“O que significa a palavra lésbica pra mim”

“Eu sempre me identifiquei muito com a palavra lésbica, e gosto dela principalmente porque nomeia mesmo, porque é visível, nunca quis me ver como gay nem homossexual, a palavra é separatista em si. E pra mim ela expressa uma ética também feminista integral de vida e é se visibilizar para outras lésbicas. O poder deste nome pra mim tem haver com que quando você assume esse nome, assim se nomeia, é um ato de extrema coragem num contexto de lesbofobia e anti-mulher, e quando você o faz, assim como sapatão, você está visibilizando também outras lésbicas. Outras minas que se sentirão encorajadas a assumir esse nome e visão. E assim você transmite uma noção de pertencimento e uma memoria de resistência também. É pra mim impressionante o poder que tem esse nome, e por isso mesmo acho que não deve nem ser apagado, nem banalizado, deve ser defendido por nós e cuidado. E por isso que afirmamos que quem pode assim nomear-se são unicamente aquelas com vivência lésbica, e as únicas que podem também definir este nome assim como as políticas lésbicas. Ser lésbica e assim se nomear e visibilizar é também sobre honrar as lésbicas enquanto coletivo. As que nem tem voz.  Esse nome tem poder e é temido, odiado, e é ainda mais importante num contexto em que muitas andam jogando fora este nome junto ao de mulher, usando ‘queer’ pra se definir… Por isso é importante gritá-lo. Ele incomoda muita gente.”

SENALE, desaparição dos espaços de resistência lésbicos, relativização de identidades e separatismo

por Andressa Stefano

*SENALE: Seminário Nacional de Lésbicas, que ocorreu em abril de 2014 em Porto Alegre. Neste seminário foi enterrado o histórico espaço de lésbicas, responsável dentre outras coisas pela articulação das caminhadas lésbicas pelo país e pelo dia da Visibilidade Lésbica. No seminário foi votada a mudança do nome para Senalesbi.

Se o movimento feminista não é crítico do Poder, não é movimento: são funcionárias do Estado.

Lidia Falcón

A pós-modernidade que se infiltra no movimento feminista está despolitizando e descentralizando as pautas do movimento das mulheres. E uma das táticas disso, é a ressignificação do conceito de feminismo, ou uma ampliação do que seriam vários conceitos de “feminismos”. Temos que retomar o conceito de feminismo, e, a partir desse conceito, é inevitável que surjam diversas táticas de combate ao patriarcado. Essa abertura, relativiza e desestabiliza as forças que sempre pulsaram na base do movimento (ou seja, as próprias sujeitas, as lésbicas) e que lutam por pautas específicas e materiais, por termos realidades materiais e opressões materiais. A segunda onda feminista foi de onde mais saíram escritoras e teóricas, e, infelizmente, estão sendo apagadas à força pela academia engolida pela teoria queer, e, mais recentemente, o ativismo trans.Uma das consequências dessa relativização do conceito de feminismo, é também a relativização da identidade lésbica. Se para os liberais não existem estruturas, tudo é auto-identificação e relativismo, então qualquer um(a) pode ser lésbica, qualquer um pode ser mulher. Basta se “identificar” com essas categorias. O que eu vi no SENALE foi a materialidade do que antes só estava na academia e em ambientes restritos. Me assusta ver feministas marxistas e materialistas fechando com o conceito de “identidade de gênero” e mais surreal que isso só mesmo “falo lésbico”. Me pergunto se isso é uma tática partidária, ou se é falta de formação política da juventude feminista. Qualquer uma das duas, é extremamente preocupante e me faz temer o rumo que o feminismo está tomando enquanto movimento político, e quais pautas concretas, a curto, médio e longo prazo, nós queremos trazer para a realidade das mulheres lésbicas. Essa “união” e uma teórica “visibilidade das bissexuais” está desarticulando o único movimento que ainda tínhamos para falar sobre nós, sobre as nossas vivências, e nos organizamos politicamente enquanto sujeitas autônomas, de um feminismo revolucionário, e não mais um espaço colonizado, em que as lésbicas são secundarizadas e marginalizadas.Lésbicas existem muito antes do feminismo existir enquanto corrente teórica e movimento social. Lésbicas foram queimadas em praça pública, foram bruxas, foram mortas, foram estupradas. Lésbicas resistiram à heterossexualidade como regime político, foram marginalizadas, excluídas dos espaços públicos e políticos. Lésbicas feministas resistiram à apropriação e invisibilidade do movimento LGBT que sempre foram espaços majoritariamente masculinos que não nunca se propuseram à lutar para um desmantelamento da supremacia masculina, mas sim, uma reforma política para uma “convivência pacífica” entre as ditas “minorias sexuais” e uma manutenção das estruturas patriarcais que mantém as mulheres sob controle masculino. Os espaços gays neo-liberais sempre foram tóxicos para as lésbicas, sempre foram colonizadores e despreocupados com a nossa vulnerabilidade peculiar na sociedade feita por homens e para homens.Lésbicas radicais propuseram e propõe espaços de resistência apenas de lésbicas com o intuito de fortalecer a autonomia e a militância combativa e organizada. Separatismo é resistência. É tática neo-liberal nos fazer acreditar que temos que nos unir “a tudo e todos”. Gays não vão lutar pelas lésbicas. Gays estão preocupados em manter o status quo e manter o acesso aos nossos corpos mesmo que, supostamente, não tenham desejo pelos mesmos. Trans vão lutar pela identidade de gênero, pela aceitação dos seus nomes sociais perante o Estado, mas não vão lutar efetivamente pela desnaturalização da violência que acomete as fêmeas. Vejam que, dentro do ativismo trans, os homens trans não são destaque, e isso é só uma consequência de um movimento que privilegia o sexo masculino, assim como quase todo movimento social. Se não lutarmos pelas pautas que nos acometem, das quais somos protagonistas, querendo fazer maternagem com outros grupos vulneráveis, estes mesmos grupos não o farão pela gente. O movimento feminista é o único movimento em que existe uma coerção para acolher “à todxs”, como uma grande mãe que luta por todos aqueles que sofrem. O FEMinismo é para nós. Saio deste SENALE decepcionada, sentido falta de FEMINISMO LÉSBICO. O que é uma incoerência absurda em um seminário que tem um slogan de “lesbiandade e feminismos”. Proponho uma união entre as sapatas, em pensarmos em como construirmos de forma autônoma e efetiva um novo espaço de articulação. Mais uma vez, nós estamos saindo dos espaços, enquanto todo o resto se pendura no braço movimento lésbico.

