavam (…) Mas ainda assim, com uma grande admiração pelo apoio, sem a mínima referência de feminismo ou teorias, que as mulheres eram capazes de dar uma à outra nessa trajetória. (…) Luana, então, cresceu com um espírito convicto de autodefesa e de se impor no mundo. Queria EXISTIR! Ela escrevia, era artista: desenhava, gostava de ler, de poesia, gostava de arte, era uma pessoa que amava abrir novos horizontes e amava criar. Uma potência tão grande que se rebelou, que se aliou a gangues de mulheres, que confrontava os homens na rua, que não permitia que sua existência fosse apagada e sufocada pela violência masculina ou alheia”. Leia mais em: https://filosofialesbica-blog.tumblr.com/post/172316222390/luana-barbosa-presente

Nicole Saavedra Bahamontes: “nicole saavedra bahamondes, nascida em 9 de agosto de 1992, era uma lésbica que vivia em el melon, zona rural de limache, na quinta região do chile. filha mais nova de uma família pobre, nicole era estudante e estava há um semestre de formar-se como técnica em prevenção de risco laboral, no instituto de quillota. sua prima, maría bahamondes, relata que nicole escolheu estudar em quillota, há 18 km de el melon, porque lá tinha uma rede de amigas e amigos, e também porque sentia-se mais cômoda fora da comuna rural em que vivia, onde sofria ataques lesbofóbicos pelo menos desde os 14 anos, principalmente pelo fato de que era uma lésbica caminhoneira (que não performava feminilidade). maría menciona, inclusive, que aos 16 anos nicole foi assediada e perseguida por um grupo de homens que dizia que iam “torná-la mulher”. finalmente, aos 23 anos, ela foi sequestrada, torturada, abusada e espancada até a morte por ser lésbica, por ser caminhão, por não esconder sua sexualidade.” leia mais em: https://medium.com/@acrciavioleta/nicole-saavedra-bahamondes-nascida-em-9-de-agosto-de-1992-era-uma-l%C3%A9sbica-que-vivia-em-el-melon-98defc1c7c3b

 

Sarah Hegazi: “Na semana de conscientização sobre a situação de pessoas refugiadas no mundo  ficamos sabendo da perda de mais uma vida lésbica: Sarah Hegazi, ativista lésbica egípcia refugiada no Canadá por motivo de lesboódio do Estado egípcio, comete suicídio. Por informações que coletei isso teria ocorrido no dia 14 de Junho. Sarah tinha 30 anos de idade. Hegazi era uma lésbica socialista e feminista. Trabalhava como desenvolvedora de software, uma área também desafiadora para mulheres. Sarah era uma revolucionária socialista presente na revolução egípcia durante a Primavera Árabe, e dava palestras sobre as revoluções no mundo árabe. Uma lésbica butch pelo que podemos perceber, sem performance de feminilidade, que deixou o hijab e dizia-se abertamente de esquerda e crítica da violência estatal, uma brava mulher corajosa e inteligente. Seus pais ficaram sabendo que era lésbica após o incidente que iria marcar sua vida: a perseguição e detenção de dezenas de lésbicas e gays egípcios por ocasião do show da banda libanesa Mashrou’ Leila por hastear a bandeira LGBT num país onde a homossexualidade é fortemente criminalizada e perseguida. 56 pessoas foram presas depois dessa ocasião.” https://medium.com/@lesbikapensante/sarah-hegazi-presente-o-drama-das-mulheres-eg%C3%ADpcias-e-a-situa%C3%A7%C3%A3o-de-l%C3%A9sbicas-refugiadas-no-mundo-79b88d0f38a5

 

Nicole Saavedra Bahamondes presente! Nenhuma lésbica a menos!

