feminismo é sobre a igualdade entre mulheres

Feminismo, para mim, nunca significou a igualdade entre homens e mulheres. Significou e significa a igualdade entre Nós – tornar-se semelhante àquelas mulheres que foram para mulheres, as que viveram pela liberdade das outras, aquelas que morreram por isso; aquelas que lutaram por mulheres e sobreviveram através da força feminina; aquelas que amaram mulheres e que perceberam que, sem a consciência e a convicção de que mulheres são primárias nas vidas umas das outras, nenhuma perspectiva nos é possível. O feminismo heterorrelacional, como o humanismo heterorrelacional, obscurece a necessidade da amizade feminina como um pilar para o feminismo, bem como uma consequência dele.

– Janice Raymond, A Passion for Friends – Toward a philosophy of female affection. Tradução: Carmen de Carvalho.

a lésbica não é mulher

“Lésbica é o único conceito que conheço que está mais além das categorias de sexo (mulher e homem), pois o sujeito designado (lesbiano) não é uma mulher, nem economicamente, nem politicamente, nem ideologicamente. Pois o que faz uma mulher é uma relação social específica com um homem, uma relação que chamamos servidão, uma relação que implica uma obrigação pessoal e física e também econômica (“residência obrigatória”, trabalhos domésticos, deveres conjugais, produção ilimitada de filhos, etc.), uma relação a qual as lésbicas escapam quando rejeitam tornar-se o seguir sendo heterossexuais.
Somos fugitivas de nossa classe, da mesma maneira que os escravos americanos fugitivos o eram quando se escapavam da escravidão e se libertavam.
Para nós esta é uma necessidade absoluta; nossa sobrevivência exige que contribuamos com toda nossa força para destruir a classe das mulheres na qual os homens se apropriam. Isto só pode ser alcançado pela destruição da heterossexualidade como um sistema social baseado na opressão das mulheres pelos homens e que produz a doutrina da diferença entre os sexos para justificar essa opressão.

(Wittig, Monique. (1992). The category of sex. In The straight mind and other essays (pp. 1 -8). New York: Beacon Press.)”

Cuidado! Heterossexualidade pode prejudicar sua saúde!

(por Vanille Fraise – grupo de lésbicas políticas. Suiça, 1981)
Heterossexualidade é normal, é natural… ou pelo menos é o que dizem: vaginite crônica (inflamação dos tecidos da vagina), cistites, infecções no útero e nos trompas de Falópio, esterilidade, agravamento de casos de câncer, maior tendência a desenvolver varizes, sensação de peso nas pernas, inflamação das veias, embolismo pulmonar, hemiplegia (paralisia cerebral que deixa um dos lados do corpo paralisado), problemas de visão, problemas de audição, dores de cabeça, flatulência, ganho de peso, estrias…
Essas são algumas complicações do uso ‘realmente seguro’ de contraceptivos criados por homens pesquisadores para que tenham suas parceiras disponíveis a eles 30 dias de 30.
Por outro lado, há as complicações causadas pela gravidez indesejada: aborto e seus efeitos posteriores, (risco de infecção ou hemorragias…), ansiedade, vômito, nascimento prematuro, depressão pós-parto, etc. Também há complicações devido a sofrer várias gestações: anemia, desmineralização, enurese (micção involuntária), prolapsos (quando órgãos “caem”, “saem do lugar”. ex: prolapso uterino)… e também vale mencionar, há a vaginite, frigidez, e a psicologicamente sugadora menopausa.
Todas essas doenças são, em menor ou maior nível, consequências da heterossexualidade; todas são usadas para nos fazer acreditar que nós mulheres somos mais frágeis, mais frequentemente doentes. A prática de heterossexualidade, quase compulsória, serviu muito bem para a medicalização do corpo da mulher pelos homens médicos e pesquisadores.
O período entre os 20 e os 40 anos é o período primordial no qual as mulheres deveriam ficar o menos doente. No entanto, é durante esse mesmo período que as despesas médicas das mulheres aumentam. E a maioria dessas despesas é devido à heterossexualidade.
Você nunca pensou nisso?  e ainda assim….
[Esse panfleto foi distribuído durante uma demonstração organizada dos partidos da esquerda para protestar contra os custos de saúde, que aconteceu em Geneva, na Suíça, no dia 9 de novembro de 1981. Foi reimpresso posteriormente em Clit 007]

