Uma perspectiva crítica sobre o escrachamento de lésbicas

Um ensaio novamente sobre a questão do punitivismo e escracho como maltrato de lésbicas e a examinação das raízes na Misoginia da sua inspiração nas éticas de uma sociedade penal, mantendo que as práticas punitivistas servem a um propósito mais de controle social que de justiça e transformação profunda de um tema. Novamente dedico-me a tarefa de expôr minha oposição à destruição desumanizante e malignizante de alguém, como imperativo ético lésbico-feminista.

Baixe a versão em pdf: O Apedrejamento de Lésbicas

O Apedrejamento de Lésbicas

por Jan. hembrista@riseup.net

“Apedrejamento, ou lapidação, é um método de punição onde um grupo joga pedras numa pessoa até que ela morra. Nenhum indivíduo do grupo pode ser identificado como aquele que mata o sujeito (…) Mais lento que outras formas de execução, a lapidação dentro do contexto da cultura ocidental contemporânea é considerada uma forma de execução por tortura.” (https://en.wikipedia.org/wiki/Stoni…)

     O apedrejamento constituiu-se na cultura popular como um símbolo, um arquétipo. O apedrejamento ocorre há muitos séculos, ocorreu em muitas culturas, e ainda existe contra todos apêlos dos Direitos Humanos por sua abolição. Foi a primeira forma de queima das bruxas. A mulher apedrejada até a morte, acusada de uma insubmissão à ordem patriarcal. A mulher acusada de adultério é como a mulher acusada de bruxa: ela é acusada de trair, de repente, uma cultura, a cultura masculina. Talvez pela forma que ela se portasse, por sua insubmissão, ou por ação de uma subjetividade masculina que, num funcionamento psíquico paranóico, delirasse nela uma ameaça, o que nunca foi muito difícil em se tratando das fantasias de castração em torno ao feminino que motivam a misoginia que nasce do imaginário masculino. O arquétipo é tão forte que ele se tornou uma frase de conhecimento popular retirada da literatura bíblica: quem nunca pecou que atire a primeira pedra, disse-se quando Maria Madalena estava condenada a ser apedrejada por prostituição ou pelo que parece que consta na bíblica, acusada de possuir 7 demônios em si. A relação com o demoníaco e a sombra, a demonização, seriam primórdios das acusações às bruxas? Repete-se também a questão de controle do corpo, da sexualidade, de que essa sexualidade pertence ao homem. Talvez, assim como as bruxas, a maioria dessas mulheres apedrejadas fossem lésbicas.

     Eu trago essa reflexão sobre apedrejamento porque quero pensar sobre os linchamentos morais no movimento feminista. A prática do rumor[1], as acusações falsas, o trashing, a exposição, o public shaming [2]. O castigo em bodes expiatórios escolhidos para expiar nosso Mal, como legados do Patriarcado, legados da misoginia mais ancestral que nos habita.

     O apedrejamento é universal. Ele existe de forma simbólica, como prática de Misoginia, e é uma programação ancestral de nossas mentes e nosso inconsciente coletivo. Assim como é arquetípico a queima e perseguição de alvos escolhidos como bruxas. O apedrejamento é um referente de como mulheres e lésbicas são atacadas e tratadas, socialmente no Patriarcado, e depois, dentro dos movimentos sociais por suas falhas individuais. Somando-se à imagem já associada ao feminino de pecadoras e portadoras do pecado original, agencia-se todo repertório de demonização e deturpação da representação das lésbicas ao longo da história. E aqui eu quero abordar a presença desses repertórios depreciadores de mulheres e lésbicas no fenômeno da hostilidade horizontal entre mulheres e lésbicas.

     Embora as pedras em alguns países sejam reais, as pedras que se tratam aqui são outras, simbólicas. O ato de apedrejar se conserva mas sem pedras, mas não por isso se torna menos letal. O assassinato pode não ser físico, mas pode ser um assassinato existencial em vida. Enquanto dirigidos os escrachamentos à possibilidade de existência política, afetiva, social, cultural, artística ou intelectual de uma lésbica, de uma pensadora, ou até mesmo a lésbica como existente em si, é de uma letalidade muito triste pela perda que produz de desejos engajados na criação de outra vida. Pela perda de mais uma lésbica numa existência expressada.

     Os alvos do apedrejamento são as audaciosas intelectuais, as céticas, as insubmissas, as autênticas, as que se diferenciam, que não seguem a manada, que pensam por si mesmas, as radicais de profundidade, não as de fanatismo doutrinário que agride as que não se encaixam na disciplina moral exigida. As radicais pensantes e criadoras que não tratam o pensamento lésbico como uma religião ou um dever-ser moral feminista estrangulador. Também são alvo do apedrejamento as lésbicas em si e o medo que elas despertam, que sua sexualidade principalmente desperta. A sexualidade lésbica nos assusta, assusta as mulheres, assusta as próprias lésbicas, e alguns discursos criam uma nova aura de tabu em torno à sexualidade e afetividades lésbicas, dominando os debates e discursos, narrativas, com um vocabulário que termina por se restringir em termos como ‘abuso’, ‘agressão’ e ‘violência entre lésbicas’ para definir a complexidade das relações lésbicas. As lésbicas temos uma carência cultural própria e há muito habitamos a linguagem dos homens, a linguagem patriarcal é limitada para definir nossas experiências e constrange nossa imaginação. A sexualidade lésbica é um tabu rodeado de medos e ansiedades. Por meio de um feminismo que empaca em palavras da experiência de sofrimento, carece-se de narrativas da corporalidade que não sejam as de vitimização dessa experiência, viciando a compreensão de mundo em um simbólico limitado que vem precarizando simbolicamente o existir lésbico. Não é de agora que os feminismos erram de estratégia ao criar uma simbólica de maltrato, de sofrimento. Necessitamos produzir e habitar nossos imaginários também com as experiências da alegria e criação, resistência. A precariedade simbólica de um feminismo que reduz a compreensão das relações como sendo ou ‘abusivas’ ou…puras? Perfeitas? Seria a perfeição relacional possível, ou talvez isso seja a própria imagem da morte, do fim, por representar uma perspectiva de fim-da-História, onde não seja mais necessário realizar-se mais o devir e reinvenção de si inerentes à vida?

     As lésbicas que são leais a pensamento e éticas lésbicas representam uma ameaça para movimentos feministas heterocentrados, reformistas e vitimistas, e sim, uso a palavra vitimista embora seja polêmica, desde meu lugar de lésbica e não desde o patriarcado. Pois geralmente se tratam de discursos que nunca apontam para a responsabilidade das mulheres em sua libertação e em sua capacidade para isso, e sim sempre mulheres como produtos determinados da materialidade incapazes de superar e intervir na sua vida, retirar sua participação no que a oprime, criar sua existência, retomar sua autonomia, o que me parece uma subestimação muito grande das próprias mulheres.

     Penso em um feminismo numa ética diferencialista de valorizar o habitar o Afora (Margarita Pisano) [3], não que busca entrada no Patriarcado (Sonia Johnson) [4], um feminismo separatista que aposta na capacidade de criar nossas vidas, à diferença de um feminismo voltado ao demandismo de políticas e direitos ao Estado e Patriarcado. [5] “Ensinem os homens a não nos estuprar”, posições de passividade, de espera de cessões do Estado e Patriarcado, que pôe nas mãos do outro a possibilidade de satisfazer suas necessidades existenciais. Se passamos a produzir nossa autonomia de vida, superamos o lugar de vítimas sentenciado para nós e perpetuado pela dependência na agenda de direitos e reformismos. A lésbica autônoma realiza uma radicalidade que consiste em mostrar uma possibilidade política que não a da postura ressentida (chamado por Nietschze de niilismo reativo, que apenas reclama e se queixa numa crítica sem potência transformadora)[6], o ressentido que ataca ao Outro, ao Estado, ao Patriarcado, aos outros, pelo que não tem. A autonomia aponta para uma postura ativa, que cria sua vida, sem esperar dos outros e dos sistemas. A lésbica autônoma se faz responsável de si e toma a vida em suas mãos, realizando o Cuidado de Si, saindo da ilusão de sermos faltantes e de que o sistema tem algo do qual precisamos, uma construção que é conveniente ao próprio sistema por legitimá-lo e criar dependências de novos maridos psicológicos e institucionais. Também acredito que quem consegue buscar novas formas de se afetar criativamente, quem cuida de si, não precisa denunciar ninguém nem excluir ninguém como sendo o causador de seu Mal, nem coagir as demais mulheres a isso e que a maternalize nas práticas de exclusão de uma mulher ou outra que me desagrada e de quem falo mal, não peço proteção a ninguém porque cuido de mim. A lésbica que vive na intensidade não precisa mais disso, esquece suas mágoas, porque vive intensamente e é causa ativa de sua própria potência.

     As lésbicas que podem desestabilizar o pensamento religioso, a doutrina, o cultismo das teorias e das dinâmicas de movimentos políticos capturados, onde firma-se uma identidade estática, a lésbica propositora, ela desestabiliza. Isso gera as depreciações de que as lésbicas são agressivas e hostis, porque dificilmente no movimento uma mulher que acusa a outra se faz cargo do que produz em si o encontro com uma provocação reflexiva ou com a imagem intrigante desta Outra. E limita-se ao simbólico feminista que reforça a auto-imagem vitimista instaurada pelo patriarcado por meio da feminilidade: nomeio como agressão, como agressora, como agressiva e violenta. Esta rebeldia da pensadora é na verdade sentida como agressão a uma Verdade e logo, como a si mesma no caso da feminista que sente a desestabilização da sua verdade e fé como algo agressivo. Essa é a dinâmica que se vê, acusatória, onde coloco isso como característica da outra, e não como algo produzido em mim, questionamento do qual me defendo. Dinâmicas que se repetem entre feministas, onde não me faço cargo da minha própria fragilidade autoproduzida e auto-condescendência.

