Filme “Problema de gênero: as caminhoneiras“ – exibição on-line durante o mês da visibilidade lésbica

O Projeto Memória Lésbica orgulhosamente traz neste mês, a exibição on-line do filme “Problema de Gênero: As Caminhoneiras”, traduzido e legendado pela editora lésbica independe Heretika.

O filme da diretora Lisa Plourde, presente também no filme dando depoimentos, ficará on-line até o final de agosto com acesso a senha no vimeo, basta digitar “memoriarebelde7020” (Também consta no final do post).

No dia 31 de agosto, domingo, as 17h, teremos debate no zoom com a diretora. Para participar, mande e-mail para nós: memorialesbicas@gmail.com.
”Ao contrario do estereótipo, lésbicas caminhoneiras não estão falhando em ser mulheres. Elas não estão passando por uma fase rebelde ou imitando homens. Pelo contrário, elas são mulheres que por estarem sendo verdadeiras com elas mesmas, podem parecer e agir de maneiras que a sociedade decidiu que são apropriadas somente para homens. E algumas pessoas tem problema com isso.
As mulheres representadas neste filme examinam e desafiam presunções da sociedade do que significa ser feminina/mulher. Seus conflitos mostram como todas, independente da sua sexualidade, somos pressionada a se conformar e corresponder aos restritivos padrões de genêro. Mas elas também mostram as recompensas que vem quando nós aprendemos nos aceitar como nós somos. Este é um filme para celebrar a mulher caminhoneira.
 
Esse filme não é sobre problemas superficiais como roupas ou a estética da caminhoneira. É sobre o dilema de tentar ser verdadeira consigo mesma e o desafio de não se enquadrar. As mulheres neste filme tiveram todas que lidar com o julgamento e rejeição porque elas são obviamente lésbicas e inconfundivelmente caminhoneiras.
 
Enquanto lesbicas e gays desfrutam de uma maior aprovação da sociedade no geral, esta tolerância sempre é limitada a individuos que pareçam mais como os heterossexuais: homens masculinos e mulheres femininas. Há muito menos comodidade e aprovação com aquelas que não têm conformidade com as expectativas de gênero, como as mulheres caminhoneiras. Este desconforto existe, espantosamente, as vezes até em comunidades não-heteros.
As mulheres representadas neste filme examinam cuidadosamente e desafiam as suposições da sociedade sobre o que significa ser masculina ou feminina. Elas mostram como elas aprenderam a lidar e se desenvolver num mundo que não prestigiaram elas. As mulheres deste filme são referentes dos desafios e vitórias que vem com o aprendizado de aceitar a nós mesmas como somos.“

link no vimeo

SENHA: memoriarebelde7020

Projeto Memória Lésbica

Se preferir ler no medium: https://link.medium.com/gZB9ruYgK8

O projeto Memória Lésbica surgiu em agosto de 2019 como resposta política e cultural ao contexto de descaracterização do movimento de lésbicas pelo neoliberalismo sexual e de gênero representados pelo movimento LGBT/Queer. O chamamos assim, Memória Lésbica, por ser precisamente o diagnóstico que damos à situação do movimento lésbico de falta de conhecimento acerca da sua própria história, genealogia de luta, pensamento,existência e ancestralidade. O que nos deixa à mercê do vazio simbólico, no qual eternamente a história feminina é lançada no patriarcado, e nos transforma em pálidas versões das produções dos homens: o segundo sexo de seus movimentos; o L do lgbt, que nos dilui e nos desaparece em suas siglas e significados. Assim, sem conhecimento dos passos que nos antecedem, começamos sempre do 0, sem consciência e sem orgulho ou reverência pela tradição de resistência daquelas que vieram antes de nós e que nos permite estar aqui hoje.

