Entendo o heterossexismo em um ambiente somente-Lésbico

Quando você está num ambiente somente-Lésbico, é muito mais fácil de se entender as Lésbicas – porque, pela primeira vez, nós estamos visíveis umas para as outras e temos mais liberdade para sermos nós mesmas. É como se colocar adiante no foco, pra fora da obscuridade de estar no pano de fundo das vidas heteros. Nós não temos que estar constantemente lutando a violência masculina e o ódio à Lésbicas das mulheres heterossexuais, então nós podemos saber mais sobre quem nós somos. No Centro Lésbico e nos encontros somente-Lésbicos em Whannganui-a-Tara, estava claro que ali haviam outras hierarquias de poder sobre nós que incluíam, mas que eram diferentes de, racismo, etnicismo, e classismo. Um monte de Lésbicas na minha comunidade nunca foram heterossexuais na vida e algumas falavam sobre isso como algo muito importante para elas, e como uma opressão. Eu estive junta com outras três Lésbicas ex-hetero para discutir o que heterossexualidade passada significava e como isso dava à nós privilégio agora que nossas amigas Lésbicas nunca-lésbicas e amantes não tinham.


Maior parte das Lésbicas ex-heteros que eu conheci de outros lugares pareciam achar essa idéia impensável, mesmo que as Lésbicas nunca-heteros estejam em todos os lados. Mas numa comunidade onde muitas Lésbicas falam sobre o privilégio hetero de mulheres, era lógico que algumas de nós aplicaria essa idéia à Lésbicas de forma a explicar nossas diferenças. Talvez Lésbicas reacionárias estrangeiras achem difícil imaginar que Lésbicas de um país que elas rebaixavam como ‘retrasados e ignorantes’ poderiam ter políticas mais Lésbicas-identificadas e radical que as suas. Depois de tudo isso, se Aotearoa significaria dizer estar tão ‘atrás’ comparado à países ‘sofisticados, altamente civilizados’ como Inglaterra e os E.U.A., você esperaria que nós tivessemos políticas podres também. Mas o oposto está mais próximo da verdade – pessoas de nações menos poderosas muitas vezes possuíam políticas mais radicais. A rabugentice sapatão e a auto-confiança são encorajadas por viver em lugares em que as coisas não são dadas todas na mão, onde temos que fazer as coisas por nós mesmas enquanto vamos adiante porque não temos auto-intitulados líderes chefiando-nos – ou qualquer uma de nós faz o trabalho porque há tão poucas de nós.
Em uma comunidade Lésbica pequena, Sapas devem confiar umas nas outras mais ainda. Lésbicas privilegiadas costumam ter menos tendência a formar panelinhas (embora isso sim aconteça). Sapas de diferentes contextos e que saíram do armário de diferentes formas tendem a misturar-se juntas mais. Isso significa que eu tive sorte de estar rodeada de muitas sempre-Lésbicas, Sapas Velhas, Butchs e nunca-heteros. Eu não 
digo que essas Lésbicas não fossem oprimidas – elas eram, mas Lésbicas ex-heteros que saíram do armário no Movimento de Libertação de Mulheres, como eu e minhas amigas, socializadas com, sido amigas de e amantes de, e trabalharam juntas dessas Sapas. A mais amante das Lésbicas de nós aprendeu sobre suas experiências Lésbicas e lutou sua opressão. Em comunidades maiores – em grandes cidades de países largamente privilegiados – esta mistura é mais difícil de ocorrer. É uma verdadeira vergonha, porque as Lésbicas ex-heteros do Movimento de Libertação das Mulheres tendem a ficar juntas, reforçando à lesbofobia umas das outras. As coisas não são perfeitas em Whanganui-a-Tara, mas eu estive chocada com as histórias que eu escutei de Lésbicas retornando a suas casas depois de estarem em Londres e outros lugares, sobre a intensa suspeita de Lésbicas feministas das Sapas não-femininas. As linhas não foram desenhadas tão rigidamente na minha comunidade de origem.

Como uma Lésbica ex-hetero que saiu do armário no Movimento de Libertação das Mulheres em 1975, meu foco, como o de muitas outras, costumava ser o de ‘ajudar outras mulheres a se assumirem lésbicas’ (inocentemente esperando que mulheres heteros o quisessem também!), e ‘lutar a opressão das mulheres’. Pelos finais de 1976, eu descobri que eu estava considerando mulheres heteros mais importantes que as Lésbicas e que meu foco deveria ser nas Lésbicas, que estavam já fora do armário e assumidas. Eu tive um crescimento e amadurecimento – o do auto-sacrifício feminino. Tudo que eu fiz desde então foi de uma Lésbica assumida para OUTRAS lésbicas. Qualquer trabalho de doação de mim mesma que eu fiz foi para outras lésbicas. Mudando o foco das mulheres heteros para as Lésbicas me levou inevitavelmente a aprender mais sobre o Heterossexismo.