REFLEXÕES SOBRE A XII CAMINHADA LÉSBICA

Este ano a caminhada lésbica se encontra dividida em duas. Essa divisão, promovida pelo poder patriarcal (que nas políticas lésbicas se traduz nos financiamentos governamentais que destroem nossas agendas e desarticulam a radicalidade feminista), foi capaz de solapar 11 anos de construção coletiva e acabar com o único projeto unitário (ainda que moderado) do movimento de lesbianas de São Paulo. Este racha é fruto da lógica heterossexual que, a fim de desarticular nossa resistência, nos coloca umas contra as outras e faz com que conversas de gabinete passem a valer mais do que a decisão da coletividade. Foi o que aconteceu esse ano: em
assembleia com cerca de 30 mulheres, ficou decidido que não nos pautaríamos pela data da Parada LGBT e que a Caminhada iria se realizar no dia da Visibilidade Lésbica (29 de agosto); mas, logo após isso, algumas poucas lesbicas se reuniram com o governo e acharam de bom tom passar por cima da decisão coletiva e realizar a Caminhada no dia de hoje, o que politicamente implica dizer que acham mais válido que estejamos atreladas (ainda que sob o discurso de uma falsa oposição) ao movimento LGBT do que construamos nossos próprios espaços desde a rebeldia e insurgência feminista.

Não reivindicamos esse lesbianismo liberal porque não acreditamos que o regime político da Heterossexualidade Obrigatória e seus sistemas concomitantes – capitalismo, racismo, neoliberalismo, especismo – se destruirão com a absorção da rebeldia lésbica pelos mesmos, transformando-nos em meras ‘diversidades sexuais’ pacíficas e toleráveis. Recusamos o proxenetismo patriarcal que copta as políticas lésbicas e as enfraquece para acomodá-las melhor a este.

Não queremos aceitação nem tolerância, queremos o fim da Heterossexualidade que nada mais é que o regime de sujeição das mulheres.
Lesbianidade é uma arma apontada contra a Supremacia Masculina

Radicalização Lésbica já!

Convocamos a todas que politizem suas lesbianidades e encontrem junto a outras, em sororidade lésbica, os caminhos da nossa autonomia e autogestão!

Heresia Lésbica

Lesbiandade não é preferência sexual:
É uma ação direta contra o poder masculino.
Heterossexualidade não é orientação sexual:
é um regime Político de sujeição das mulheres.
Ser lésbica não é identidade, é um ato insurrecional
de desobediência feminista.
É mais que gostar de mulheres:
é escolher as lésbicas e mulheres e colocá-las
em primeiro lugar, escolher as lésbicas e mulheres
como seu povo.
É priorizar-se politicamente como lésbicas até mesmo
frente ao feminismo que, longe de politizar o privado,
tenta nos tratar como “uma orientação sexual como todas
as outras”.

Lesbiandade é uma pauta feminista: tirem o L do LGBT!
Não queremos aceitação nem tolerância,
queremos o fim do sistema político da Heterossexualidade.

Lesbianidade é uma arma apontada contra a
Supremacia Masculina.

Radicalização Feminista já!

Pela destruição da Heterossexualidade
e do Patriarcado,

Heresia Lésbica!