     Quero pensar sobre apedrejamento para pensar sobre o punitivismo também, dentro do feminismo, contra lésbicas. As práticas de rumor, de exposições, de linchamentos políticos e destruições psíquicas de lésbicas. A repetição de outros arquétipos patriarcais e calúnias lesbofobicas tais como lésbicas predadoras, agressoras, monstruosidades, pederastas, corruptoras de mulheres ou de meninas, possessivas, dominadoras, machonas, autoritárias, que exercem poder, especialmente dirigidas às divergentes da feminilidade. Narrativas negativas/depreciativas sobre a lesbianidade sedimentadas na Cultura. Narrativas estas, interiorizadas por nós, lentes heterossexuais com as quais nos vemos. Lentes que atuam cegando, cegando por exemplo um olhar para as subjetividades e relações lésbicas, a tomar por exemplo, o tratamento cristão que vemos, dado ao tema de lésbicas que estiveram em relações difíceis. Realidades lésbicas tomadas de forma individualista e num tratamento moralista, ignorando as forças que produzem os relacionamentos lésbicos instáveis ou problemáticos numa sociedade heterossexista.

     São tratamentos desumanos, de exclusão, julgamento, sentenciamento e punição severa, piores dos que as formalizadas pelo Estado Penal de Direito, que ao menos se dispôe de recursos formais de autodefesa, direitos, formas de evitar o mau-uso do instrumento. Tratamentos desumanizadores, de estigmatização, que geram dor psíquica inestimável e invisível. Excluem quem já se encontra numa situação de exclusão radical: a lésbica. Excluem aquela que já se encontra desterrada num mundo de homens, num mundo heterossexual, quem já é precarizada em vínculos sociais e quem já sofre séculos de estigmatização, quem já é estigmatizada e demonizada na Cultura, sendo sem muita dificuldade que se retomam os estigmas na hora em que convêm depreciar uma lésbica e negativizar sua existência, manchar. [7]

     Talvez isso se deva ao fato de que lésbicas são vistas como menos que humanas. Se para a categoria mulher aceder ao humano, privilégio da masculinidade, já é difícil, a Lésbica não é vista como mulher [8], escapa a essa categoria e se torna o abjeto. A Lésbica é uma aberração. Lésbicas não são humanas, são corpos abjetos [9], a serem eliminados fisicamente e narrativamente, contidos no ameaçador que representam, no irrepresentável que apresentam. Por isso as lésbicas somos tomadas como bestas predadoras, opressoras, agressoras/lesadoras da zona de conforto de mulheres heterossexuais ou dos códigos da feminilidade.  Somos indecentes para a sociedade e por isso, não existe tratamento humanitário para lésbicas. É essa a herança histórica recente de séculos de aprisionamentos, tratamentos com eletrochoques, manicômios, assassinatos, genocídios, os corpos abjetos terríveis sendo queimados nas fogueiras e apedrejados até sua desaparição. Caluniadas como molestadoras, pederastas, corruptoras e depravações sexuais. Seguimos sendo tratadas como criminosas por séculos e séculos, agora até mesmo pelo feminismo.

     Como não percebem que nessas ações de violência ainda inomeável como tal, como atrocidade que é, sendo atuadas por forças patriarcais que residem arcaicamente em nós, mulheres? Que atuamos a misoginia antiga do patriarcado, que atuamos como colaboradoras dessa ordem heterossexual? Que traímos as lésbicas, que somos movidas por colonização heterossexual mesmo as lésbicas, quando aplicamos as leituras heterossexistas sobre a existência lésbica e suas relações, suas vivências e dificuldades, sua precarização emocional e psicológica num estado de lesbofobia e lesbicídios, de sabotagem das vidas lésbicas? Atuamos, como diz Mary Daly, como fembots[10], que traduzo como robo-fems ou robô-minas, do Patriarcado, como “policiaizinhas” do Patriarcado, desde o que fomos programadas a fazer: reforçar sua ordem. Ajudar a perseguir as bruxas, as pecadoras, as convertidas em monstruosidades, as que devem ser mortas e afastadas, excluídas, as que devem ser extintas, as ameaçadoras, as adúlteras e infiéis às éticas patriarcais, as lésbicas, as indecentes, as que existem como seres sexuais, as malcriadas, as desobedientes da feminilidade como as sapatonas butch, é algo que fazemos frequentemente, participando do maquinário masculino.

     Participar em abusos ritualísticos grupais, contribuir em exposições e destruição de reputação de mulheres e lésbicas, demonizar mulheres/lésbicas com quem se teve um conflito e caluniá-las, acusar mulheres e lésbicas por falhantes morais, culpabilizando-as por erros irreparáveis em cruzes que devem carregar por toda sua vida, cristianamente, induzir pessoas à rituais psíquicos de auto-flagelação e loucura destruindo sua auto-estima… São equívocos éticos incongruentes com o compromisso [lésbico]feminista que firmamos. Passagens ao ato de violações do outro, geralmente possibilitados pelo clima grupal que socializa e autoriza a perversidade, que desculpa e redime e paradoxalmente, coloca aquela que é agredida violentamente e mutilada psicologicamente como agressora e violentadora, impregnando nela conceitos de Ser que demonizam a pessoa dela pelo que ela é, como se nascesse aquilo e fosse ser sempre aquilo. É a situação cármica que encontramos e reencontramos, em situação de repetição e retorno do mesmo: novamente, a caça as bruxas, a cada reencarnação. A cada reencarnação, as pedras que nos matam.

     Apedrejamentos no movimento social, onde mulheres ou lésbicas escolhidas como bodes-expiatórios da vez são escolhidas para despejar-se o Mal que habita em mim, para que eu me purifique e atenda ao arquétipo de santa e virgem patriarcal da feminilidade. A demanda da mulher descorporizada, que não tem afetos de agressividade ou irritabilidade, por serem pecados, pois mulheres não devem ser violentas, diz-se. Porém mulheres podem ser violentas de forma perversa, não de forma aberta e objetiva nem física, por meios indiretos permitidos à feminilidade e não tão menos terríveis, que são os bullyings e as fofocas, as intrigas, picuinhas que resultam num estado de abuso e violação psíquica não reconhecido em sua importância. A mulher feminina e dócil que jamais será acusada de ser alguém agressora às outras ou à zona de conforto de alguma, pois não vai romper com a expectativa de que mulheres devem se portar sempre bem e que se forem atuar uma violência, que a pratiquem de modo venenoso e invisível, pelas costas, intoxicando vínculos e fomentando imaginários em torno a sua ‘inimiga’. As lésbicas alvos desses rituais de maltrato são apedrejadas até sua morte política, social, psíquica, existencial, artística, intelectual, rebelde. São amansadas e finalmente, sua potência assustadora entrou em estado vegetativo.

     Visibilizar o apedrejamento simbólico é uma crítica à todas exposições, todos escrachos, todas pseudo-denúncias (public shaming) policialescas e aquelas em forma de fofoca com a ausência da outra para que esta não possa se defender. Todos falsos relatórios, tegiversações, o ‘disseram que’, exageros e leituras parciais de um conflito atravessadas por subjetivismos distorcionantes do relato. Porque não vejo como qualquer uma dessas atitudes possam chegar a ser humanas. É impossível ser algo humano o escracho descaracterizado e oportunista contra lésbicas. Jamais vai ser uma forma humana de abordar problemas entre nós, uma forma construtiva de abordar o tema que se propôe supostamente a denunciar e que lhe confere tanto ar de legitimidade chantagista. O apedrejamento escrachativo promove apenas invisibilidade lésbica, por invisibilizar nossas narrativas e histórias e a história daquela pessoa que se maligniza. Na tradição punitivista herdada por séculos de violências de Estado, Tiranias e Patriarcado, a pessoa é sempre o que é tornado maligno, não é a crítica à sua ação. Na lógica punitivista, nunca vai importar entender a história daquele sujeito transformado em “o bandido”, “o traficante”, “a lésbica agressora”. Nunca vai haver interesse em questionar-se o que produz os sujeitos, que condições vivenciadas, quais violências, exclusões vivenciadas e qual seu impacto psíquico para que tenha se tornado alguém tão ‘ruim’. Logo, entendo que o punitivismo aplicado às lésbicas é incoerente com a própria premissa radical que se volta a entender a materialidade que nos constrói e às mulheres, lésbicas.

     Quando falo em punitivismo, não apoio a apropriação dessa discussão pelos homens e seus casos de violência, porque são atrocidades sistemáticas e convictas, que já foram demonstradas para nós em exemplos e vivências que voltam a se repetir por mulheres. Eles não tem interesse em se desconstruírem que lésbicas e feministas sim, se interessam, desde que integram um movimento social e vem realizando um processo de autoconstrução e reconstrução de si, desfazendo-se de comportamentos de subordinação, feminilidade, maquiagens, depilação ou heterossexualidade. Os homens tem poder estrutural demais e é muito perverso seu terrorismo, e ele se extende até mesmo nos movimentos sociais e na esquerda. Não precisamos mais provas de que não é possível o diálogo com eles e que eles representam um risco à nossa sobrevivência.

