rap lesbiko radikal, vegano, ecologista e combativo!
1a Semana da Visibilidade Lésbika na Figueira
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A lésbica que NÃO SOMOS
(adaptado de la arepa chora, radio lésbica chilena)
Não somos a lésbica que parece hetero e que gosta disso.
Não somos a lésbica que restringe sua lesbiandade ao que faz na sua cama.
Não somos a lésbica que se apaixona por ‘pessoas’, não de mulheres, como se o amor romântico desintegrasse o Patriarcado.
Não somos a lésbica que se nomeia bissexual.
Não somos a lésbica que perdoa a misoginia de seus amigos gays porque eles são “tão discriminados como nós”
Não somos a lésbica que acredita que colocar saia e saltos é a revolução porque “rompe o estereótipo da lésbica feia e masculina”
Não somos a lésbica que se vale do trabalho precarizado doméstico de outras mulheres para poder fazer sua vida laboral, esportiva e acadêmica.
Não somos a lésbica que pede ao Estado segurança para seu ninho de amor heteronormado.
Não somos a lésbica que paga milhares de dólares para inseminar-se sem questionar a especulação com que a indústria médica se enriquece as custas de seu “instinto materno”. 1
Não somos a lésbica que acredita que o problema está em que algumas somos muito radicais e violentas e não no sistema radicalmente misógino.
Não somos a lésbica que quer ser desejada, nos basta com o sermos desejantes.
Não somos a lésbica que quer conseguir acordos com um mundo que nos odeia.
Não somos a lésbica que aplaude as novas masculinidades de seus amigos mas detesta uma sapatão masculina.
Não somos a lésbica que acredita que ser respeitosa é ficar calada ante a lesbofobia e o racismo.
Não somos a lésbica que acredita que tudo vai melhorar.
Não somos a lésbica que acredita que somos ‘todxs iguais’.
Não somos a lésbica que fala de visibilização e normalização como sinônimos.
Não somos a lésbica que gosta das mulheres “bem mulheres”.
Não somos lésbica que quer ser presidenta, policia, militar ou acionista.
Não somos a lésbica que celebra o orgulho gay.
Não somos lésbica que celebra festas pátrias.
Não somos lésbica que acredita na maternidade como propriedade privada.
Não somos lésbica que se sente cômoda em sua lesbianidade de profissional de classe média.
Não somos lésbica que acredita que a atriz hollywodiana que sai do armário se parece comigo.
Não somos lésbica que se importa mais com se o casamento gay é legal nos EUA do que se matam indígenas na cidade em que nasceu.
Não somos lésbica que crê que ser lésbica é apenas ter sexo com mulheres.
Não somos lésbica que acredita que basta somente ser lésbica.
Não somos lésbica que acredita que estar gorda é ruim para a saúde.
Não somos lésbica que defende o discurso dos direitos humanos.
Não somos lésbica que acredita que o aborto clandestino não é de sua incumbência. 2
Não somos a lésbica que agradece de viver em um país “mais avançado” em “temas de gênero”.
Não somos lésbica que acredita que o feminismo é algo que passa em uma marcha, fora de nós mesmas.
1 Faltou mencionar o eugenismo/racismo dessas práticas de inseminação artificial, além de que lésbicas elitizadas chegam a promover a atrocidade que são as ‘barrigas de aluguel’ utilizando do corpo de outras.