Estamos num momento de esvaziamento do significado de palavras como “Lésbica” e “Mulher”, que designam experiências específicas e indissociáveis do seu caráter sexuado. Sem essas palavras e categorias é impossível uma luta política organizada e a manutenção daquilo conquistado pelas nossas antepassadas. A diferença sexual é ontológica à lesbiandade e estamos aqui para devolver às palavras seu conteúdo concreto. Entendemos o corpo das lésbicas como o território primeiro vital, que foi invadido e colonizado e que, através da lesbiandade, é defendido, retomado, recuperado, cuidado e sanado. O corpo das mulheres está em disputa em uma guerra, os femicídios e lesbocídios são diários. A heterossexualidade é a forma de ocupação masculina desses territórios explorados na reprodução compulsória, trabalhos de cuidado, maternidade, trabalho doméstico, prostituição, pornografia, gestação sub-rogada, abuso sexual infantil, etc.

A Lesbiandade não é uma mera orientação ou prática sexual como nos fizeram crer os patriarcas por meio de suas ideologias. A Lesbiandade é uma ação direta das mulheres de rebeldia contra a classe masculina, é a base ética de um modo de vida crítico ao sistema masculino. A lesbiandade é a recuperação dos laços entre mulheres: é priorizar e amar mulheres num mundo que nos odeia.

Queremos recuperar as nossas comunidades lésbicas e seu caráter político, cultural e ancestral. Recuperar nossas memórias de resistência e rebeldia, resgatando nossas raízes lésbicas e os legados deixados a nós pelas sapatonas ancestras, pautando novamente a potência radical da existência lésbica.

Temos por objetivo:

  • Produzir e transmitir política lésbica-feminista, pois entendemos que a falta de formação política é um elemento central da atual colonização do nosso movimento por homens e suas ideologias disfarçadas de progressistas. Logo, buscamos politizar as lésbicas e fomentar consciência e orgulho sapatão;
  • Impulsionar e fortalecer a cultura lesbica. Pensamos a arte como ferramenta de produção de ordem simbólica, que oferece novos sentidos à experiência feminina e cria um local onde podemos habitar;
  • Criar espaços separatistas somente lésbicos e uma economia entre lésbicas;
  • Recuperar o caráter político e radical do movimento de lésbicas;
  • Recuperar e preservar genealogias de luta e pensamento lésbico;
  • Destruir a Heterossexualidade como regime político. Consideramos esse regime a fonte da subjugação das mulheres à classe dos homens. Buscamos sua destruição pela libertação das mulheres;
  • Apoiar o aborto autônomo e sua descriminalização. A lesbiandade é o melhor contraceptivo: uma resposta mais radical que o aborto à violência do hetero-sexo. Porém, reconhecemos a força estrutural da cultura de estupro e compulsoriedade do coito, uma sexualidade desigual e centrada no prazer e poder masculino;
  • Cultivar a resistência lésbica, autonomia e autogestão sapatão;
  • Lutar pelo abolicionismo da prostituição, da pornografia e do gênero.
  • Lutar contra a pedofilia, inerente ao regime heterossexual;
  • Pautar e lutar contra o racismo, fomentando a consciência étnico-racial e reparação histórica entre lésbicas;
  • Alimentar  uma postura e uma práxis de vida anti-capitalista;
  • Defender o veganismo, o anti-especismo e a ecologia radical como fundamentais no movimento de lésbicas;
  • Lutar contra o lesbo-ódio, demandar justiça nos casos de lesbocídio, acabar com a impunidade.
  • Apoiar lésbicas encarceradas;
  • Apoiar os povos indígenas, defensoras essenciais da Planeta;
  • Apoiar as lésbicas caminhoneiras e promover seu reconhecimento como linha de frente da visibilidade lésbica e as mais oprimidas por motivo de lesbo-ódio;
  • Promover a lesbiandade como direito radical das mulheres ao próprio corpo e portanto, uma possibilidade para qualquer mulher viver e escolher. Promover o verdadeiro e real pertencimento do próprio corpo;
  • Fomentar a coletividade lésbica, redes de apoio-mútuo, a solidariedade sapatão/sororidade;
  • Colocar as lésbicas em primeiro lugar nas nossas políticas, frente ao heterossexismo do movimento feminista;
  • Pautar saúde lésbica alternativa, o auto-cuidado, a autodefesa, a alimentação vegana e a prática física como essenciais no fortalecimento das lésbicas e promoção do amor-próprio, necessários para resistir no patriarcado. Buscamos não apenas sobreviver, mas o bem-viver e a criatividade para além da opressão.
  • Somos internacionalistas, por isso pautamos a Abya Yala e nos conectamos com lutas lésbicas de outros territórios. Somos anti-imperialistas e anti-colonialistas (por isso, críticas ao queer). Somos anti-assimilacionistas, não buscamos inserção no sistema capitalista e patriarcal, como faz o movimento lgbt. Somos autônomas, não acreditamos que a agenda de direitos do Estado Racista patriarcal resolvera todos nossos problemas, e sim nossa auto-organização. Somos radicais, por isso vamos à raiz do problema e temos a coragem necessária para isso, pois nenhum reformismo acabará com o lesbo-ódio estrutural e cultural, nem trará dignidade real.
  • Somos lésbicas da diferença: desprezamos a igualdade com heterossexuais como um objetivo medíocre em relação a tudo que podemos transformar com o que somos, e não desejamos suas misérias/privilégios, seu sistema. Não acreditamos nos falsos direitos iguais que nos oferecem como se agora tudo estivesse melhor. Portanto somos críticas (não contrárias) ao casamento, por não validar outras formas de relações significativas e comunitárias. Somos contrárias a inseminação artificial por um mercado racista e elitista. Somos críticas da adoção (não contrárias) como é colocada pois não substitui políticas sociais reais e não entra em questões profundas de raça, classe, colonialidade, ilegalidade do aborto e quem são as mulheres que tiveram essas crianças, muitas presas, em situação de rua, dependentes química, indígenas, mulheres de países com crise humanitária e mulheres que perderam a guarda por motivos de vulnerabilidade. Somos anti-barriga de aluguel/gestação subrogada pois os corpos das mulheres vulneraveis não devem ser usados para gestar crianças para casais LGBT. Estamos pelos direitos da infância então nos importamos com estas nisso tudo, seus interesses e integridade psicológica, pois crianças são pessoas e não direito de casais. E por fim convidamos a refletir que esse desejo é construido pela pressão heteronormativa.  Estamos orgulhosas da diferença que representamos e não buscamos apenas sermos “normais”. Ao invés da família monogâmica, acreditamos na comunidade lésbica como forma de coletividade potente e subversiva. Valorizamos nossa dimensão anti-reprodutiva como ecológica. Não queremos que só possamos ter direitos migratórios, de saúde, herança, e validação dos nossos vínculos por meio exclusivamente do casamento. Também não desejamos inserção no serviço militar ou policial.
  • Somos contra escracho e cancelamento de lésbicas. Acreditamos em resolução de conflitos nas nossas comunidades que não passem pelo punitivismo, o qual apenas estimula a sabotagem material de uma população vulnerável e o lesbo-ódio. A demanda de que lésbicas sejam perfeitas e não errem é desumanizante, tal exigência se origina na misoginia mais antiga contra mulheres e lésbicas. E o cancelamemto é contrário ao ambiente democrático para que debates e reflexões necessárias ocorram.

Convocamos todas as lésbicas identificadas com essa proposta rebelde a fazer parte desse chamado a construção de um movimento que faça jus à potência da existência lésbica.

Memoria Lésbica
memorialesbica@riseup.net

Nenhuma lésbica a menos! Luana Barbosa, Sarah Hegazi, Nicole Saavedra vivem na luta!

As histórias de vidas de lésbicas potentes interrompidas pelo lesboódio não podem simplesmente sofrer o segundo lesbocídio simbólico de se tornarem notícias de tablóides, estatísticas de lesbocídio para endossar pesquisas que clamem ao Estado reconhecimento, ou nomes citados em jograis na rua, mas sem substância. Precisamos relembrar suas vidas, mantê-las vivas por meio da luta, fazer vingança e justiça por meio da rebeldia e resistência lésbicas. Precisamos entrar em um contato mais profundo com suas narrativas.