(por mugra)

nicole saavedra bahamondes, nascida em 9 de agosto de 1992, era uma lésbica que vivia em el melon, zona rural de limache, na quinta região do chile. filha mais nova de uma família pobre, nicole era estudante e estava há um semestre de formar-se como técnica em prevenção de risco laboral, no instituto de quillota. sua prima, maría bahamondes, relata que nicole escolheu estudar em quillota, há 18 km de el melon, porque lá tinha uma rede de amigas e amigos, e também porque sentia-se mais cômoda fora da comuna rural em que vivia, onde sofria ataques lesbofóbicos pelo menos desde os 14 anos, principalmente pelo fato de que era uma lésbica caminhoneira (que não performava feminilidade). maría menciona, inclusive, que aos 16 anos nicole foi assediada e perseguida por um grupo de homens que dizia que iam “torná-la mulher”. finalmente, aos 23 anos, ela foi sequestrada, torturada, abusada e espancada até a morte por ser lésbica, por ser caminhão, por não esconder sua sexualidade.

nicole foi vista com vida pela última vez na manhã do dia 18 de junho de 2016, na comuna de la cruz, onde depois de uma noite de festa com suas amigas, caminhou até um paradeiro para esperar o ônibus que lhe levaria de volta pra casa. ela nunca chegou. depois de uma semana desaparecida, seu corpo foi encontrado no cerro los aromos, há 40 minutos de distância de el melon, com as mãos amarradas e apresentando sinais de tortura física e violação sexual; a autopsia confirmou que sua morte ocorreu devido a “múltiplas faturas no crânio”.

juan emilio gática, primeiro delegado responsável pelo caso de nicole, mostrou enorme incompetência desde o princípio das investigações – negando-se, por exemplo, a analisar o caso desde a perspectiva de crime de ódio, de lesbocídio. cabe dizer também que a delegacia de limache nem sequer fez uma busca por nicole quando a família informou seu desaparecimento; o corpo foi encontrado aleatoriamente, quando um grupo de trabalhadores que estava recorrendo o local. a família de nicole exigiu a retirada do delegado juan emilio gática do caso, o que lograram depois de quase dois anos de má-vontade. o caso passou a ser administrado pela delegacia de quillota, já na região de valparaíso. ainda ocorreram mais três alterações no comando da investigação, até que em outubro de 2019, mais de três anos após seu assassinato, o estuprador lesbocida victor alejandro pulgar vidal foi formalmente indiciado. ele era motorista do ônibus que percorria o trecho la cruz-el melon, e o celular de nicole foi localizado em posse de uma parente sua. à altura da descoberta, victor pulgar já estava cumprindo pena pelo estupro de duas menores de idade.

é importante sinalizar que durante esses quatro anos, desde que perdemos nicole, o apoio de coletivos e individualidades lesbofeministas foi crucial tanto para a visilidade do caso, quanto para o apoio emocional da família – principalmente de olga, mãe, e maría, prima, que corajosamente encabeçaram a luta judicial para encontrar o assassino lesbofóbico.

as fotos que ilustram o texto são de um cerimonial organizado em memória de nicole aos 3 anos de seu assassinato, onde compareceram suas amigas/amigos e ativistas lésbicas e feministas, além de familiares. “só quero agradecer-lhes por estarem aqui. se não me veem chorar, é porque já não tenho lágrimas”, disse olga, sua mãe, dirigindo-se às solidárias presentes. nessa ocasião suas amigas construíram um altar em memória de nicole, com algumas de suas coisas favoritas: água, ervas medicinais, vinho, instrumentos musicais, plantas, uma pegada impressa por seu cachorro gastón, incensos, palo santo, e sua manta favorita.

ainda cabe dizer que além de nicole, outras lésbicas foram assassinadas nessa mesma região: maría pía castro, 19 anos (2008), e susana sanhueza, 22 anos (2019). que não deixemos nossas mortas esquecidas; que nossa memória construa rebeldia.

 

 

Quarentena Lesbofeminista – grupo de leituras online de teorias lésbicas

Enquanto presenciamos a derrocada do patriarcado e o desenrolar do caos completo decorrente das necropolíticas ecocidas masculinas, do qual um vírus é somente uma das consequências, nós lésbicas radicais precisamos mais do que nunca criar territórios aquém e além da realidade masculina, deixando para trás definitivamente a normalidade heterossexista.

Convidamos todas as lésbicas interessadas a participarem da Quarentena Lesbofeminista – grupo online de leitura de teorias lésbicas. É um convite a explorarmos a potência do pensamento lésbico vital e sem amarras.