2 Aborto clandestino é uma prática ilegal e onde lésbicas se arriscam maior parte das vezes por mulheres heterossexuais, sendo as lésbicas as que mais realizam ações diretas neste sentido e mantêm as ‘linhas de aborto’ na latino-américa, são as que mais fazem corres para que mulheres possam abortar. Também está a questão de estupro corretivo que faz com que aborto seja uma pauta que lésbicas não podem abandonar. Mas o problema está na abordagem dessa questão: não parece ser a perspectiva mais radical o aborto em si, e sim o fim da prática heterossexual e da supremacia masculina. Não entendo lésbicas e arriscando em políticas de redução de danos sem pautar a radicalização dessa discussão. Ao invés disso chegam a criar discursos liberais onde ‘celebram’ o aborto, procedimento muitas vezes traumático se realizado em condições insalubres e inseguras. Outra questão é, aborto só existe porque heterosexo existe, em muitos casos de que adianta se arriscar a conseguir abortamento para uma mulher quando isso se torna uma zona de conforto para homens da esquerda, que ficam ainda mais seguros de convencer uma mulher a transar sem camisinha, pois alguma feminista conseguirá um aborto para ela? Isso não responsabiliza os homens nem visibiliza a violência que é engravidar alguém contra sua vontade, quando homens criam falso consentimento sexual. Isso nos faz chegar a conclusão de que toda prática sexual onde mulheres saem grávidas é um abuso, pois o homem não a quis proteger e isso em si é uma violência. Não acho que aborto possa ser abordado de forma leviana, é uma discussão bem maior. Algumas chilenas chegam a reduzir lesbianidade a um simbólico heterossexual, reivindicando que ‘lesbianidade é o melhor contraceptivo’. Lesbiandade não é contraceptivo, é um projeto político radical que não se resume a sexo ou mera alternativa individual à heterossexualidade.
Escolas? Fim delas! Vem sapatão vem pra Lesboinsurreição!
Panfleto com análise lésbica sobre movimento contra a reorganizacao escolar em SP. Talvez sirva para o restante dos movimentos de toma de escolas pelo país.
Qual o lugar das lésbicas em lutas sociais? Qual é o sentido da lésbica participar de um movimento para impedir o fechamento de escolas públicas?
Em primeiro lugar, queremos dizer que a lésbica é uma posição política radikal contra o patriarcado. A lésbica não é apenas uma preferência afetiva, é uma ação rebelde de desobediência da heterossexualidade (regime político para manter exploração dos homens sobre as mulheres) e uma ação de resistência e independência das mulheres . Entendemos os gêneros como classes/castas sexuais criadas artificialmente pela Dominação Masculina, e entendemos que o ato de ser lésbica é sabotar, fugir dessa classe, deserdá-la, atacá-la, incendiá-la e assim atrapalhar o bom funcionamento do Patriarcado, do Capital, do Estado e da Civilização . Ser lésbica é estar fora do Patriarcado, num processo de saída da civilização masculina. Portanto, a lésbica é uma posição que
questiona e que anseia pela demolição de todas instituições existentes advindas daí, incluindo nelas as escolas.
As escolas são aparatos de dominação ideológica do Estado, são instrumentos de adestramento. A escola é um instrumento do heterossexismo: que caminhoneira não sofreu lesbofobia na sua juventude? É um instrumento da heterossexualidade compulsória: que menina e lésbica jovem não foi pressionada a relacionarse com meninos, dentro da escola? Quantas de nós não cabulamos aula por não terem sentido nas nossas vidas ou fomos humilhadas por professores,corrigidas? Os conteúdos passados omitem a existência das lésbicas, é a ciência e história patriarcal, onde figuram os homens e suas guerras. A escola é mais uma instituição policial, onde sofremos autoritarismo, onde as pessoas aprendem obediência, um instrumento de alienação como a Mídia.
Logo, enquanto lésbicas radicais insurgentes, não estamos aqui pela recuperação das escolas, mas pela destruição delas. Queremos destruir a educação existente. Não vamos às ruas pedir nada ao Estado, senão que para enfrentá-lo. Não vamos as ruas para conquistar ’demandas’ como ’suspender reorganização escolar’, ’baixar tarifa’ nem tampouco
contra um político (que só legitima o sistema representativo do voto)mas contra todo Poder instituído. *Porque uma vez que essas demandas são cumpridas só terminam por reforçar ainda mais a sociedade e suas estruturas,* quando queremos é o fim dessa Sociedade e não a melhoria das jaulas nas quais nos encontramos escravizadas assalariadas ou mendigas do Estado/Patriarcado. Não tem que reivindicar escola ’pública’ (não reconhecemos o ’público’ enquanto ’comum’,o público é do domínio do Estado), senão que [re]tomar todos espaços existentes para nós e reinventá-los.