Ruston in Dykes-Loving-Dykes: Dyke Separatist Politics for Lesbians Only, Battleaxe. 1990.

(sem título) 3/11/09

calma mana

eu sei ki tá foda mas

nos somos sobreviventes de violência até o fim
são marcas ke tão no nosso corpo
se não ficar como trauma vai ficar no subconsciente
mas agente é bicho faz parte da natureza
então minha amiga agente pode se regenerar
pô meu mó vida sofrida
que agente carrega ancestralmente
mesmo como pessoa branca a caça as bruxas é uma grande prova
histórica da misoginia patriarcal europeia
as preta então é pesado demais  tem história de sequestro
colonização escravidão estupro misigenação na América
a nos carregamos isso
mas quero carregar como argumento antipatriarcal e transformar a dor
que eles infligiram sobre nossos corpos em luta
porque não queremos mais ser servas, nem esposas nem escravas
queremos viver como lésbikas punkAs sem pátria nem patrão
minha mátria é onde tiver mulheres
então me ligo a não pelo território ou pela língua
mas pela sororidade
é muito importante agente adquirir autonomia

pra nossas namoradas

e amigas não serem nossas mães igual você falou
mas agente é irmã e também como forma de carinho
e não de dependência
queremos ser cuidadas
agente precisa sair do isolamento que a grande metrópole impõe
e pra se fortalecer e superviver construir uma comunidade afetiva
na moral
o patriarcado acabou com minha relação
porque me machucou a vida toda
eu machuquei ela
e o patriarcdao machucou ela
e agente não consegue mais
compartilhar prazer
porque agente é ferida viva
eu me cobri de palhas então quase ninguém vê
as chagas abertas
mas quando agente vai dormir eu
preciso tirar
e ela me vê como sou
e começo a contar piadas pra ver seu sorrisso
iluminar a escuridão do quarto
dai eu começo a falar de tudo que me apaixona
pra ela saber que sou capaz de amar
mas elas ardem
já a minha linda
não consegue se esconder tá doendo e pronto
tava doendo tanto que quando que abracei
ela
sentiu tudo dolorido
eu sonhei ter um amor eterno
como pede a propriedade privada patriarcal

essa tristeza ki eu tô sentindo vem dai do sistema

mas ai na real
somos bruxas
tenho uma matriarca preta dentro de mim
é minha ancestral
ela me guia ilumina minha caminhada
em busca de rodas
onde eu possa sentir a essência do tribal
e nunca deixa eu cortar os pulsos

a vida do planeta ki está aqui e bilhões de anos
é mutável

a vida é tipo igual a roda de capoeira angola
saca
tem começo meio e fim
é isso mesmo
sou amazona em fúria
e o amor mais longo que eu posso ter é
o amor próprio é me cuidando que cuido da minha comunidade
amor próprio é espada e escudo

meu e da sororodade
eu vi vc tão feliz no rolê das sapatão

seus olhos brilhavam em vários momentos

eu curti muito também

eu sem querer fiz elas rirem
e descobri dores incomum
acho que se pá é assim que eu vou curar
a solidão lésbika
não dentro de um casamento mas na coletividade com as irmãs
da hora quero continuar
e se pá estender pra fazer
contra-cultura lésbika
pra gente ter mais e mais espaços de socialização antimercantilista
valeu mana
sapatão é noiz
por FORMIGA

Trecho de uma carta de Sheila Anne, lésbica separatista norte americana

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“O separatismo lésbico é nosso desejo de amar a nós mesmas e a outras lésbicas enquanto lésbicas. É um impulso vital de sobrevivência. Ao enfocar no amor e o cuidado pela vida das lésbicas, nós criamos um mundo de criaturas amorosas, onde há espaço para um Eu e um Outro de mulher. Para criar este mundo, conscientemente escolhemos viver num processo de separação dos indivíduos, instituições e forças internalizadas que odeiam e destróem as mulheres/lésbicas e todas as outras formas de vida do planeta. Nós nos separamos desses indivíduos, instituições e forças internalizadas (as injúrias insidiosas que jogam umas contras as outras) de todas as formas possíveis. E constantemente nos desafiamos a expandir estas formas possíveis… Não há um único modo de ser uma lésbica separatista ou de viver o separatismo lésbico (…) De qualquer maneira, enquanto estamos nos separando do heteropatriarcado, com menor ou maior sucesso, em diferentes áreas de nossas vidas, o importante é lembrar que permaneceremos num processo contínuo de união com outras lésbicas, criando comunidades que atendem às nossas necessidades. É certo que, às vezes, o que buscamos é nebuloso. Nós caminhamos do que sabemos para o que desejamos, assim é mais fácil definir do que estamos nos separando para onde estamos indo (…) O separatismo cria a possibilidade e o espaço vital para pensarmos assim.(…) Lésbicas são seres muito poderosos que podem criar, neste mundo, o mundo que imaginamos”. (Boletim Um Outro Olhar, nº 16 outono de 1992, p. 25)

poema: A Ameaça Lésbica*

Tenha cuidado:

Não to falando de estuprador
Este pode ser reformado.