O isolamento social por conta da covid-19 nos obriga a ficar em casa, ou a reduzir nossa vida social. Mas para nós lésbicas a domesticidade, outrora desprezada, tem significado a redescoberta de uma liberdade, por fora da hostilidade do mundo externo masculino. Homens definiram o mundo público como o espaço da real-política, nós acreditamos no valor do íntimo, pois é na privacidade feminina que podemos confabular resistências e imaginar a reinvenção da vida longe das vistas do patriarcado.

Afirmemos a quarentena como oportunidade de nos retirar de vez: deixemos lá fora o vírus e a ordem simbólica masculina. A pandemia de coronavírus é expressão do fracasso do patriarcado. É agora mais que nunca a oportunidade de renegar seu mundo.

Convidamos as lésbicas a usarmos criativamente esse espaço potente que é a interioridade: ressignifiquemos desde um olhar sapatão como local de criatividade, prazer, autocuidado, crescimento pessoal e intelectual, ginoafeto virtual. E para aquelas de nós obrigadas a permanecerem isoladas com pessoas perpetuadoras de lesbo-ódio, é hora de apostar na criação de redes e de conexões e no poder da palavra entre mulheres. Estaremos criando ordem simbólica lesbiana e apreciação das nossas genealogias, aprendendo do pensamento autônomo de mulheres, por meio de encontros virtuais que recuperam a coletividade entre sapatonas para além das falsas fronteiras machistas que nos dividem.

Deixemos o mundo dos homens, suas políticas e problemas de fora. Essa crise não é nossa. Que mundo podem as lésbicas criar?


Os encontros ocorrerão por meio de videochamada em grupo a cada 15 dias na plataforma jitsi, escolhida por ser online e segura. O link da reunião virtual será enviado por e-mail às registradas. Este primeiro encontro ocorrerá dia 10 de maio (domingo) consistindo na leitura do texto de Susan Hawthorne “A Despolitização da Cultura Lésbica” – o pdf está em anexo na página e também está o texto para visualização online na página.

Por motivos de segurança contra a violência masculina (que pode ser física e virtual) pedimos que responda o formulário de registro.

Dúvidas escrever a: memorialesbicas@gmail.com

Dia das Rebeldias Lésbicas!

 

Vídeo realizado em 2006 para celebrar o 1o dia das Rebeldias Lésbicas, em 13 de Outubro, data de visibilidade das lutas lésbicas-feministas em toda Abya Yala, feito logo após o encontro lésbico que lançou o dia de lutas. É inspirador por mostrar genealogias de pensamento e luta lésbica. Temos crítica à Butler e outras mais faltaram, vamos tentar complementar assim como mais mulheres negras. “As sequências são uma visão pessoal da razão de ser e trabalhar desde o feminismo. Também é uma explicitação dos referentes de formação política lesbo-feminista que tive.”
realizado por Alejandra Aravena, Radio Numero Critico

 

“Me desnudam com sordícia
Me silenciam com sangue
Deformam meu corpo
Extirpam meu prazer.

Com suas migalhas me educam para servir-lhes.
Ainda escrava, atada às penas de minha terra,
Libero meus mares para sanar-me.

Expulsa de seu paraíso
Como deusa me violaram
Como sábia me queimaram
Como lutadora me torturaram.

Ser mulher não me basta…
Ser lesbiana não é suficiente…
Foi etiquetada, classificada e analisada
cada parte de mim.

Ante suas navalhas ensanguentadas,
Suas escolas fechadas,
Suas cozinhas vazias,
Suas bombas assassinas… Cada átomo de meu ser vibra
Em saltos cada vez mais amplos,
Explodindo em uma reação em cadeia:
De vida, de alegria…
de REBELDIA.

Lésbicas inspiracionais citadas:

Virginia Woolf, Marguerite Yourcenar, Monique Wittig, Teresa de Laurentis, Judith Butler, Tsitsi Tiripano, Cherríe Moraga, Jill Johnston, Barbara Smith, Sheila Jeffreys, Audre Lorde, Adrienne Rich, Gloria Anzaldúa, Cheryl Clarke, Margarita Pisano, Juanita Ramos, Julieta Paredes, Rosangela Castro, Cecilia Riquelme, Mariana Pessah, Paulina Vera, Marlore Moran, Ochy Curiel, Chuy Tinoco, Yuderkys Espinosa Miñoso, Melissa Cardoza, Norma Mongrovejo, Jules Falquet, Ximena Bedregal, Yan María Yaoyólotl Castro, Doris Muñoz, Erika Montecinos, Claudia Acevedo, Jana Aravena, Jennifer Mella). “1o dia Internacional das Rebeldias Lésbicas, 2007
Agradecimento a todas
Com as que estive aprendendo, chorado, rido… crescido. E aquelas com as quais estou em desacordo.
Por todas nós… ”