     Abordar o punitivismo de maneira crítica [11] serve para refletir as relações entre mulheres no movimento. Serve para possibilitarmos pensar porque nos tornamos aquilo que se diz e se acusa de forma condenatória. Seja uma mulher acusada de raivosa ou agressiva ou uma mulher que reage mal à perda da outra, ou a que não entende limites (questão que na verdade, pouco se avançou nas relações num geral, é apenas uma consequência de uma ética que tomamos generalizadamente, quando até a noção de sororidade em si exige que se ignore os limites próprios de uma). O que a subjetiva, o que a construiu daquela forma, que informações recebeu ou não recebeu. O que nos construiu para não atendermos às expectativas morais perfeccionistas do movimento, do porque tivemos tal dificuldade relacional num momento de nossas vidas, ou porque se repetem essas ações-sintomas negativos quando nunca foram tratados e retirados do inconsciente e dado um destino diferente a isso. Quais as forças heterossexistas em jogo, como entendermos melhor as lésbicas e seus desafios, como acolher as ambiguidades e complexidades que compôem a subjetividade lésbica ainda desconhecida para a teoria feminista ou para a história, depois de séculos de silêncio sobre essas existências. Chega a ser uma perda científica, de oportunidade de pesquisa lésbica. Uma perda teórica. De criarmos teoria, pensamento, reflexão, para entendermos e recriarnos, dentro das éticas que idealizamos. Como melhorar nossas comunidades entendendo o que passa com nós, olhando para as nossas questões. Deixar de acolher e de buscar entender nossas contradições é seguir no vazio histórico (Margarita Pisano), seguir na nossa falta de história própria de mulheres, nossa falta de memória coletiva, de produções, de criação de cultura, vazio que faz com que, na falta de referentes novos ou diferentes, repitamos os modelos patriarcais que existem eternamente.

     O apedrejamento apenas evita o problema por aniquilar a pessoa que se considera que carrega o Mal, e achar que assim livrou aquela sociedade da malignidade por eliminar alguém produto daquela sociedade. Sem necessidade de mudar a cultura e sem ter que mudar nada, no velho e conhecido punitivismo que vem de séculos de patriarcado e penas de mortes, torturas, mutilações ‘justas’, e formas de punição de transgressoras/os ou rebeldes, muitas vezes em sua maioria, falsamente acusados/as. Aqueles que saíram da linha por algo. Uma forma de controle social: as punições, a penalização, a forma que fazemos o outro pagar com dor, loucura, manicômios, ostracismo, isolamento, sofrimento psíquico e físico. Quando julgamos, atacamos, condenamos, criticamos o outro, é o fascista em nós, o policial que nos habita, o desejo colado ao poder, que atua. [12]

     A acusação é perversa, por seu ar de legitimidade. A acusação (rumor) é tão tomada sem crítica e como verdade absoluta como eram as acusações que se faziam de que as bruxas deitavam com o demônio. De maneira semelhante, a acusada no movimento, acusada de qualquer coisa que seja mentirosa, distorcida, exagerada ou imaginativa-paranóica, ela é levada à insanidade, ela é torturada coletivamente até delirar sobre a malignidade atribuída a si e isso afetar seu autoconceito, vendo-se com os termos dos outros que a depreciaram. Ela assim como as bruxas do passado, depois de tanto cansaço, admite ter dormido com o demônio. Apenas para de, qualquer modo, ser queimada e morta. Jamais a confissão a livraria. Jamais a confissão ou o contrário, a preservação da sua vida pessoal do juízo das hordas perversas e a escolha pela recusa em dar satisfações, a livram ou vão a dar uma chance de não ser aniquilada ou de ser integrada novamente ao coletivo, àquela que é escrachada. É a loba expulsa da alcateia, a loba solitária, que uiva de dor ao se ver em um desterro radical: a margem da margem da margem da margem. A exclusão da exclusão. Excluída como lésbica, excluída da heterorrealidade, excluída de uma comunidade lésbica de sobrevivência cultural, e muitas vezes, excluída por outras posições estruturais de vulnerabilidade que se somam, resultando em uma solidão implacável e potencialmente enlouquecedora, suicidante.

     A situação de ser penalizada me lembra um filme chamado Precisamos Falar sobre Kevin. É uma história fictícia sobre uma mãe de um filho que é como esses adolescentes norte-americanos tidos como psicopatas, que saem matando seus colegas na escola. A mãe dele era uma escritora de sucesso e tinha uma família e um casamento. No momento presente encontra-se com ela na sua situação após o aprisionamento do filho e os incidentes de massacre estudantil: totalmente precarizada, esmolando um subemprego de loja em loja numa cidadezinha pequena onde todos a boicotam por ser a mãe do menino que matou várias crianças. Sua vida acabou, mal consegue alugar uma casa. Sua casa e carro são constantemente assaltados por legumes e tintas sendo atirados contra eles, e pixos a escrachando por ser a mãe de um assassino em série. Ao longo do filme, mergulhamos na mente da mãe: desde sua gravidez indesejada quando ainda solteira, com o ex-marido transando sem camisinha avisando em última hora, à mudança total de sua vida e a perda de liberdade com a gravidez. A depressão pós-parto e a dificuldade de adaptação à maternidade, a criança dessubjetivada e desinvestida que cresce, a criança quase autista anti-social, a dificuldade de ser mãe dessa condição. As contra-transferências – raivas, irritabilidades, agressividades – produzidas na mãe pela sobrecarga materna, a culpabilização da mãe constante, a desolação da mãe que acompanha as tendências anti-sociais do filho que cresce, a tentativa de ser mãe exímia e tentar afetar aquela criança apática e sem capacidade de empatia. Mostra como a maternidade e as cobranças e culpabilizações vão minando sua autoconfiança e tornando-a resignada. Ela vai percebendo as questões do seu filho, mas o contexto a desola, não a crê, não encontra interlocutor, o problema é ela, má mãe, que precisa amar mais ao filho. Ela vai percebendo as tendências do filho mas ninguém a crê, ela não sabe lidar com ele, a ambivalência materna: mães também podem chegar a odiar seus filhos. Um dia, recebe a notícia de que houve um massacre no colégio, e mataram-se centenas de crianças e adolescentes. Preocupada por seu filho, vai ao local apenas para descobrir que o assassino é seu filho.

     O filme fala sobre o punitivismo, o escracho, a injustiça. É nos dada a oportunidade de compartilhar a mente da personagem, culpabilizada e que sofre linchamentos na sua cidade, inclusive físicos. [13] Nos é dada a oportunidade de estar mais perto da pessoa que é escrachada injustamente, de acompanhar os filmes que rodam na sua cabeça retomando o passado, ininteligível e incompreensível para os demais, incapazes de lançar um olhar empático para a sua pessoa. Incapazes de buscar entender sua história. Apenas ela é testemunha e tem que viver aquela condição dolorosa com a coragem que lhe resta, e pagar um preço desproporcional pelos supostos erros cometidos, no caso o ‘erro’ e culpa de ter tido um filho num momento da sua vida.

     Precisamos parar com os apedrejamentos, parar de apedrejar o psicológico das lésbicas, jamais isso será uma forma de reflexão sobre o problema apresentado, jamais será uma proposição de futuro para nós. Precisamos parar com as práticas patriarcais, como uma necessidade urgente de nos des-heterossexualizar e des-misoginizar. Para que possamos sair da engrenagem do Patriarcado, parar de ajudar essa engrenagem e esses ciclos de destruição e iconoclastia de mulheres/lésbicas e sua cultura toda vez que esta ensaia nascer.

     Precisamos parar de trabalhar como algozes para os patriarcas, e por fim, precisamos parar de destruir a nós mesmas. Destruir existências lésbicas e sabotar potências criadoras, devires e subjetividades lésbicas, por meio dos assassinatos políticos e sociais dos escrachamentos ignorantes. Precisamos parar de perder lésbicas e suas contribuições tão importantes, intelectuais, artísticas, políticas, criativas, nessa política de aniquilação e nesse feminicídio simbólico ritual entre nós. Ao dizer que precisamos parar esse ciclo, eu vejo como equivalente a parar de ser a mão que faz a infibulação da menina, da própria filha, para entregá-la a um homem, parar de ser a mulher que joga pedra na adúltera. Parar os ciclos de traições entre mulheres históricos, essa doença hereditária que precisamos nesta geração, dar um fim. E que só daremos um fim quando passarmos a ser agentes, e não apenas vítimas, dentro dos nossos feminismos. Quando paremos de ser cúmplices nessas violências, de participar nelas e se deixar ser coagida a elas, perdendo o senso crítico na licença grupal para a desumanidade. Cortar esse ciclo de colaboração com a cultura patriarcal que instaura esse estado de atrocidade e essa guerra contra mulheres, contra lésbicas. A colaboração simbólica heterossexual por parte das lésbicas ocorre quando nos tornamos ignorantes de nossas histórias, e de umas éticas lésbicas, que priorizam lésbicas e as colocam em primeiro lugar, que entendem como imperativo ético e compromisso político firme feminista e lésbico o tratar-nos às lésbicas de outra forma, não contribuir endossando a visão heterocentrada que nos apaga para fora da existência, que nos anula, e invisibiliza. Uma vida lésbica é uma vida que não se repete. Nenhuma a menos, pelo fim dos assassinatos físicos de lésbicas, mas também pelo fim dos assassinatos simbólicos e políticos de lésbicas nessa heterossexualidade compulsória disfarçada de justiça linchativa.