Isto não é sobre namorado agressor
Não é sobre misoginia dos gays
Não é sobre hostilizar mulher
Isso é sobre um perigo maior

É sobre uma sombra predatória
Uma ameaça potencial
Um perigo pra toda hetero e bissexual

Não é sobre difamação
Não é sobre hostilidade horizontal

Essa poesia
Não é sobre agressão às mina
Não, isto é sobre
As lesbofeminista

E todas as suas amigas.

Ouvi dizer que você a elas se associa
É verdade? Vim verificar
Não que eu já tenha te visto
De qualquer forma esbravejar
Ou mesmo falar
Na real você é bem quieta né

Assim, eu só não quero me misturar.

Eu li uns textos
As mina nem eram do Brasil
E também ninguém me propagandeou
Mas tipo, mor texto hostil
Me fez mal, me culpabilizou
Então diga, você se associa
A essas lesbofeministas?

Você me acha colaboracionista?
Acha, acha?!
Sei que tu nunca disse nada
Mas to aqui te perguntando

Não, não quero saber
Se você discorda da Bev Jo
Ou da Sheila quando ela começou
E até onde você pensa por si
Enquanto admira esses textos
Ou por que, enquanto butch
Viu sentido neles mesmo

Só quero saber
Você é lesbofeminista?

Não, ninguém veio me impor
Não, ninguém veio defende-lo pra mim
Mal responderam às minhas críticas
É, realmente, bem quieta essas mina

Mas o silêncio de vocês é tão ofensivo
Como assim, vocês não querem falar comigo?!

Três ou quatro caminhão se ajudando
Em vez de gastar seu tempo com o mundo?
O que poderiam, afinal, estar tramando?

Criança quieta tá aprontando
Lésbica quieta tá me hostilizando

por Nina Scarnia
* Referência à idéia de Lavender Menace, que foi a acusação feita nos 70 por Betty Friedam, feminista autora de A Mística Feminina, pois identificava nas lésbicas uma ameaça ao feminismo.

lesbianismo como pacto entre mulheres

Lesbianismo é… acima de tudo a prática de solidariedade fundamental entre mulheres. Toda nossa vida emocional é investida nas mulheres, para mulheres, com mulheres; nós não damos qualquer benefício para o opressor… Todas mulheres devem se tornar lésbicas, isso é, ganhar solidariedade, resistir, e não colaborar. Enquanto o lesbianismo for considerado um tipo diferente de sexualidade, enquanto “desejo” for pensado como vindo de um impulso desconhecido, a idéia de lesbianismo como escolha política será visto como inaceitável (Monique, 1980)
retirado de “The Social Construction of Lesbianism”, Celia Kitzinger. 1987.

“O que significa a palavra lésbica pra mim”

“Eu sempre me identifiquei muito com a palavra lésbica, e gosto dela principalmente porque nomeia mesmo, porque é visível, nunca quis me ver como gay nem homossexual, a palavra é separatista em si. E pra mim ela expressa uma ética também feminista integral de vida e é se visibilizar para outras lésbicas. O poder deste nome pra mim tem haver com que quando você assume esse nome, assim se nomeia, é um ato de extrema coragem num contexto de lesbofobia e anti-mulher, e quando você o faz, assim como sapatão, você está visibilizando também outras lésbicas. Outras minas que se sentirão encorajadas a assumir esse nome e visão. E assim você transmite uma noção de pertencimento e uma memoria de resistência também. É pra mim impressionante o poder que tem esse nome, e por isso mesmo acho que não deve nem ser apagado, nem banalizado, deve ser defendido por nós e cuidado. E por isso que afirmamos que quem pode assim nomear-se são unicamente aquelas com vivência lésbica, e as únicas que podem também definir este nome assim como as políticas lésbicas. Ser lésbica e assim se nomear e visibilizar é também sobre honrar as lésbicas enquanto coletivo. As que nem tem voz.  Esse nome tem poder e é temido, odiado, e é ainda mais importante num contexto em que muitas andam jogando fora este nome junto ao de mulher, usando ‘queer’ pra se definir… Por isso é importante gritá-lo. Ele incomoda muita gente.”