Por isso vemos o movimento de ocupação das escolas como legítimo, porém não achamos que deviam ser ocupadas para pressionar nenhum governo, senão justamente para tomar esses espaços do Estado: para que fossem definitivamente autogestionadas pelas pessoas! Tem que se destruir a educação existente, assim como tem que destruir os metrôs e ônibus que são uma aberração nociva da civilização e do patriarcado que só destroem nossa saúde e autonomia. Isso será conseguido por nós e não dado por nenhum Estado ou Autoridade por meio de desfiles pacifistas que vem caracterizando o inefetivo movimento feminista atual, crente na farsa da ‘democracia’.
Qual a situação das mulheres e lésbicas no movimento de escolas ocupadas?
Ocupar é uma ação direta radical, mas a pauta do movimento é reformista. As lésbicas somos dissidentes da civilização patriarcal, estamos em fuga desse modo de vida e somos incômodas à sociedade, com orgulho. Nós lésbicas estamos fora dela, somos marginais. Nós lésbikas radikais não somos movimento social porque não queremos direitos, não queremos melhorias, não queremos ’respeito’ (pois queremos continuar sendo um desacato à Heterossexualidade), queremos destruir ou abandonar essa civilização patriarcal.
Radical é destruir o estado Patriarcal e a civilização industrial ecocida. Radical é aprofundar nossas relações e a mudança que representamos, é criar na cotidianidade outra forma de viver e de existir.
As mulheres e lésbicas são tratadas como coadjuvantes no movimento de ocupação das escolas. Homens dominam os movimentos sociais e usam mulheres nas suas lutas quando convêm. Enquanto lésbicas, temos que vislumbrar além da lógica demandista. Temos que criar outra vida para nós. Temos que priorizar à nós mesmas. Criar nossas próprias ’escolas’ talvez, como fizeram uma vez as bruxas, queimadas, nossas antepassadas, passando saberes entre si de maneira horizontal, protegendo esses saberes da apropriação hegemônica. Como fez Safo na Grécia com sua Academia da Vênus, onde ensinava filosofia e poesia apenas para mulheres foragidas da escravidão masculina (sapatonas).
Nós lésbicas radikais convocamos então, você, para construirmos juntas, nossa autogestão de mulheres/lésbicas. Convocamos você à autonomia lésbica separatista.
O que queremos? Que queremos de nossas vidas, que queremos enquanto revolução radical lésbica? Em que colocamos nossa energia? Qual é o nosso projeto político?
Estamos nas ruas pelo prazer do combate e pela alegria da insurreição.
Fúria Lésbika!
LESBIKAS RADIKAIS AUTONOMAS
panfleto para baixar aqui.
(caso queira distribuí-lo na sua escola, em alguma okupação, marcha, protesto, ato, evento…)
OKUPAR, RESISTIR, ATÉ O REGIME HETEROSSEXUAL CAIR!
a corpa lésbika
Há um corpo especifico lesbico…
Um corpo que foge à mutilação heterossexual.
Não se nasce mulher: se constrói
à base de depilações, cirurgias, medicalizações,
regimes/esfomeamentos, violências, exposições
coisificação, hormonização (contraceptivos), maquiagens,
negações.
O corpo lésbico é uma incógnita:
é homem ou mulher?
Quê é esse ser que não se parece com coisa sequer?
Pêlos cobrindo seu corpo,
outro cheiro cobrindo seu corpo
mais ácido, instintivo, selvagem, extasiante
Um corpo que se move e atua
de modos talvez mais brutos, não melindrosos como os de antes
de andar mais desimpedido e seguro
Um corpo-presença que declara sua existência ao mundo.
As cabeças raspadas, os cabelos curtos, as sombrancelhas selvagens,
e modificações rituais: desenhos sobre a pele, alargadores às vezes, perfurações
reminiscências de amazonas tribais
Rituais estéticos da diferença.