Queremos acrescentar alguns nomes: Carol Ann Douglas, Denise Thompson,  Betty McLelan, Susan Hawthorne, Celia Klitzinger,  Ana Reis, Sarah Lucia Hoagland, Julia Penelope, Marilyn Frye, Jeffner Allen, Julie Bindel, Pat Parker, Linda Bellos, Margaret Sloan Hunter, Kathy Miriam, Angela Davis, Caryatis Cardea, Alice Walker, Lilian Faderman, Janice Raymond, Kate Millet, Christine Delphy, Stormé DeLarverie, Sonia Johnson, Rosely Roth, Miriam Martinho, Tania Navarro Swain, Bev Jo, RADICALESBIANS, Magdalen Berns, Andrea Franulic, Insu Jeka (Jessica Gamboa), Chrystos,

Ato da Visibilidade Lésbica 2019 – 3 Anos sem Luana Barbosa. Párem de nos matar!

O Ato da Visibilidade foi puxado espontaneamente e descentralizadamente este ano, sem figuras protagonizando. Especialmente liderado pelas mulheres negras com o bloco Siga Bem, no começo fechava a avenida toda até um grande contingente de policiais aparecer para intimidar o ato que parecia querer disputar com a própria marcha. Foram puxados jograis sobre lesbocídio e lembrando as caídas, Luana Barbosa, Marielle Franco e tantas outras… presentes! Também palavras de ordem. “Hey mulher vire Sapatão o homem é machista e ele não vai mudar não” e outros clássicos sustentados por uma bateria ruidosa. Lésbicas radicais auto-convocadas produziram cartazes apresentando idéias mais separatistas e ecologistas.

 

 

Jornada da Memória Lésbica – 24 de Agosto de 2019. Registros e manifesto

Este ano foi comemorado 50 anos da revolta de Stonewall, apesar de nunca mencionarem que foi uma insurreição  iniciada por uma lésbica butch Drag King, a Stormé DeLarverie. Mas essa é a nossa história como mulheres e lésbicas? Desde o … Continue reading

Por uma Visibilidade Radical e Autônoma!

O que é a Visibilidade Lésbica? A Visibilidade Lésbica é sobre existirmos, principalmente para outras lésbicas. É sobre ser consciente do significado político, ético, afetivo, ancestral, cultural, da lesbianidade. É sobre conhecer sua própria história e cultura lésbica, sobre celebrar nossa coletividade com as lésbicas e sobre nos fortalecer. A Lesbianidade é um profundo ato de desmisoginização numa cultura patriarcal que odeia mulheres e as aniquila, explora, assassina, todos os dias. Ser lésbica não é apenas uma prática sexual diferente da heterossexual. Ser lésbica é sobre estar entre mulheres, amar outras mulheres, se conectar com outras mulheres, com a nossa cultura, história, e sobre compreender a tradição que levamos por séculos, desde que existe o patriarcado, de combatentes, saboteadoras, desobedientes da Heterossexualidade Compulsória enquanto um sistema político de exploração e opressão das mulheres.

Que visibilidade queremos? Que visibilidade nos fará livres?