a categoria de lesbianismo

Historiadoras lésbicas e feministas como Lilian Faderman e Caroll Smith-Rosenberg também argumentaram que uma identidade lésbica específica, baseada nas categorizações da sexologia, foi criada no final do século XIX. Elas mostraram que, antes disso, britânicas e americanas de classe média, fossem casadas ou solteiras, engajariam-se rotineiramente em amizades passionais, românticas e frequentemente duradouras entre si; o que incluía constantes expressões de um amor pleno e dormir nos braços uma da outra, no mesmo travesseiro mesmo por uma vida inteira sem que isso fosse visto como algo suspeito. Havia algumas mulheres que, entretanto, ao longo do século XIX, que se enquadrariam no que viria a ser mais tarde o modelo sexológico, algumas que até se vestiam como homens e amavam mulheres, apesar da ausência do modelo sexológico. Uma mulher, por exemplo, do coméco do sec. XIX em Yorkshire, Ann Lister, se engajou em relações sexuais entusiásticas com vizinhas, até o ponto de contrair doenças venéreas, como conta em sus diários, e realmente concebia-se como “diferente”. Mas a existência desse tipo de mulher não parece ter influenciado a inocência com a qual amigas levavam suas relações, ou a aceitabilidade social do amor entre duas mulheres. Foi o surgimento da sexologia que tornou pública e estigmatizou a categoria de “diferença sexual”.
(…) A definição de Faderman de lesbianismo não dependia de contato genital. Ela diz “o amor entre mulheres foi primariamente um fenômeno sexual unicamente na literatura masculina”.

Os críticos de Faderman a acusaram de traição, de “dessexualisar” o lesbianismo ao incluir, em sua definição, mulheres que não tiveram contato genital no passado ou tivessem contato genital pouco frequente no presente. Para aquelas que veem o lesbianismo como diferença sexual,, amigas românicas claramente não qualificam. Mas para feministas pras quais escolher e amar mulheres é a base da identidade lésbica, elas qualificam sim. A conexão genital é difícil de provar. As lésbicas, ao longo da história, vão se provar bastante poucas, e a história das lésbicas começará apenas a partir do século XIX, se o modelo sexológico for adotado. A história da heterossexualdiade nunca foi limitada à comprovação do contato genital. A heterossexualidade é uma instituição política que não começou com a sexologia em 1890. Não é apenas uma das várias diversidades sexuais. A proposta da história das lésbicas é analisar a história da resistência feminina à heterossexualidade como instituição, em vez de apenas buscar mulheres que se enquadrem numa definição surgida no século XX e baseada na sexologia.

– retirado de Sheila Jeffreys, The Lesbian Heresy

HETEROREALIDADE

Heterorrealidade é a percepção de um mundo no qual a mulher existe sempre em relação ao homem (…), descreve uma situação criada pelas heterorrelações (…) que expressam a ampla gama de comunicações afetivas,sociais, políticas, econômicas, entre homens e mulheres (…) decretadas pelos homens. (Raymond, 1986).

Janice Raymond propõe que a cosmovisão dominante podia ser descrita como “heterorrealidade”. essa perspectiva apoia a ideia de que a mulher “existe sempre em relação a um homem” e,consequentemente, que as mulheres juntas são, de fato, mulheres sozinhas.

Esra heterorrealidade é criada pelo sistema dominante de heterorrelações, que se expressa em uma ampla gama de relações sociais, políticas e econômicas estabelecidas entre homens e mulheres. Por homens.

Paradoxalmente, as mulheres são usadas como instrumento para sustentar as heterorrelações, quando na verdade a realidade é homorrelacional, isto é, são as relações masculino-masculino que de fato determinam o curso da realidade nas esferas sociais, políticas e econômicas. O resultado é que a energia das mulheres se gasta em apoio às heterorrelações.

Na lógica das heterorrelações, as únicas relações para as mulheres são as relações homem-mulher. A heterorrealidade supõe que as mulheres não se relacionam ou não deveriam relacionar-se entre si. Raymond propõe que esta é a base da necessidade de uma filosofia do afeto feminino (o projeto de seu livro, A passion for friends ). As mulheres que têm sido monopolizadas pela manutenção de relações com homens agora devem refletir sobre o que significa para as mulheres moverem-se para além da separação heterorrelacional das mulheres, através de relações ginoafetivas. As relações ginoafetivas são relações de atração, influência, e movimento mulher-mulher. A amizade entre mulheres tem sua origem com as mulheres originais, que traçam seus próprios “começos desde o mais fundo de seu Ser e outras mulheres”. A amizade feminina é um contexto em que as mulheres podem recuperar sua integridadede seus Eus desintegrados e restaurar a ordem primordial da mulher nas relações das mulheres.

O ginoafeto é um contexto no qual as mulheres podem recordar as mulheres originais.

— Janice Raymond. A passion for friends:towards a Philosophy of female affection. Boston: Beacon Press, 1986.