Esse corpo que é um enigma nos consultórios,
esse corpo ingestionável para a medicina,
esses pés que pisam o chão,
esses corpos múltiplos e amedrontadores,
a carne não comedida na magreza,
corpo que ocupa e toma espaço publico,
corpo forte e orgulhoso
desacatando o mundo dos Homens
esse corpo libertado e alegre
em fúria, eufórico,
rindo-se enquanto corre do Patriarcado
escapado da sua escravidão.
O corpo confuso e confundido na rua
sem nome certo.
O corpo que se burla dos códigos dos Invasores
Das leis de gênero/casta sexual
O corpo passional
Nele late uma economia erotica radicalmente subversiva
Uma outra geografia de prazer
Mapeam-se outras ondas de gozo
gozos de liberdade e mutualidade com a outra
O corpo que carrega escrituras da resistência e da fuga
A corpa-existência lésbica que habitamos
que encarnamos carmicamente
deliciosamente, desafiadoramente
Corpa-rebeldia lésbica
Que inaugura um outro mundo.
As Marginais
por Rafaela Rosa
Adentrar a madrugada ao lado delas, sentir o peso das pálpebras e dormir no quase nascer do sol com um sorriso nos lábios, ao lado delas.
Ver o sol dividir o céu com a lua por detrás dos arranha-céus ao lado dela.
Falar sobre elas, sentir o arrepio na pele pelo toque delas, sentir a solidão ir embora, escorrendo pelos bueiros imundos da cidade dos homens. Não ter medo, sentir-se em casa, sorrir tranquila, ao lado delas.
Olhe fundo nos meus olhos, eu estou contigo. Estamos de mãos dadas, de dedos entrelaçados, no vão do mundo!
Eu entendo sua urgência, eu também a sinto pulsando por todo meu corpo. Eu entendo seu pedido de socorro, o suor nas mãos, a solidão também me corroe, me corrompe.
Não é mais preciso se esconder quando estamos juntas, podemos soltar todo o grito contido, podemos expor nossas feridas e cuidar delas, eu da sua, você da minha, ela da sua, eu da dela, eu da minha, você da sua, ela da dela…
Não estamos felizes juntas, felicidade não cabe quando se carrega nas costas o peso da violência de toda uma vida, estamos seguras e fortalecidas, estamos conectadas, e dividir o peso pode ser razão de mais um dia viva.
Eu estive com elas, estive com as dores delas, estive inebriada pela beleza delas, pelos corpos que sangram, pelas almas que sangram, pelos olhos que sangram.
Eu sou elas, das mãos grandes, das mãos pequenas, do corpo miúdo, do corpo alongado, dos cabelos curtos, dos cabelos longos, dos não-cabelos, da luta!
Lésbicas, elas são as lésbicas, eu sou a lésbica, somos essa palavra que não se diz, somos a solidão, as marginais, a sapatão!
E é com elas que eu quero estar, é por elas que eu quero estar.
Me dê sua mão, se você cair eu te ergo! ( assim como vocês me ergueram ontem)
para ver mais trabalhos da Rafaela Rosa, visite http://pornofonica.blogspot.com.br/
A Mercantilização da Comunidade Lésbica*
[2] Nota da tradutora: não gosto muito da crítica aos papéis Butch e Femme, acho meio duro com lésbicas, acho que a crítica a relações que não são equilibradas em poder é ok, mas a crítica a estética que adotam eu acho lesbofóbica, até porque não depende de voluntarismo mas sim de programação, de socialização feminina ou resistência a essa socialização, que são ambos processos de sobrevivência num Patriarcado.