Visibilidade Lésbica enquanto estratégia Radical é sobre sermos visiveis para nós mesmas, e não dependentes do olhar aprovador do sistema. Nós lésbicas estamos isoladas, separadas umas das outras, inconscientes de termos uma comunidade, uma história, um significado de resistência política. Ao sermos visíveis, e por meio da visibilidade das nossas irmãs, favorecemos nossa união e vemos que não somos a única sapatão, que não estamos loucas. É assim, então, a visibilidade um ato de sororidade. É também sobre fazer disso uma possibilidade para outras, pois toda mulher pode ser lésbica. É sobre sobrevivência e criação de territórios autônomos de existência lésbica dentro de uma heterorrealidade na qual não nos encaixamos. É sobre visibilizar alternativas, uma proposta diferente de vida, de ética, totalmente fora do sistema patriarcal, ultrapassando os limites impostos de mulheres heterossociais. Por meio de mais visibilidade lésbica, perdemos o medo, nos permitimos sair do armário, parar de nos esconder, nos fortalecemos, ganhamos auto-estima para enfrentar essa sociedade que invalida nossas existências. Nos organizarmos politicamente para falarmos de nossas pautas, que existimos, que sofremos duplamente: como mulheres e como lésbicas, às vezes triplamente, como mulheres, negras e lésbicas. Por meio da visibilidade, mostramos que resistimos e que estamos no combate.

Visibilidade lésbica é trazer à tona a cultura lésbica, é fazer com que outras lésbicas possam nos enxergar e consequentemente enxergarem a si mesmas. Pra isso é importante estarmos entre lésbicas, falarmos sobre nossas vivencias, dar espaço e importancia para os trabalhos feitos por lésbicas, doar o máximo de energia para lésbicas. Tirar a noção (nociva) de que lesbiandade é sexualidade, pois tendo isso como visão unilateral esquecemos do todo que nos permeia além da sexualidade. Enxergar as lésbicas apenas como parte da sua vida sexual é limitante, e obviamente é um instrumento do patriarcado para que sejamos somente isso. “Amar” mulheres enquanto trabalhamos para os homens é incongruente, por isso, nos baseamos numa ética de separação. Visibilidade lésbica é trazer a ideia de que podemos “amar” mulheres e trabalhar para e por mulheres, no âmbito mais extenso da ideia. Visibilidade lésbica é também sobre uma postura crítica, rebelde, questionadora do sistema, que não aceita migalhas destes. Não nos basta ter lésbicas na televisão ou poder casar, muito menos queremos lésbicas em instituições patriarcais como polícia, exércitos, ou no governo do qual somos críticas. Não nos basta sermos aceitas. É sobre recusar fazer parte do LGBT que apaga as lésbicas. É cuidar com a assimilação do sistema hegemônico, que mina nosso potencial rebelde. É sobre dizer alto a palavra LÉSBICA, não ‘bi’ ou ‘gay’. Precisamos tomar consciência da condição política que representamos enquanto lésbicas: a de sermos um ataque às instituições da supremacia masculina. É uma postura de priorizar lésbicas, dentro dos movimentos sociais, nas nossas vidas, e até mesmo no feminismo, pois nunca somos pauta relevante em nenhum movimento.

A visibilidade que queremos é a visibilidade como estratégia de sororidade lésbika contra a heterossexualidade compulsoria, como estratégia de contra-propaganda da heterossexualidade, de ataque e de okupação do mundo, como estrategia antissistêmica de tornar a Resistência conhecida, de criar consciência lésbika.

Não queremos a visibilidade de sermos ‘reconhecidas’ pelo sistema que nos explora e aniquila, que repudiamos. Queremos ser a visibilidade de um futuro onde as mulheres serão livres de seu estatuto de classe sexual. Queremos ser visibilidade de uma resistência ancestral, que recuperamos e carregamos, e da propaganda anti-heterossexual que representamos.

Sejamos incômodas! Sejamos visíveis!

Lésbicas Radicais Visíveis!

sapasbandovisiveis(texto do panfleto distribuído durante a 1o Jornada Autônoma da Visibilidade Lésbika realizada no dia 30 de agosto de 2015)

 

medusas

 

a ânsia do poema
mais um dia
mais uma noite: sozinha
ando pelas ruas caçando um espelho
qualquer reconhecimento que seja
ela surge, ela cruza
dou um oi silencioso
por ela nunca ouvido

não temos terra
não temos posses
mal temos nossas pernas

a mulher não existe
existe? será?
e a lésbica
onde ela está?

as palavras são cuspidas no papel
e de que forma poderia ser?
não há tempo para a beleza
para voltas e rodeios

mal há tempo pra viver

não sei se sombras ou bestas
se fantasmas, não sei
seriamos mitologia?
há cobras no lugar de cabelos?

e é assim que resistimos
no nada do lugar vazio

 

monalisa lemure