__________________

Notas e Referências:

 

[1] Andrea Franulic & Insu Jeka. Daqui não sai: reflexões sobre o rumor. Santiago, Chile, 2014. Disponível em https://we.riseup.net/radfem/reflex%C3%B5es-sobre-a-fofoca

[2] O conceito de public shaming eu me apropriei após a brilhante e corajosa palestra de Jon Ronson, Como um Tweet pode arruinar sua vida, no Tedx (canal de palestras no youtube). A palestra aborda o impacto das exposições virtuais com intencionalidade justiceira, como uma modalidade de violência, a virtual. Me pareceu um conceito muito bom para começar a debater e visibilizar essas violências que vem ocorrendo no mundo online e dentro dos feminismos.

[3] Margarita Pisano. Fantasear un Futuro, introducción a un cambio civilizatorio. Editorial Revolucionarias. Chile, 2015.

[4] Sonia Johnson. Going farther out of our minds. Vídeo no youtube. Também “Tirando os nossos Olhos dos Homens”. Tradução em radfeminismo.noblogs.org

[5] “A política de reivindicações, por mais que sejam justas, por mais sentidas que sejam, é uma política subordinada e da subordinação, porque se apoia sobre o que resulta justo segundo a realidade projetada e sustentada por outros e porque adota, logicamente, suas formas políticas” (Librería de Mujeres de Milán. No Creas tener Derechos. Madrid. 1991).

[6]Amauri Ferreira. Introdução à Filosofia de Nietschze. Editora Yellow Cat Books, 2010

[7] Margarita Pisano abordou a questão dos preconceitos em Segredos, Chantagens e Rumores: Os preconceitos. Mas também quem desenvolveu muito o tema do rumor e das calúnias, e há uma parte sobre preconceitos, embora tenha minhas críticas, é Leandro Karnal em Detração: Breve ensaio sobre o Maldizer. Editora Unisinos, Vale do Rio do Sinos, 2016.

[8] Wittig fala que lésbicas escapam à mulheridade, ao não submeterem à exploração heterossexual que caracteriza a classe das mulheres. Esse escapar deposita a lésbica na ininteligibilidade social e no medo que despertam. No entanto tal lugar é potente justamente por isso. (Monique Wittig. O Pensamento Heterossexual e outros ensaios. Editorial Egales. Barcelona. 1992).

[9] Conheci o conceito de corpos abjetos e abjeção com Judith Butler, mas na verdade ela retirou esse conceito de Julia Kristeva, psicanalista francesa, no livro Poderes do Horror. A abjeção, a outridade, o estranho, o ‘anormal’, desorganiza a identidade pessoal e gera profundas ansiedades paranóicas: “De acordo com Julia Kristeva, o abjeto é aquilo do que o eu deve se liberar para vir a ser um eu. Uma substancia fantasmática, alheia ao sujeito, mas íntima a ele, tão íntima que sua proximidade produz pânico. O abjeto aponta para a fragilidade de nossos limites corporais, para a precariedade da distinção espacial entre dentro e fora, assim como para a passagem temporal do interior do corpo materno a exterioridade da lei do pai. Espacial e temporalmente, a abjeção é uma condição na qual a subjetividade é problematizada e o sentido entra em colapso.(…)” “..como num teatro verdadeiro, sem disfarce e sem máscara, o dejeto como o cadáver me indicam aquilo que eu afasto permanentemente para viver. Porque a abjeção é, em soma, o outro lado dos códigos religiosos, morais, ideológicos sobre os quais repousam o sono dos indivíduos e a calma das sociedades” Em https://www.eba.ufmg.br/grupo/textopiti01.htm

[10] Mary Daly. Gin/Echology. The Metaethics of Radical Feminism. Beacon Press; Boston. 1978.

[11] Maria Lúcia Karam. A esquerda punitiva. In: Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade, ano 1, número 1, 1º semestre de 1996. Disponível em https://we.riseup.net/radfem/esquerda-punitiva

[12] “Portanto, é concebível que um grupo possa ser revolucionário do ponto de vista do interesse de classe e dos seus investimentos pré-conscientes, mas não sê-lo do ponto de vista dos seus investimentos libidinais, e manter-se até mesmo fascista e policial. (…) o ponto de vista do investimento libidinal, nota-se bem que há pouca diferença entre um reformista, um fascista, às vezes até certos revolucionários, que só se distinguem de maneira pré-consciente, mas cujos investimentos inconscientes são do mesmo tipo, mesmo quando não esposam o mesmo corpo.” (Deleuze e Guatari. O Anti-Édipo – Capitalismo e Esquizofrenia. Editora 34 Ltda. São Paulo, 2010)

[13] Um artigo genial sobre Linchamento foi escrito por Marcia Tiburi para a revista Cult. Pode ser lido em:  http://www.geledes.org.br/linchamento/. Também é interessante seu texto sobre o “Poderzinho”, que também se encontra no site da revista Cult, para agregar nessa reflexão, uma vez que essas ações no movimento social e na vida são motivadas pelo interesse de micro-poderes compensatórios por parte de oprimidos.

a corpa lésbika

1623656_1531010883790216_630412192_n

Há um corpo especifico lesbico…
Um corpo que foge à mutilação heterossexual.
Não se nasce mulher: se constrói
à base de depilações, cirurgias, medicalizações,
regimes/esfomeamentos, violências, exposições
coisificação, hormonização (contraceptivos), maquiagens,
negações.
O corpo lésbico é uma incógnita:
é homem ou mulher?
Quê é esse ser que não se parece com coisa sequer?
Pêlos cobrindo seu corpo,
outro cheiro cobrindo seu corpo
mais ácido, instintivo, selvagem, extasiante
Um corpo que se move e atua
de modos talvez mais brutos, não melindrosos como os de antes
de andar mais desimpedido e seguro
Um corpo-presença que declara sua existência ao mundo.
As cabeças raspadas, os cabelos curtos, as sombrancelhas selvagens,
e modificações rituais: desenhos sobre a pele, alargadores às vezes, perfurações
reminiscências de amazonas tribais
Rituais estéticos da diferença.

Esse corpo que é um enigma nos consultórios,
esse corpo ingestionável para a medicina,
esses pés que pisam o chão,
esses corpos múltiplos e amedrontadores,
a carne não comedida na magreza,
corpo que ocupa e toma espaço publico,
corpo forte e orgulhoso
desacatando o mundo dos Homens
esse corpo libertado e alegre
em fúria, eufórico,
rindo-se enquanto corre do Patriarcado
escapado da sua escravidão.
O corpo confuso e confundido na rua
sem nome certo.
O corpo que se burla dos códigos dos Invasores
Das leis de gênero/casta sexual
O corpo passional
Nele late uma economia erotica radicalmente subversiva
Uma outra geografia de prazer
Mapeam-se outras ondas de gozo
gozos de liberdade e mutualidade com a outra
O corpo que carrega escrituras da resistência e da fuga
A corpa-existência lésbica que habitamos
que encarnamos carmicamente
deliciosamente, desafiadoramente
Corpa-rebeldia lésbica
Que inaugura um outro mundo.

(por Jan. Desenhos também)
1508523_1526278507596787_2130563376_n

pensamentos sobre lesbofobia

Lesbofobia por parte de mulheres/feministas não passa de uma forma específica de misoginia do colonizado. Afinal a lesbofobia/ódio às lésbicas é uma forma de misoginia especial, serve à heterossexualidade compulsória e a mantêm, mantêm as mulheres na linha, ligadas à classe masculina. Tudo que indica separação dos machos é atribuído às lésbicas e tudo que é relacionado a possibilidade do separatismo e ao lesbianismo é visto como demasiado radical e extremo, demasiado ameaçador pro estatus quo, pra zona de conforto. O pensamento radical lésbico é então, demonizado e as lésbicas feministas queimadas na fogueira da misoginia, porque é ‘revolução demais’, é ir longe demais… isso não é permitido pro povo colonizado que são as mulheres. O pensamento lésbico representa então uma ameaça às bases do patriarcado, a heterossexualidade, logo a lesbofobia é uma forma de misoginia e de dominação sobre as mulheres para não permitir sair do cerco da heterossexualidade compulsória e as doutrinas perpetuadoras da sua ordem.

***

a palavra lésbica pro queer e pro anarquismo/lésbicas anarquistas ou queer é nojenta. todo o tempo tentando apagar essa palavra, com queer, com masculinidades femininas, com o que for no lugar, podem se chamar de tudo menos de lésbicas. Essa palavra é mal vinda em todo lugar, até mesmo dentro do ‘feminismo’. ideologias profundamente lesbofóbicas e anti-lésbicas. sempre se colocando também contra relações profundas entre duas mulheres e patologizando como se fossem ‘monogamia’, ‘dependência’ e ‘feminilidade’, ‘possessividade’. Definitivamente as pessoas precisam entender que a realidade lésbica necessita uma epistemologia, análises, próprias, não podem importar da análise das relações heterossexuais. O contexto das relações e até mesmo das violências que se dão entre lésbicas está permeada pelo contexto lesbofóbico, tudo temos que ler tendo em mente a lesbofobia, até os supostos ‘ciúmes’ (insegurança num mundo de relações instáveis, de abandono familiar, de ataques a suas relações, de ser deixadas por lesbofobia internalizada, etc), isso não é pra desresponsabilizar, mas pra poder acolher esses casos todos sem reproduzir mais violencia lesbofobica contra essas sujeitas. E definitivamente: escrachos e difamações de lésbicas por terem tido relações difíceis e conturbadas (etiquetadas por autoridades morais cristãs do ‘feminismo’ – que as vezes está mais pra um movimento pela feminilidade – como relações ‘violentas’) é pura expressão de lesbofobia e ódio à lésbicas. Sempre a lesbofobia escondida das pessoas encontra um meio de se manifestar e aí nessas situações vem a tona, as grandes vontades de jogarem pedras nas sapatões. Como se fosse fácil pra estas construir modelos saudáveis num contexto de tanto ódio e ódio internalizado.
Meu compromisso é com as lésbicas.