lésbicas radicais contra a classe dos homens

“sobre a diferença entre regime e instituição: A instituição abarca as formas de controlar (organizações, pedagogias, mecanismo de repressão e incentivo..) A sociedade, evoca uma ideia de socialização, de ensinar determinado comportamento, estruturar a sociedade.. pra mim (mona) e da forma que eu leio quando se fala em heterossexualidade como instituição, traz a ideia da palavra ‘heteronorma’ por ex. Isso é problemático no sentido que, de certa forma, apaga o caráter coercivo e violento dessa organização e de que ela é outorgada não por um ‘poder regulador’ e sim por um sujeito especifico que detêm esse poder: o homem. Já o regime político traz muito mais obviamente esse fator de que há alguém agindo, o nome regime já abarca as instituições reguladoras. Pensando na Wittig, usar o nome regime faz muito mais sentido por que uma instituição regula, um regime cria, o regime político heterossexual -no caso – cria ‘a mulher’ e cria ‘o homem’, portanto a lésbica é total rebelde desse regime.]”

Isso não é uma poesia acho que é uma brisa

Hoje sim linda

é noite de lua cheia
e eu estou conectada a ela
também estou cheia
estou cheia de você
dentro do meu coração
k transborda
alegria
dando energia pro meu corpo brincar
Você é igual a capoeira
ritualística
tem um monte de segredos
é um infinito inteiro
k todo dia me ensina
um poukinho a vadiar
É livre k nem o vento
faz k vai pra depois fingir k vai voltar
malandreando
com o passo cambaleante
É uma caixinha de surpresa
capaz de trocar o sagrado pelo agrado
Me alucina
me deixa ébria
fico tonta somente com as gotas de tua saliva
E os Tambores de Safo
vem celebrar o sal de tua pele
em minha língua
por FORMIGA

 

Corpa trancada em natural, Corpa ofendida pelo discurso banalizado

Um dos processos mais violentos da estrutura opressora do patriarcado é a possibilidade de distorção e eufemização do que é percebido visceralmente como nocivo pela corpa declarada sua arqui-inimiga: a lésbica. O recorrente discurso naturalizante (políticas queer/pensamento pós-moderno) combinado com a superficialização do intrínseco político que há no ser lésbico são duas faces de uma mesma moeda, de um jogo de silenciamento que tem como função tornar invisível a experiência que trucida a lógica heterossexualista e fascista do patriarcado: a experiência da lesbiandade, além de, é claro, prejudicar a existência lésbica.

Essencializar a vivência é uma tática óbvia para impossibilitar as mulheres de se identificarem com outras mulheres integralmente e escapar, inclusive, à própria categoria mulher, este ser construído a estar passível de toda sorte de violência; é este o backlash fantasiado de “cientificização” afim de tirar-nos a possibilidade de questionar a heterossexualidade como regime compulsório e de rejeitar esta vivência por desconstrução e como decisão política existencial, afinal “nascemos assim”. Faça-se apenas uma simples pergunta: como se considerar NATURALMENTE heterossexual numa sociedade em que a heterossexualidade é compulsória?

A naturalização da heterossexualidade é uma violência contra nossas corpas por vir carregada de inúmeras táticas de coerção. Pensar este fenômeno como simplesmente contato-relação entre dois seres-bolha é a chave de ouro do patriarcado, pois é aí que se ignora todo o processo social-político-cultural-psicológico que sustenta a relação de poder da classe dos homens sobre as mulheres e fomenta uma sociedade extremamente nociva às lésbicas.

É recorrente, por outro lado, a banalização da radicalidade lésbica e da identificação de nossas corpas num processo político que rola por conta da distorção, ou talvez falta de profundidade no que se entende como escolha, e escolha político-existencial. Talvez por vivermos na lógica do consumo tenhamos também a tendência de objetificar a experiência a ponto de descrevermos nossa escolha pela ótica dum tremendo imediatismo, sem levar em conta o fato de que a lesbianidade não é uma camisa que se veste da noite para o dia sob o lema “agora serei lésbica porque faz sentido para mim”. Não se trata de uma escolha tão deliberada, nossa sexualidade não é um produto, trata-se de um desenrolar de percepções, com toda a certeza, trata-se de um processo de conscientização, trata-se de um mergulho em incontáveis desconstruções e na vivência, inclusive, de enxergar que as ferramentas de tortura do patriarcado são muito maiores do que poderíamos imaginar antes da retomada de nossas corpas (à lesbianidade).

Ser lésbica é abrir os horizontes para notar a toxicidade deste regime em que vivemos, a violência com que atinge nossa saúde psicológica, física, afetiva e social, a hierarquia com que contamina as relações, a linguagem e a dinâmica da comunicação entre as corpas e permitir-se uma forma alternativa da vivência prática cotidiana: a da resistência e existência lésbica.

 

– raposa.