Por isso, em função da agitação pelos 3 anos do lesbocídio da sapatão butch chilena Nicole Saavedra ocorrido no mesmo ano que Luana Barbosa dos Reis, em função do suicídio da ativista egípcia exilada política por motivo de lesboódio no Canadá, Sarah Hegazi, justo na semana de consciência sobre a condição de pessoas refugiadas no mundo, e em memória a Luana Barbosa dos Reis, lésbica negra caminhoneira, mãe, negra, poetisa, ex-presa, morta por lesboódio e racismo das forças policiais genocidas do Estado bra$ileiro e juntando à agitação do “Vidas Negras Importam” contra o genocídio policial da juventude negra, estamos trazendo a vocês três escritos que buscaram ficar mais próximos da vida dessas lésbicas. Lembramos que as únicas que levaram a frente o caso de Luana Barbosa à visibilidade pública foram as lésbicas. Nem feministas nem o movimento negro deram tanta repercussão, como por exemplo podemos ver com a adesão dos movimentos sociais à liberdade de Rafael Braga.

Todas elas têm em comum terem sido mortas por serem lésbicas, ou seja, por sua insubordinação ao poder dos homens num mundo que odeia mulheres e mais ainda, mulheres que não estão acessíveis a classe dos homens e não vestem as marcas de casta sexual designada à nós: a feminilidade.

Frente à violência masculina vemos o separatismo lésbico e autogestão das nossas comunidades como a resposta, fortalecendo o processo de construção de comunidades lésbicas plurais, anti-racistas e anti-capitalistas, ecologistas e de nossa própria cultura.

Por Marielle Franco e tantas outras que ainda falaremos, pelo fim das prisões e pela destruição do regime heterossexual. Sapatonas insubmissas, presentes, agora e sempre!

Quem esquece das Mortas

Quem esquece das Presas

Esquece da Luta

Que nossa Memória

Construa Rebeldia

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Luana Barbosa dos Reis: “Luana era uma lésbica fantástica, combativa, corajosa! Cresceu entre mulheres numa época crítica para as periferias de São Paulo, especialmente para as meninas: os anos 90. Cresceu presenciando o que se vive como menina nesse contexto, convivendo com mulheres cujas histórias eram trágicas: filhos que faleciam um a um no tráfico, assassinados pela polícia, maridos e parentes que as violentavam, espancavam, abusavam (…) Mas ainda assim, com uma grande admiração pelo apoio, sem a mínima referência de feminismo ou teorias, que as mulheres eram capazes de dar uma à outra nessa trajetória. (…) Luana, então, cresceu com um espírito convicto de autodefesa e de se impor no mundo. Queria EXISTIR! Ela escrevia, era artista: desenhava, gostava de ler, de poesia, gostava de arte, era uma pessoa que amava abrir novos horizontes e amava criar. Uma potência tão grande que se rebelou, que se aliou a gangues de mulheres, que confrontava os homens na rua, que não permitia que sua existência fosse apagada e sufocada pela violência masculina ou alheia”. Leia mais em: https://filosofialesbica-blog.tumblr.com/post/172316222390/luana-barbosa-presente

Nicole Saavedra Bahamontes: “nicole saavedra bahamondes, nascida em 9 de agosto de 1992, era uma lésbica que vivia em el melon, zona rural de limache, na quinta região do chile. filha mais nova de uma família pobre, nicole era estudante e estava há um semestre de formar-se como técnica em prevenção de risco laboral, no instituto de quillota. sua prima, maría bahamondes, relata que nicole escolheu estudar em quillota, há 18 km de el melon, porque lá tinha uma rede de amigas e amigos, e também porque sentia-se mais cômoda fora da comuna rural em que vivia, onde sofria ataques lesbofóbicos pelo menos desde os 14 anos, principalmente pelo fato de que era uma lésbica caminhoneira (que não performava feminilidade). maría menciona, inclusive, que aos 16 anos nicole foi assediada e perseguida por um grupo de homens que dizia que iam “torná-la mulher”. finalmente, aos 23 anos, ela foi sequestrada, torturada, abusada e espancada até a morte por ser lésbica, por ser caminhão, por não esconder sua sexualidade.” leia mais em: https://medium.com/@acrciavioleta/nicole-saavedra-bahamondes-nascida-em-9-de-agosto-de-1992-era-uma-l%C3%A9sbica-que-vivia-em-el-melon-98defc1c7c3b