[3] Por que não estaria o facebook também ligado a isso, se é uma empresa que lucra com nossa participação nela? Qual o lucro que os empresários do facebook, homens, seu inventor, um homem agressor, possuem, estando hoje milionários, ao fomentar nessa plataforma que foi desenhada pra promover hostilidade horizontal e violência, comas diversas ‘tretas’ (mesmo mecanismo do ‘ibope’ televisivo, quando tem uma treta, mais acessos, mais dinheiro rolando) e agressividade entre feministas, fofocas,difamações, exposições… O que não lucram com a exposição de nossas vidas íntimas, nossas fotos, transformando-as num espetáculo público? Qual interesse dos empresários do facebook em fomentar feminismo e lesbianidade da forma que vemos vendo nessas redes, deforma desconstrutiva, hostil, e assimilar radicalidade à lógica da exposição e das guerras de egos? Enquanto as feministas e lésbicas se destróem entre si, os empresários do facebook estão cada dia mais milionários, e estão ‘pouco se fodendo’ para feministas ou mudanças sociais. [N.T.]
[4] Este parágrafo parece mais uma crítica ao queer e a logica LGBT de liberalismo sexual, mas que creio que as lésbicas também reproduzem e trouxeram dessa comunidade de algum modo, ao meramente enxergar os espaços de socialização lésbicos como de pegação e essa ansiedade por vivências sexuais compulsivas, que a mim me remete a sexualidade patriarcal por ser uma questão de auto-estima relacionada à quantas conquistas tive, com quem fiquei, como se outras mulheres fossem um troféu. E claro, um consumo de aparência,que leva a reprodução de padrões estéticos racistas, gordofóbicos, elitistas, muitas vezes. [N.T.]
[6] Nome dado ao mercado ‘gay’. O poder de compra de homens gays, interessante pro capitalismo, e o por que da militância LGBT ter um status de hegemonia e as paradas gays tanto financiamento.
Também a idéia não é ignorar que as vidas lésbicas são já muito difíceis e duras e que o único que uma lésbica quer, muitas vezes, é sair tomar uma cerveja, relaxar, ir pra uma festa, coisa que a comentadora deste texto também faz, que muitas lésbicas possuem unicamente um ou dois dias da semana livres que não ocuparia com militância, a idéia é trazer uma reflexão e pensar em como reinventar nossas vidas reconhecendo também que estamos tão programadas pelo capitalismo a sermos mercado consumidor que muitas vezes nem percebemos o quanto isso vem definindo as nossas relações umas com as outras [N.T.]
Por uma Visibilidade Radical e Autônoma!
O que é a Visibilidade Lésbica? A Visibilidade Lésbica é sobre existirmos, principalmente para outras lésbicas. É sobre ser consciente do significado político, ético, afetivo, ancestral, cultural, da lesbianidade. É sobre conhecer sua própria história e cultura lésbica, sobre celebrar nossa coletividade com as lésbicas e sobre nos fortalecer. A Lesbianidade é um profundo ato de desmisoginização numa cultura patriarcal que odeia mulheres e as aniquila, explora, assassina, todos os dias. Ser lésbica não é apenas uma prática sexual diferente da heterossexual. Ser lésbica é sobre estar entre mulheres, amar outras mulheres, se conectar com outras mulheres, com a nossa cultura, história, e sobre compreender a tradição que levamos por séculos, desde que existe o patriarcado, de combatentes, saboteadoras, desobedientes da Heterossexualidade Compulsória enquanto um sistema político de exploração e opressão das mulheres.
Que visibilidade queremos? Que visibilidade nos fará livres?
Visibilidade Lésbica enquanto estratégia Radical é sobre sermos visiveis para nós mesmas, e não dependentes do olhar aprovador do sistema. Nós lésbicas estamos isoladas, separadas umas das outras, inconscientes de termos uma comunidade, uma história, um significado de resistência política. Ao sermos visíveis, e por meio da visibilidade das nossas irmãs, favorecemos nossa união e vemos que não somos a única sapatão, que não estamos loucas. É assim, então, a visibilidade um ato de sororidade. É também sobre fazer disso uma possibilidade para outras, pois toda mulher pode ser lésbica. É sobre sobrevivência e criação de territórios autônomos de existência lésbica dentro de uma heterorrealidade na qual não nos encaixamos. É sobre visibilizar alternativas, uma proposta diferente de vida, de ética, totalmente fora do sistema patriarcal, ultrapassando os limites impostos de mulheres heterossociais. Por meio de mais visibilidade lésbica, perdemos o medo, nos permitimos sair do armário, parar de nos esconder, nos fortalecemos, ganhamos auto-estima para enfrentar essa sociedade que invalida nossas existências. Nos organizarmos politicamente para falarmos de nossas pautas, que existimos, que sofremos duplamente: como mulheres e como lésbicas, às vezes triplamente, como mulheres, negras e lésbicas. Por meio da visibilidade, mostramos que resistimos e que estamos no combate.