***

também: é lesbofobia idealizar as relações e realidade lésbica, e colocá-las de forma objetificada e fetichista como ocorre no lesbianismo político. é uma lesbianidade definida e colocada para o ‘het gaze’ para o olhar heterossexual, e não definida pelas mesmas, é uma lesbianidade fora de si mesma, definida por outras. é lesbofóbico idealizar e colocar tantas expectativas na lesbianidade e depois se voltar contra lésbicas porque não foram o paraíso idílico que estava posto pelo lesbianismo político ou por sua imaginação, como abrigos da supremacia masculina. sim que são abrigos no mais das vezes, mas essa existência e esses vínculos entre lésbicas e mulheres são fortemente atacados pelo patriarcado por representar uma ameaça direta a este, então logo é esperar demais de uma comunidade que sobrevive contra mil dificuldades, seria estranho se todas lésbicas estivessem bem, se não reproduzissem violências traumáticas deixadas pelo agressor, se não tivessem suas mentes conturbadas pelo contexto de violência em que vivem.

as lésbicas tem que ser obrigadas eternamente a performar e provar pro mundo suas relações, as relações lésbicas tem que ser perfeitas, tem que simbolizar tudo de ‘lindo e fofo’, ‘cor de rosa’ que se supoe que deveria ser as relações entre ‘mulheres’. Já que mulher né, é o sonho de feminilidade, bondade e doçura, assim deviam ser as lésbicas e suas relações. Aì quando as feministas encontram sapas feias, gordas, peludas e agressivas, bravas, elas detestam! E acusam a gente de ferir o feminsimo ou a imagem da lesbianidade!
Eu não tenho que provar nada para a heterorrealidade! Nos deixem com nossos problemas! Sâo séculos de massacre estamos tentando encontrar soluções e nos curar! E aceite: sem sua ajuda! Sem mais colonizador*s!

Entendo o heterossexismo em um ambiente somente-Lésbico

Quando você está num ambiente somente-Lésbico, é muito mais fácil de se entender as Lésbicas – porque, pela primeira vez, nós estamos visíveis umas para as outras e temos mais liberdade para sermos nós mesmas. É como se colocar adiante no foco, pra fora da obscuridade de estar no pano de fundo das vidas heteros. Nós não temos que estar constantemente lutando a violência masculina e o ódio à Lésbicas das mulheres heterossexuais, então nós podemos saber mais sobre quem nós somos. No Centro Lésbico e nos encontros somente-Lésbicos em Whannganui-a-Tara, estava claro que ali haviam outras hierarquias de poder sobre nós que incluíam, mas que eram diferentes de, racismo, etnicismo, e classismo. Um monte de Lésbicas na minha comunidade nunca foram heterossexuais na vida e algumas falavam sobre isso como algo muito importante para elas, e como uma opressão. Eu estive junta com outras três Lésbicas ex-hetero para discutir o que heterossexualidade passada significava e como isso dava à nós privilégio agora que nossas amigas Lésbicas nunca-lésbicas e amantes não tinham.


Maior parte das Lésbicas ex-heteros que eu conheci de outros lugares pareciam achar essa idéia impensável, mesmo que as Lésbicas nunca-heteros estejam em todos os lados. Mas numa comunidade onde muitas Lésbicas falam sobre o privilégio hetero de mulheres, era lógico que algumas de nós aplicaria essa idéia à Lésbicas de forma a explicar nossas diferenças. Talvez Lésbicas reacionárias estrangeiras achem difícil imaginar que Lésbicas de um país que elas rebaixavam como ‘retrasados e ignorantes’ poderiam ter políticas mais Lésbicas-identificadas e radical que as suas. Depois de tudo isso, se Aotearoa significaria dizer estar tão ‘atrás’ comparado à países ‘sofisticados, altamente civilizados’ como Inglaterra e os E.U.A., você esperaria que nós tivessemos políticas podres também. Mas o oposto está mais próximo da verdade – pessoas de nações menos poderosas muitas vezes possuíam políticas mais radicais. A rabugentice sapatão e a auto-confiança são encorajadas por viver em lugares em que as coisas não são dadas todas na mão, onde temos que fazer as coisas por nós mesmas enquanto vamos adiante porque não temos auto-intitulados líderes chefiando-nos – ou qualquer uma de nós faz o trabalho porque há tão poucas de nós.
Em uma comunidade Lésbica pequena, Sapas devem confiar umas nas outras mais ainda. Lésbicas privilegiadas costumam ter menos tendência a formar panelinhas (embora isso sim aconteça). Sapas de diferentes contextos e que saíram do armário de diferentes formas tendem a misturar-se juntas mais. Isso significa que eu tive sorte de estar rodeada de muitas sempre-Lésbicas, Sapas Velhas, Butchs e nunca-heteros. Eu não 
digo que essas Lésbicas não fossem oprimidas – elas eram, mas Lésbicas ex-heteros que saíram do armário no Movimento de Libertação de Mulheres, como eu e minhas amigas, socializadas com, sido amigas de e amantes de, e trabalharam juntas dessas Sapas. A mais amante das Lésbicas de nós aprendeu sobre suas experiências Lésbicas e lutou sua opressão. Em comunidades maiores – em grandes cidades de países largamente privilegiados – esta mistura é mais difícil de ocorrer. É uma verdadeira vergonha, porque as Lésbicas ex-heteros do Movimento de Libertação das Mulheres tendem a ficar juntas, reforçando à lesbofobia umas das outras. As coisas não são perfeitas em Whanganui-a-Tara, mas eu estive chocada com as histórias que eu escutei de Lésbicas retornando a suas casas depois de estarem em Londres e outros lugares, sobre a intensa suspeita de Lésbicas feministas das Sapas não-femininas. As linhas não foram desenhadas tão rigidamente na minha comunidade de origem.

Como uma Lésbica ex-hetero que saiu do armário no Movimento de Libertação das Mulheres em 1975, meu foco, como o de muitas outras, costumava ser o de ‘ajudar outras mulheres a se assumirem lésbicas’ (inocentemente esperando que mulheres heteros o quisessem também!), e ‘lutar a opressão das mulheres’. Pelos finais de 1976, eu descobri que eu estava considerando mulheres heteros mais importantes que as Lésbicas e que meu foco deveria ser nas Lésbicas, que estavam já fora do armário e assumidas. Eu tive um crescimento e amadurecimento – o do auto-sacrifício feminino. Tudo que eu fiz desde então foi de uma Lésbica assumida para OUTRAS lésbicas. Qualquer trabalho de doação de mim mesma que eu fiz foi para outras lésbicas. Mudando o foco das mulheres heteros para as Lésbicas me levou inevitavelmente a aprender mais sobre o Heterossexismo.

Ruston in Dykes-Loving-Dykes: Dyke Separatist Politics for Lesbians Only, Battleaxe. 1990.

não é nosso papel educar ninguém sobre nossa opressão

“As mulheres de hoje ainda estão sendo chamadas a atravessar a fenda da ignorância masculina e educar os homens sobre nossas existências e nossas necessidades. Essa é uma ferramenta velha e arcaica usada por todos os opressores para manter as oprimidas ocupadas com as preocupações do senhor. Agora temos ouvido que é tarefa das mulheres de Cor educar mulheres brancas – frente à tremenda resistência – sobre nossa existência, nossas diferenças, e nossos respectivos papéis em nossa sobrevivência conjunta. Isso é um desvio de energias e uma trágica repetição do pensamento racista patriarcal (…) como Adrienne Rich afirmou em uma palestra recentemente, as feministas brancas empenharam-se enormemente em educar-se sobre elas mesmas nos últimos dez anos, então como não se educaram também sobre mulheres Negras e as diferenças entre nós – brancas e Negras – quando isso é a chave para nossa sobrevivência enquanto movimento?.”

– Audre Lorde, as ferramentas do mestre nunca vão desmantelar a casa grande

Estarmos juntas as mulheres não era suficiente, eramos diferentes.
Estarmos juntas as mulheres lésbicas não era suficiente,
eramos diferentes.
Estarmos juntas as mulheres negras não era suficiente,
eramos diferentes.
Estarmos juntas as mulheres lésbicas negras não era suficiente,
eramos diferentes.
Cada uma de nós tinha suas próprias necessidades
e seus objetivos e alianças muito diversas.
A sobrevivência nos advertia a algumas de nós
que não nos podíamos permitir definir-nos a nós mesmas facilmente, nem tampouco fechar-nos em uma definição estreita…
Fez falta um certo tempo para dar-nos conta de que nosso lugar era
precisamente a casa da diferença, mais que a segurança de uma diferença em particular.