 

Sarah Hegazi: “Na semana de conscientização sobre a situação de pessoas refugiadas no mundo  ficamos sabendo da perda de mais uma vida lésbica: Sarah Hegazi, ativista lésbica egípcia refugiada no Canadá por motivo de lesboódio do Estado egípcio, comete suicídio. Por informações que coletei isso teria ocorrido no dia 14 de Junho. Sarah tinha 30 anos de idade. Hegazi era uma lésbica socialista e feminista. Trabalhava como desenvolvedora de software, uma área também desafiadora para mulheres. Sarah era uma revolucionária socialista presente na revolução egípcia durante a Primavera Árabe, e dava palestras sobre as revoluções no mundo árabe. Uma lésbica butch pelo que podemos perceber, sem performance de feminilidade, que deixou o hijab e dizia-se abertamente de esquerda e crítica da violência estatal, uma brava mulher corajosa e inteligente. Seus pais ficaram sabendo que era lésbica após o incidente que iria marcar sua vida: a perseguição e detenção de dezenas de lésbicas e gays egípcios por ocasião do show da banda libanesa Mashrou’ Leila por hastear a bandeira LGBT num país onde a homossexualidade é fortemente criminalizada e perseguida. 56 pessoas foram presas depois dessa ocasião.” https://medium.com/@lesbikapensante/sarah-hegazi-presente-o-drama-das-mulheres-eg%C3%ADpcias-e-a-situa%C3%A7%C3%A3o-de-l%C3%A9sbicas-refugiadas-no-mundo-79b88d0f38a5

 

Nicole Saavedra Bahamondes presente! Nenhuma lésbica a menos!

(por mugra)

nicole saavedra bahamondes, nascida em 9 de agosto de 1992, era uma lésbica que vivia em el melon, zona rural de limache, na quinta região do chile. filha mais nova de uma família pobre, nicole era estudante e estava há um semestre de formar-se como técnica em prevenção de risco laboral, no instituto de quillota. sua prima, maría bahamondes, relata que nicole escolheu estudar em quillota, há 18 km de el melon, porque lá tinha uma rede de amigas e amigos, e também porque sentia-se mais cômoda fora da comuna rural em que vivia, onde sofria ataques lesbofóbicos pelo menos desde os 14 anos, principalmente pelo fato de que era uma lésbica caminhoneira (que não performava feminilidade). maría menciona, inclusive, que aos 16 anos nicole foi assediada e perseguida por um grupo de homens que dizia que iam “torná-la mulher”. finalmente, aos 23 anos, ela foi sequestrada, torturada, abusada e espancada até a morte por ser lésbica, por ser caminhão, por não esconder sua sexualidade.

nicole foi vista com vida pela última vez na manhã do dia 18 de junho de 2016, na comuna de la cruz, onde depois de uma noite de festa com suas amigas, caminhou até um paradeiro para esperar o ônibus que lhe levaria de volta pra casa. ela nunca chegou. depois de uma semana desaparecida, seu corpo foi encontrado no cerro los aromos, há 40 minutos de distância de el melon, com as mãos amarradas e apresentando sinais de tortura física e violação sexual; a autopsia confirmou que sua morte ocorreu devido a “múltiplas faturas no crânio”.