Visibilidade lésbica é trazer à tona a cultura lésbica, é fazer com que outras lésbicas possam nos enxergar e consequentemente enxergarem a si mesmas. Pra isso é importante estarmos entre lésbicas, falarmos sobre nossas vivencias, dar espaço e importancia para os trabalhos feitos por lésbicas, doar o máximo de energia para lésbicas. Tirar a noção (nociva) de que lesbiandade é sexualidade, pois tendo isso como visão unilateral esquecemos do todo que nos permeia além da sexualidade. Enxergar as lésbicas apenas como parte da sua vida sexual é limitante, e obviamente é um instrumento do patriarcado para que sejamos somente isso. “Amar” mulheres enquanto trabalhamos para os homens é incongruente, por isso, nos baseamos numa ética de separação. Visibilidade lésbica é trazer a ideia de que podemos “amar” mulheres e trabalhar para e por mulheres, no âmbito mais extenso da ideia. Visibilidade lésbica é também sobre uma postura crítica, rebelde, questionadora do sistema, que não aceita migalhas destes. Não nos basta ter lésbicas na televisão ou poder casar, muito menos queremos lésbicas em instituições patriarcais como polícia, exércitos, ou no governo do qual somos críticas. Não nos basta sermos aceitas. É sobre recusar fazer parte do LGBT que apaga as lésbicas. É cuidar com a assimilação do sistema hegemônico, que mina nosso potencial rebelde. É sobre dizer alto a palavra LÉSBICA, não ‘bi’ ou ‘gay’. Precisamos tomar consciência da condição política que representamos enquanto lésbicas: a de sermos um ataque às instituições da supremacia masculina. É uma postura de priorizar lésbicas, dentro dos movimentos sociais, nas nossas vidas, e até mesmo no feminismo, pois nunca somos pauta relevante em nenhum movimento.
A visibilidade que queremos é a visibilidade como estratégia de sororidade lésbika contra a heterossexualidade compulsoria, como estratégia de contra-propaganda da heterossexualidade, de ataque e de okupação do mundo, como estrategia antissistêmica de tornar a Resistência conhecida, de criar consciência lésbika.
Não queremos a visibilidade de sermos ‘reconhecidas’ pelo sistema que nos explora e aniquila, que repudiamos. Queremos ser a visibilidade de um futuro onde as mulheres serão livres de seu estatuto de classe sexual. Queremos ser visibilidade de uma resistência ancestral, que recuperamos e carregamos, e da propaganda anti-heterossexual que representamos.
Sejamos incômodas! Sejamos visíveis!
Lésbicas Radicais Visíveis!
(texto do panfleto distribuído durante a 1o Jornada Autônoma da Visibilidade Lésbika realizada no dia 30 de agosto de 2015)
Jornada Autônoma da Visibilidade Lésbica
A cilada da “Representatividade”. Ou: por uma visibilidade radical e autônoma!
Vamos pensar sobre “representatividade” x “visibilidade”? O que se entende por isso? Que visibilidade queremos?
Beijo lésbico na novela da Globo favorece as lésbicas ou não passa de mais uma forma de assimilar nossa potência revolucionária e nos tranformar em mais um nicho de mercado pacificado e dado por satisfeito?
O que significa lésbicas numa emissora como a rede Globo, que um dia antes da famosa cena do beijo lésbico na novela, estava cobrindo e propagandeando uma manifestação de direita pedindo, dentre outras coisas, o retorno da ditadura militar? Manifestação esta, por ela e por outros setores da mídia burguesa incentivada?