– Audre Lorde

Feminismo e Lesbianismo Radical, FLR (Front Lesbien Radical), 1981

Feminismo e Lesbianismo Radical, da autoria de  Claudie, Graziella, Irene, Martine, Françoise, foi escrito em 1981, um manifesto com uma série de teses lésbicas contra o movimento feminista francês, onde lésbicas declaram independência do mesmo.

baixar feminismo e lesbianismo radical

ler abaixo:

————————————————————————————

Feminismo e Lesbianismo Radical
Claudie, Graziella, Irene, Martine, Françoise
1981

Este artigo surge do trabalho e discussões de cinco lésbicas no Fronte 1. Este não é um manifesto definitivo. É simplesmente a formulação de questões, linhas de reflexão, e os começos de uma análise. Isso irá, com certeza, ser desenvolvido durante e depois da conferência. 2

Nós mantivemos o mesmo método de presentação como usamos em nosso trabalho, que é um panorama escrito mostrando a genesis das nossas discussões, e uma crítica ponto a ponto desse panorama.

A. Nossa Crítica ao Feminismo

1. Práticas repressivas e de guilty-tripping (indutoras de culpa) com lésbicas. Enlucrando de sua energia e seu trabalho enquanto forçando-as a negar sua lesbianidade. Acusando lésbicas que querem ser visíveis de ‘serem divisivas’. Discriminação, desprezo ou indiferença em
torno de mulheres gays ‘apolíticas’.

Crítica
Repressão do lesbianismo não deveria ser colocada em primeiro lugar de uma crítica ao Feminismo. Apenas em alguns grupos isso tomou a forma inteiramente inclusiva (negação da existência mesma das lésbicas, prestar atenção apenas a puros problemas heterossexuais). Isso apenas foi politicamente promovido contra lésbicas políticas (não contra lésbicas feministas), ou seja, apenas para aquelas que procuravam estabelecer um movimento político abrangente baseado em Lesbianismo. Em grupos feministas radicais, por exemplo, lésbicas feministas ativas no MLF (Movimento de Libertação de Mulheres francês), trabalharam em questões de políticas de ‘identidade’, foram totalmente aceitos.

“Divisionista” – uma acusação elevada particularmente a lésbicas políticas tão cedo quanto elas tiveram expressado o mais remoto desejo por um movimento lésbico autônomo, ou fizeram qualquer análise criticando o heterossistema a qualquer extensão. A reclamação de que
‘lésbicas causam divisões entre mulheres’ nos parece vir, essencialmente, via teoria de estágios espontâneos. Essa é a teoria de que cada mulher deve subir um certo número de degraus na escada antes que ela atinja a plataforma de Feminismo e Homossexualidade. Sugere-se com isso que mulheres possuem apenas um conhecimento parcial da opressão, que elas devem digerir antes de passar para o próximo degrau. Nosso dever é, claro, alimentar elas de cada migalha de conhecimento, colocando toda nossa energia nessa tarefa, mas apenas dar a elas um bocado a cada tempo.

Mas essa técnica: a) sempre é acompanhada pelo terrível medo do ‘isolamento’ a medida que a mulher vai se tornando consciente da opressão poderia ficar amedrontada e sair correndo. No final do dia, ‘conscientização’, conhecimento, permanece objeto de terror, algo negativo que pode apenas impedir a luta. b) sempre requer construir um movimento monolítico de massa para a maioria das mulheres, apenas por reunir juntas como mulheres, sem objetivos políticos claros. A característica final desta técnica é convocar todas aquelas que não estão a favor de um imensa misturança heterossexual, isso conscientemente gerado em degraus lentos, terroristas. Dizer que você pensa do heterossistema, isto é da opressão, se torna em si um ato de terrorismo.3

2. Não colocar em questão a heterossexualidade como as políticas dos homens como uma classe. No máximo, heterossexualidade é desafiada como ‘norma’, em nome da liberdade sexual, que equivale quase a colocar Lesbianismo e Heterossexualidade no mesmo nível, reduzindo o problema a uma questão de sexualidade. Heterossexualidade é até mesmo justificada como o ‘campo de batalha’ da luta contra homens (e lésbicas não são nada senão desertoras covardes…) veja QF (Questions Feministes – Questões Feministas 4) No. 7, E. de Lesseps “Heterosexualite et Feminisme” La Revue d’en Face the Review Opposite No. 9-10 colaboração especial.

Crítica

Desenvolver a ideia de que heterossexualidade = as políticas dos homens como classe. O heterossistema em geral, e a heterossexualidade em particular, faz possível as condições materiais necessárias para eles, e a ideologia que eles incorporam; esses sistemas mantém a exploração e opressão de mulheres como uma classe por homens como uma classe. O heterossistema é o verdadeiro cerne da sociedade; não desafiar, não se empenhar em destruí-lo, faz qualquer tão chamada luta pela Libertação das Mulheres hipo-crítica e sem sentido.

Nos parece de fundamental importância repetir que heterosocialidade e heterossexualidade são a essência (a vera substância) do poder falocrático, do heteropatriarcado. De fato, não é possível, mesmo como estratégia, postular a existência do patriarcado fora da sua própria infra-estrutura, e subsequentemente uma heterosocialidade e heterossexualidade como uma invenção apolítica. Isto sempre foi o raciocínio feminista: cortar o conceito de patriarcado fora de sua essência, o que as permite, na análise final, ‘lutar’ algo imanente, desencorpado, efêmero, um tipo de deus (a campanha simbolista da psykepo é uma expressão direta desse tipo de Teoria Feminista). Este idealismo é evidente em cada análise Feminista; poder nunca tem nenhuma base, qualquer raíz, então não há estratégia para lutar isso. Tudo se torna uma série de abstrações, sem conexão, a classe dos homens meramente uma coleção de indivíduos.

3. Recusa em conceber uma separação estratégica dos homens: campanhas feministas terminam,de fato, em um endossamento, uma recuperação das relações macho/fêmea (olhe para o problema de campanhas em torno ao aborto, contracepção, emprego, mulheres agredidas, estupro…).

Crítica
A recusa em promover desenvolvimentos políticos entre todas ativistas feministas é vista como essencialmente na afirmação (repetida sobretudo por Delphy, cf Nouvelles Questions Feministes Novas Questões Feministas No. 1) da ‘diversidade do movimento’, tantos Movimentos de Libertação de Femmes quanto há grupos, etc…. em efeito implicando a idéia (naturalista) de que qualquer e todo grupo de mulheres está lutando opressão (qualquer coisa que fizermos como mulheres é Feminista, subversivo, etc…) Uma dessas pérolas anarco-sindicais de sabedoria sendo o Marais 1000 4, uma tendência que provou ser a quintessência desse culto da espontaneidade. Cada mulher é uma tendência feminista em si mesma, nenhuma teoria é possível. O movimento é todo-importante, o objetivo conta para nada. Por isso o perpétuo rodopiar do pião, um questionamento sistemático de cada proposição, cada análise. Se torna uma deliberada inabilidade de retirar qualquer lição do passado. Mas isso não nos engana. Isso indica a presença de uma liderança escondida por trás das cenas, uma liderança que é mais perigosa por não ser estruturalmente reconhecida. Uma das consequências dessa deliberada vaguidão foi de que todos grupos lésbicos com posições similares foram acusados de sectarismo e stalinismo…

A ideia de que naturalismo é anti-lésbico precisa ser desenvolvida. Lesbianismo anti-político: a recusa em ver lesbianismo radical como uma posição política, um ataque ao sistema falocrático. A asserção de que lesbianismo é meramente uma questão de preferência sexual pode apenas ser teoricamente justificada por um conceito naturalista de desejo (lésbicas desejam homens e não mulheres). Se ‘desejo’ não é político, isso pode ser apenas uma questão de natureza (instinto, ou para dar a isso uma forma mais moderna, psicanalítica: pulsão).

Mas, se desejo, incluindo desejo por homens, não é político, então heterossexualidade deve ser vista como natural. É bem interessante examinar essa posição. Nós já sabíamos que para Feministas heterosexualidade é, basicamente, natural (mesmo que elas tenham feito declarações superficiais do contrário) mas isso mostra que para elas, também, nós continuamos a ser vistas como ‘contra a natureza’.

É óbvio para nós, por outro lado, que lesbianismo é anti-naturalista, não apenas porque é político, mas também porque, conscientemente ou não, é antagonístico a feminização. Que algumas lésbicas ainda considerem a si mesmas contra a natureza é outro problema.

5. Ambiguidade do termo ‘feminismo’. O sentido predominante desse termo é “lutar por mulheres”, enquanto nós queremos destruir Homens e Mulheres como categorias sociais. O termo Lesbianismo Radical faz separação dos homens bem clara (ver Monique Wittig QF no.8).

Nota: algumas Lésbicas Radicais fizeram as seguintes objeções:

– por que não podemos reter o termo Feminismo e dar a isso nosso próprio sentido?
– Não seria o termo ‘heterofeminismo’ mais acurado para entender nossas críticas?

Críticas

O termo ‘Feminismo’
– falando de maneira geral, ser uma feminista significa lutar pelas mulheres
– há um passo curto disso para ‘Feminismo iguala mulheres’ então ser anti-feminista pode apenas significar ser anti-mulher (nós precisamos pensar a origem naturalística dessa posição).

1. Feminismo é a teoria dos homens e mulheres que clamam lutar pela liberação das mulheres sem atacar o heterossistema. Feminismo é uma teoria totalitária que clama estar sozinha nessa luta contra a opressão das mulheres.

2. Algumas Lésbicas Radicais permaneceram atadas, por razões históricas ou outras, ao termo ‘Feminismo’, assertando que de fato Feminismo é a luta pela liberação das mulheres, que a lógica dessa luta é lesbianismo político e que qualquer Feminista que não é também uma Lésbica Radical, não é uma Feminista real. Esse conceito é perigoso até o ponto em que:

– causa confusão geral que, dado o estado de nossos recursos, estaremos incapazes e desfazer rapidamente (algo mais que a subta confusão causada por psykepo 5 entre Feminismo e o MLF foi desfeita na maior parte das mentes das pessoas).
– mais ainda, declarando feministas, nossos adversários políticos, sendo não-feministas e então, a uma certa extensão, eliminando o problema colocado pela existência de um movimento relativamente poderoso, é subestimar os advesários em questão e privar a nós mesmas dos meios de lutá-los.

3. O termo Feminista se refere a mulheres, o que é escarçamente apropriado para nós desde que estamos lutando para destruir as classes sexuais e, particularmente, porque nossa luta começa da única posição política, social,capaz de validar isso, a separação de homens claramente expressa no vero termo que nos descreve: Lesbianismo Radical.

4. As análises precedentes fazem isso claro de que enquanto a idéia de ‘recuperação’ heterofeminista pode ter sido um estágio da nossa crítica e o começo de nossas análises, agora pode apenas parecer redundante.

É interessante refletir seja onde há ortodoxia feminista, assim como há ortodoxia marxista ou cristã. Em efeito, de acordo com aquelas lésbicas, nós estamos, logicamente, representando a dominação de uma tendência revisionista dentro do movimento feminista. Nós devemos também considerar onde essa tendência Feminista Radical, comparável com Lesbianismo Radical, existe em qualquer lugar outro que na mente.

B. Lésbicas fora do Feminismo

É importante analisar o potencial do Front Homosexuel d’Action Revolutionnaire 6 (Frente Revolucionário de Ação Homossexual ou FHAR) do seu começo: primeiro porque ele foi fundado por lésbicas, segundo porque ele apareceu ao mesmo tempo que o MLF. Nós precisamos explicar por que esse movimento homossexual não obstante, foi incapaz de desenvolver-se como um movimento político lésbico autônomo (independente da MLF e do Feminismo). Por quê algumas das lésbicas que providenciaram esse ímpeto rapidamente foram levadas a um duplo ativismo (lésbico e feminista) de modo a silenciar o que havia sido a essência de sua luta, i.e. Lesbianismo? A falha da FHAR em desenvolver-se num movimento lésbico forçou algumas lésbicas no MLF, reforçando-o e devotando toda sua energia numa luta que não era a sua (mesmo se, naquele momento, elas não tinham a mesma análise do Feminismo que nós temos agora). De qualquer forma, muitas lésbicas se juntaram ao MLF antes de se tornarem feministas, acreditando que encontrariam outras mulheres gays. Outras, que nunca tiveram posto um pé nele, não se sentindo envolvidas na luta se juntaram ao Frente Lésbico Radical por meio duma ruta não-feminista (possivelmente via grupos gays, etc…).

2. Nós também precisamos analisar o papel que o Groups de Lesbiennes de Paris 7 (Grupo Lésbico de Paris, ver Masques No.1-8) pode ter jogado. O ímpeto desse grupo foi provido por lésbicas não-feministas (que rejeitaram feminismo como uma recuperação da heterossexualidade) embora um grande número de lésbicas feministas tiveram passado por ele.

C. Lésbicas dentro do Feminismo.

Por outro lado, houveram poucos grupos lésbicos (Gouines Rouges – Sapatões Vermelhas), Grupos Lésbicos Feministas, etc…).

1. Esses grupos não viam o lesbianismo como a base de suas políticas, mas aceitaram a divisão

– lesbianismo como experiência vivida, emoção, sexualidade, cultura
– feminismo como dimensão política

2. Eles eram então incapazes de ir além de discussões sobre ‘experiência pessoal’ (mais frequentemente que se imagina, de fato, havia uma série de relatos pessoais sem qualquer análise real) para formar uma prática política coletiva. Todos estes grupos terminaram se dissolvendo.

3. Por que haviam esses limítes e contratempos?

Possíveis explicações:

– O peso da norma feminista: lésbicas sendo vítimas da ideia de que a única teoria-políticas-ideologia no interesses das mulheres é o Feminismo.

– As lésbicas podem ter apoiado essa teoria por conta duma alto complexo de culpa internalizada onde Feminismo parecia ser uma segurança respeitável para Homossexualidade.

Crítica:

É importante reconhecer que alguns grupos lésbicos não baseavam a si mesmos puramente em ‘experiência pessoal’.

Exemplos: o grupo que formou-se depois da publicação de Masques No. 1 foi organizado especificamente em torno de uma crítica dessa publicação num jornal e a linha que este tomou, i.e., uma negação das classes sexuais e, portanto, uma negação da exploração e opressão de mulheres como uma classe por homens como uma classe. O grupo tomou uma posição inteiramente oposta até o ponto que queria por um lado apoiar ao Feminismo Radical e, por outro, criticar todas as análises lésbicas de mulheres que produziram o jornal.

Outro grupo procurou reforçar Feminismo Radical com o peso do Lesbianismo político. Este grupo se recusou a entender que elas ainda estavam argumentando nos termos do inimigo, perpetuando a ilusão de que eles estavam se apropriando e transformando Feminismo Radical.

Nós pensamos que é também importante lembrar:

– a inabilidade teórica (veja as análises feministas) de entender ou desenvolver políticas lésbicas específicas começando por nossa prática social e posição específica na sociedade.
– confundindo, e portanto mitificação das lutas do passado.
– os pseudo-benefícios que poderiam derivar de ativismo político junto a mulheres heterossexuais.

Num movimento onde lesbianismo parecia (para algumas mulheres) ser a lógica do Feminismo, fomos colocadas no papel de sedutoras, precisamente porque nós somos vistas como as mais ‘coerentes’ e ‘lógicas’ (é interessante notar, uma vez mais, que a ‘conversão’ heterossexual ao lesbianismo parece somente ocorrer na cama. Esse processo continua em (ambos) MLF, graças a maravilhosa teoria das etapas. Que senso de poder!)

D. Dez anos de história do MFL

Questões

1. Reavaliando o ‘feminismo radical’ (dos setenta).

Que estamos a fazer de seu papel no começo do MLF durante a onda de revolta, denúncias, rompimentos com as políticas tradicionais e a nova consciência dos numerosos aspectos da exploração e opressão das mulheres?

Que iremos fazer de seu papel com relação a lesbianismo? Não contribuiu ele para a negação do lesbianismo (mesmo que a maior parte das Feministes Revolucionnaries fossem lésbicas)?

O que é bem claro:

Os becos sem saída de sua teoria
Sua inabilidade de definir uma estratégia
Sua recusa em enfrentar heterossexualidade de frente(de uma outra olhada em C. Delphy ’L’Ennemi Principal’ O Inimigo Principal em Partisans Liberations des Femmes annee zero Apoiadores da Libertação das Mulheres, ano zero).

Crítica

Embora seja importante analisar a tendência Feminista Revolucionária dentro do MFL, nos parece igualmente importante não confundir o comportamento pessoal de invidualidades com uma análise objetiva. Nenhuma análise da tendência Femnista Revolucionária pode ser feita sem referência a FHAR.

2. Psykepo: arquétipo da tendência Feminista socialista que, a despeito de aparências, permaneceu como um grupo coerente por 10 anos, esboçando suas justificativas de uma teoria naturalista.

3. Muitos anos de hegemonia, de ‘feminismo luta de classes’ (no sentido tradicional) ou ‘feminismo socialista’ buscando apenas trazer as lutas de mulheres alinhada com organizações masculinas na esquerda extrema (i.e., um conceito proletariado-burguesia de políticas).

4. Um período de algum modo difuso distinguido por um número de iniciativas (ação violenta, ‘retome as noites’, feminismo como uma ‘força política compreensiva’, ‘coordenação horizontal’…)

Foram essas tentativas de romper ou… de jogar uma água fria no feminismo?

Isso não parece que poderia, de coração, ser a questão de qualquer um dois dois, mas, ao invés disso, do desejo de reforçar uma corrente (mais radical) que já existia no MLF (veja abaixo). Isto não poderia, em qualquer sentido, ser uma questão de romper desde que cada ação permanecia dentro do panorama do feminismo e foi baseado nisso. Nenhuma perspectiva lésbica emergiu durante essas ações, não se é pra falar de uma análise lésbica ou lesbianista. Teorias de violência não podem ser igualadas com teorias de Lesbianismo. Nem toda violência é lésbica, mesmo se Lesbianismo é ‘violento’.

5. A situação hoje

– aliança entre uma parte do Feminisme Revolutionnaire (tendo perdido muto do seu radicalismo dos 70) e uma parte do Feminismo Socialista (forçado a aceitar a sua própria autonomia, dada a quase total disaparição da Extrema Esquerda).
– séria crise… revelando o beco sem saída a que Feminismo havia chegado, mas negado por feministas que atribuem as dificuldades a causas externas: des-radicalização, psykepo, a mídia… (ver o editoral de NQF No.2)
– como irão sair dessa encruzilhada? diversas hipóteses: aumentando a institucionalização? desenvolvendo um feminismo socialista Marxista (ver ‘Marxisme et Feminisme’,discussão organizada por ‘elles voient rouge’ el*s vêem vermelho) 10
– o que vai passar se não conseguirem sair?