Sabemos que a direita e conservadores querem ver lésbicas mortas e são portanto, nosso Inimigo. Nosso país se encontra em uma facistização crescente e isso se deve muito ao papel desempenhado pela mídia reacionária, criando um clima conservador no país refletido também nas últimas eleições.
Eu pergunto, é possível fazer um movimento e políticas lésbicas desconectadas das demais realidades? Desconectada de questões como raça e classe? Lutar o heterossexismo sem sermos também anti-capitalistas, anti-racistas, anti-ecocídio, anti-imperialismo, anti-mídia, anti-Estado, é uma luta em vão, pois esses sistemas atacam também as lésbicas. Devemos empreender uma luta radical e consciente.
A mídia burguesa e os governos utilizam da luta LGBT e dão concessões token (figurativas, apenas para dizer que incluem ‘minorias’) de forma oportunista, de maneira a distrair as populações dos massacres que os poucos Machos com poder economico e militar estão promovendo no planeta. A mídia, assim como as religiões, mantêm a dominação mental das populações, garantindo sua obediência e promovendo a internalização da visão do opressor, a ponto de pessoas extremamente precarizadas defenderem o sistema que as explora e oprime. A mídia burguesa, então, promove Falsa Consciência nos oprimidos, destrói sua memória de resistência, faz aceitar a dominação e priva de informação sobre ser dominado. Anestesia a revolta e adequa ao Capital por meio do consumismo e mata a possibilidade de sublevação, de ira coletiva para derrubar tudo isso.
A Globo mostra casal de lésbicas ricas na novela das oito, mas ao mesmo tempo tá atrapalhando revolução e consciência de classe da população por meio de emitir a visão do Capital e do Estado e alienar as mentes. A mídia é também um aparato do Racismo e eu diria que é um aparato policial em si: gera intencionalmente como pede os poderosos, pânico classista na população, principalmente na pequena burguesia de classe média que vai querer proteger seus privilégios e evitar a Guerra de classes, legitimando assim a intervenção militar nas favelas e o genocídio da população negra e pobre e o sistema/tortura prisional pra tentar conter a revolução. Difama a resistência política por meio de chamar os protestos, os ataques a opressores e o ódio de classe de “Vandalismo” e “Terrorismo” para criar pânico na população para com isso, legitimar e aumentar a Repressão Política e instalar em latinoamerica coisas como a lei anti-terrorista, que limita nossas possibilidades de manifestação e organização política, aumentando a vigilância e controle. Se não fosse a Mídia Burguesa não teríamos os panelaços, a facistização crescente, e toda essa reivindicação de retorno da ditadura militar e essa perda de memória histórica.
Além disso, a mídia vai representar quem sempre representa: ricos, brancos. Lésbicas brancas, privilegiadas, magras, femininas, ricas. Não nos interessa!
A lesbiandade representada na TV é produzida pelas mãos dos machos e para os interesses da Supremacia Masculina. Logo, o interesse que subjaz essa suposta presença de lésbicas na mídia é representar a lesbiandade como diversidade sexual pacífica e acomodada na sociedade, uma mera orientação sexual tolerada, um desvio invisível, não-ameaçador aos patriarcas. Vão representar lésbicas brancas, com filhos, casadas, aceitáveis. Vão apresentar imagens de nós como devidamente assimiladas às lógicas do sistema, domesticadas e nós, na nossa carência de pertencimento, por estarmos apartadas de nossa comunidade, raízes e ancestralidade amazônica, vamos comprar essa proposta acreditamos que vamos nos encaixar na normalidade e nesse mundo heterossexual! Mas não. Queremos destruir esse mundo e construir outro!
A lesbiandade é temida porque somos uma afronta à Ordem dos Pais. Nós Lesbicas Radicais estamos orgulhosas de sermos inimigas dos Patriarcas e queremos ser uma ameaça.
A mesma mídia burguesa patriarcal comercializa os corpos das mulheres, por meio de propagandas sexistas que explora e expôe os corpos das mulheres. É uma mídia proxeneta.
Construamos uma Visibilidade que seja a Visibilidade e a Memória da nossa Resistência, que recupere e crie consciência sapatão. Consciência de sermos um projeto radical anti-patriarcado, de que não somos só sexualidade diferente, que somos uma comunidade que resiste ancestralmente.
Podemos nós mesmas criar nossas próprias representações, produzir nossa Mídia Livre autônoma. Criar, propagar nossa revolução e ideias, arte, recuperar e defender nossa Cultura.
Ser lésbica é ser uma rebelde. Façamos jus, pois, à nossa Rebeldia. Sejamos realmente sérias sobre Radicalidade e recusemos qualquer oferta, apropriação ou chantagem do Sistema que nos oprime e à outras espécies e saqueia a Planeta Mãe.
A revolução não será televisionada!
Separatista
Separatista
Caryatis Cardea, 1984
o que eu estou pensando
nunca poderá ser perdoado
homens
estão destruindo
o mundo
irão eles descobrir minha heresia?
e eles destróem
um pouco mais a cada dia
isso não será condenado
eu digo para minhas irmãs
homens
estão destruindo
o mundo
e minhas irmãs dizem
não são os homens
que fizeram isso tudo
eles não são os únicos a serem culpados
é casta e classe
é nação
é religião e raça
e eu digo
quem há criado essas coisas?
não, um é orgânico
emergindo como lava
cada coisa foi planejada cuidadosamente
e executada
executada eu digo
mutilada estuprada assassinada
envenenada drogada
enterrada viva
estuprada
e minhas irmãs dizem
gênero não é nada
é cultura e o papel das mães
a exploração do trabalho
não são os homens
e eu digo para minhas irmãs
eu sei no que eu acredito
que cada crime
tem seu perpetrador
e cada criminoso
tem sua vítima
e eu não falo de leis
escritas por homens
mas de éticas tão cósmicas
elas são feitas da mesma matéria que mantêm
o mundo
em balança
e eles
e nós
as mulheres
são violadas
a cada minuto
de cada dia
ano após ano
por séculos
e eu digo à minhas irmãs
homens estão destruindo
o mundo
e minhas irmãs dizem
coalizão androginia
unidade
todos devemos trabalhar juntos
porque
homens
alguns homens
podem ser destrutivos
mas eles podem ser curados
eles são apenas a última forma
de pequenos meninos
mal treinados
em uma cultura
cuja raíz e propósito
nós não iremos nomear
e eu digo à minhas irmãs
casta sim e classe e religião
heterossexismo e ódio sim
de gays e judeus e pessoas de cor negra
medo da natureza
animais abatidos e mantidos captivos
magia banida
e o amor
de mulheres por mulheres
abominado
e criminalizado
guerra e as armas de guerra
prisão e as ferramentas de tortura
essas coisas não serão perdoadas
linguagens obliteradas junto à suas culturas
e às vezes suas gentes
radiação e depósitos químicos
terras deixadas estéreis
mentes deixadas estéreis
a fome de milhões
um pré-requisito da Sociedade
a dominação de crianças
uma necessidade do poder
a escravidão de mulheres
um desejo profundo e primitivo
confinamento intimidação genocídio
esfomeamento estupro tortura incesto terror
dor envenenamento terror estupro
estupro
e nós gritamos na noite
e agonizamos durante o dia
quem é que tem feito essas coisas?
e eu digo à minhas irmãs
homens estão destruindo o mundo
e minhas irmãs dizem
não
há instituições
crenças e preconceitos
nós devemos lutar para eliminar
nós podemos parar suas instituições
mas nós precisamos não confrontar
justo aqueles que as construíram
e que querem elas
e que lucram com elas
e que amam elas
e reconstróem elas
reconstróem elas
e reconstróem elas sobre nossos corpos
mas não
minhas irmãs dizem
não são os
homens
não os homens
não os
homens
e eu digo
à minhas irmãs
mas é sim.
(poema publicado no livro “For Lesbians Only – A separatist anthology” de Sarah Lucia Hoagland e Julia Penelope. Tradução livre).