Crítica

Nós acreditamos ser incorreto colocar a questão ‘E o que ocorre se elas não saírem?’. Isso poderia, com efeito, negar a natureza de feminismo. Feminismo não pode alcançar um beco sem saída, ele é um beco sem saída para a liberação de mulheres. Se acreditarmos que Feminismo, ou Feminismos, são encarnações teóricas do poder falocrático (ou do sistema heteropatriarcal ou sexista, veja as discussões recentes sobre o movimento lésbico) nós não podemos logicamente acreditar que eles podem desenvolver numa luta de libertação e então decair em um cul de sac. Nós devemos, ao invés disso, analisar o que faz dele intrinsecamente um beco sem saída, uma teoria de como recuperar opressão. (Nós não devemos negar nem mesmo as mínimas vantagens que isso pode trazer para mulheres heterossexuais dentro da estrutura de opressão). A crise do MFL aponta mais claramente o que Feminismo é; mas, como um produto da ideologia dominante, (embora no presente principalmente organizada por mulheres) ele adapta à realidade material e toma diferentes formas. Se amanhã a principal tendência for Feminismo socialista (ou marxista), isso poderia simplesmente expôr sua habilidade em adaptar, ao invés de qualquer mudança qualitativa. O MLF, como qualquer outra coisa, poderia facilmente tomar uma aparência distinta.

Desde que Feminismo, a despeito do que ele tentou nos fazer crer (veja o editorial do QF No. 1), nunca foi uma teoria científica capaz de analisar a realidade objetiva como um todo, ou fazer respostas estratégias e lutar para transformar essa realidade, é tempo de falar claramente sobre a nossa luta contra esta. Não é porque sua prática procede logicamente desde suas primeiras premissas que nós rejeitamos, abandonamos e lutamos. Pelo contrário, é porque esta é uma das mais refinadas artimanhas na história. Que é essa teoria científica que ‘esquece’ suas bases heterossociais em sua análise da realidade? (tudo que estamos fazendo aqui é seguir o raciocínio acurado da própria C. Delphy em ‘Pour un Feminisme Materialiste’ Por um Feminismo Materialista que apareceu em L’Arc sobre Simone de Beauvoir e a luta das mulheres. Seu raciocínio funciona da seguinte forma: é inútil obcecar-se por premissas que são então reveladas como vazias em cada disciplina individual; nós sabemos que a premissa básica da sociologia, por exemplo, implica a negação da opressão de mulheres e consequentemente,

– são incapazes de tomar isso em conta, são incapazes de encontrar no final da jornada o que estiveram intencionalmente negando.
– podem apenas conciliar e então contribuir para perpetuá-la.

O que faremos nós a respeito desse discurso ‘anti-naturalista’ que inclui a teoria da complementaridade via heterossexualidade (homem + mulher = criança) em suas premissas básicas, justificando opressão e exploração? O que faremos a respeito dessa teoria que sob o pretexto de não cortar a si mesma de, ou ser entendida pelas mulheres DES FEMMES, oculta delas a jaula na qual vivem, mesmo que devam cobrir de ouro as grades com textos, demonstrações e demagogia. Que efeito podem ter as táticas de guerrilha heterossexuais de pílulas e abortos sobre exploração? A única estratégia possível dos (vários) Feminismos é reforma de acordo com o desejo dos homens. (escravidão Sexista tem um futuro rosy depois disso).

É também importante analisar a significância do MLF da

– criação do FLR Front Lesbien Radical – Radical Lesbian Front
– a saída de muitas lésbicas, particularmente as mais radicais, do MLF.
– as contradições criadas por discussões sobre lesbianismo.

Tendo falado muito sobre isso, foi impossível que muitas mulheres pudessem permanecer indiferentes (Cf La Revue d’en Face que se sentia obrigada a fazer uma apologia à heterossexualidade); “Elles voient rouge” que queria “tomar conta da dimensão lésbica”; a criação do MIEL 11, etc…]

E. Lesbianismo Radical

1. Sua aparência proximamente dois anos atrás não é mero acaso.

Causas:
– a crise do Feminismo removeu um dos seus obstáculos, nos deu mais espaço, fez urgente criar uma alternativa… (mas nós contribuímos um pouquinho também para colocar este numa crise!)
– a convergência de muitos tipos de desafios ao Feminismo (embora eles não considerassem a si mesmos desafios ao Feminismo, mas à ideologias e práticas dominantes).

Crítica

“A crise do feminismo nos deu mais espaço”? É isso realmente uma razão? Esteve o Feminismo florescendo (em reformismo e Heterosocialidade, naturalmente) poderia o começo de uma consciência política Lésbica ter sido impossível? Nós não nos tornamos Lésbicas radicais por meio de desacato (nem um pouco mais que nos tornamos lésbicas por desacato!). É mais provável que a institucionalização do Feminismo, assim como uma certa maturidade (depois da alegria de ’sermos mulheres juntas”), combinada com o desenvolvimento de teorias feministas que eram inconsistentes e levaram apenas a um beco sem saida, e teorias de heterossexualidade feminista (tendendo a grupos mistos), pavimentaram o caminho para a emergência do Lesbianismo Radical

Não há crise do Feminismo, a menos que reduzamos Feminismo a uma única tendência no MLF. Isso seria certamente errado negar que feminismo radical está em crise, mas isso não representa seja o Feminismo seja a MLF.

Se essa tendência está em um ponto crítico, é porque nós temos, de um jeito essencial, colisionado com ela frontalmente. Lesbianismo radical desenvolvido de uma crítica dessa tendência, dentre outras razões. Foi desde então impossível parar seu desenvolvimento. O próximo passo lógico foi a criação de um movimento lésbico autônomo (independente do Feminismo).

Enquanto examinamos o desenvolvimento histórico de uma tendência política é importante olhar principalmente a suas próprias contradições internas, não à contradições pré-existentes (Feminismo, Lesbianismo dentro do MLF). Senão seremos apenas aptas a ver lesbianismo em relação a Feminismo, e o FLR em relação ao MLF.
O papel jogado pela convergência de diferentes tipos de desafios foi vista acima. Sabemos muito bem, além do mais, que a vasta maioria destas ‘desafiadoras’ permaneceu no MLF.

Que podemos fazer em relação ao Feminismo?
– autonomia (mínimo requerido)
– pensamos que é essencial, no momento presente, separar-se do Feminismo, permitir nossas próprias idéias progredirem (Mas o problema é unir-se em torno da questão que colocamos no começo: deveríamos dar à palavra Feminismo um novo sentido, ou não?)
– também precisamos refletir sobre a história do MLF:
que são os pontos finais?
qualquer ganho esperável? ou não há nada positivo?
que impacto isso teve nas mulheres, sociedade, homens como uma classe?

– e um dilema político:

que respostas poeriamos fazer às questões que inúmeras mulheres possuem nesta questão?
que braços a mais na nossa luta nos dá uma análise do passado?

Crítica

– que atitude devemos adotar em torno das correntes lésbicas dentro do Feminismo (obviamente precisamos examinar os meios que empregamos de alcançar lésbicas como um todo).
– é importante ‘coletivizar’ nosso conhecimento, documentos, textos históricos, relatos pessoais… como a base de um trabalho coletivo.

Notas

1. Front Lesbien Radical (FLR) – Frente Lésbico Radical
2. Conferência ocorrida em novembro de 1981 para a qual este texto foi uma contribuição dentre outros.
3. I.e., é considerado uma obstrução deliberada de um movimento para os ‘direitos’ das mulheres.
4. Seu nome real era ‘Les Mlle et une tendances’.
5. Psychanalyse et Politique, uma tendência baseada numa perspectiva naturalista que tentava alcançar a hegemonia do MLF por apropriar-se do nome (Mouvement de la Liberation des Femmes) como sua própria marca registrada.
6. Um grupo gay ativo de 1971-1973.
7. Ativo de 1978-1980.
8. Jornal gay misto publicado em 1979-1984.
9. O primeiro grupo lésbico no MLF (1971-1973).
10. Jornal de uma tendência de feministas que eram ao mesmo tempo membras do PCF (Partido Comunista Francês).
11. Mouvement d’information et d’expression des Lesbiennes, grupo lésbico feminista, começado em 1980.

Retirado do livro “For Lesbian only – a separatist anthology” Sarah Lucia Hoagland & Julia Penelope.

 

Eu-lésbika

num mundo de tudo é do homem
ate mesmo uma mulher
eu não me encaixo
sinto profunda solidão
os sonhos trazem esperança
meu desejo revela a conexão
com uma desertora
me refugio nos braços da amante
tivemos que tacar fogo na rua formando
barricadas de palavras
como armamento confeccionamos molotovs
e atiro contra policiais afetivo sexuais
meu machado protege este ninho
aquele que tentou chegar perto de meu sexo
voltou sem o seu
raspei os meus cabelos
e vesti as roupas dos meus primos
e não me deixam mais em paz no banheiro feminino
uma amiga apanhou na rua porque beijava sua companheira
enquanto abraçava minha namorada branca
eu chorei porque percebi que eu não tinha a mesma cor
e ganhei um poder quando me vi negrax

FORMIGA