juan emilio gática, primeiro delegado responsável pelo caso de nicole, mostrou enorme incompetência desde o princípio das investigações – negando-se, por exemplo, a analisar o caso desde a perspectiva de crime de ódio, de lesbocídio. cabe dizer também que a delegacia de limache nem sequer fez uma busca por nicole quando a família informou seu desaparecimento; o corpo foi encontrado aleatoriamente, quando um grupo de trabalhadores que estava recorrendo o local. a família de nicole exigiu a retirada do delegado juan emilio gática do caso, o que lograram depois de quase dois anos de má-vontade. o caso passou a ser administrado pela delegacia de quillota, já na região de valparaíso. ainda ocorreram mais três alterações no comando da investigação, até que em outubro de 2019, mais de três anos após seu assassinato, o estuprador lesbocida victor alejandro pulgar vidal foi formalmente indiciado. ele era motorista do ônibus que percorria o trecho la cruz-el melon, e o celular de nicole foi localizado em posse de uma parente sua. à altura da descoberta, victor pulgar já estava cumprindo pena pelo estupro de duas menores de idade.

é importante sinalizar que durante esses quatro anos, desde que perdemos nicole, o apoio de coletivos e individualidades lesbofeministas foi crucial tanto para a visilidade do caso, quanto para o apoio emocional da família – principalmente de olga, mãe, e maría, prima, que corajosamente encabeçaram a luta judicial para encontrar o assassino lesbofóbico.

as fotos que ilustram o texto são de um cerimonial organizado em memória de nicole aos 3 anos de seu assassinato, onde compareceram suas amigas/amigos e ativistas lésbicas e feministas, além de familiares. “só quero agradecer-lhes por estarem aqui. se não me veem chorar, é porque já não tenho lágrimas”, disse olga, sua mãe, dirigindo-se às solidárias presentes. nessa ocasião suas amigas construíram um altar em memória de nicole, com algumas de suas coisas favoritas: água, ervas medicinais, vinho, instrumentos musicais, plantas, uma pegada impressa por seu cachorro gastón, incensos, palo santo, e sua manta favorita.

ainda cabe dizer que além de nicole, outras lésbicas foram assassinadas nessa mesma região: maría pía castro, 19 anos (2008), e susana sanhueza, 22 anos (2019). que não deixemos nossas mortas esquecidas; que nossa memória construa rebeldia.

 

 

Quarentena Lesbofeminista – grupo de leituras online de teorias lésbicas

Enquanto presenciamos a derrocada do patriarcado e o desenrolar do caos completo decorrente das necropolíticas ecocidas masculinas, do qual um vírus é somente uma das consequências, nós lésbicas radicais precisamos mais do que nunca criar territórios aquém e além da realidade masculina, deixando para trás definitivamente a normalidade heterossexista.

Convidamos todas as lésbicas interessadas a participarem da Quarentena Lesbofeminista – grupo online de leitura de teorias lésbicas. É um convite a explorarmos a potência do pensamento lésbico vital e sem amarras.

O isolamento social por conta da covid-19 nos obriga a ficar em casa, ou a reduzir nossa vida social. Mas para nós lésbicas a domesticidade, outrora desprezada, tem significado a redescoberta de uma liberdade, por fora da hostilidade do mundo externo masculino. Homens definiram o mundo público como o espaço da real-política, nós acreditamos no valor do íntimo, pois é na privacidade feminina que podemos confabular resistências e imaginar a reinvenção da vida longe das vistas do patriarcado.

Afirmemos a quarentena como oportunidade de nos retirar de vez: deixemos lá fora o vírus e a ordem simbólica masculina. A pandemia de coronavírus é expressão do fracasso do patriarcado. É agora mais que nunca a oportunidade de renegar seu mundo.

Convidamos as lésbicas a usarmos criativamente esse espaço potente que é a interioridade: ressignifiquemos desde um olhar sapatão como local de criatividade, prazer, autocuidado, crescimento pessoal e intelectual, ginoafeto virtual. E para aquelas de nós obrigadas a permanecerem isoladas com pessoas perpetuadoras de lesbo-ódio, é hora de apostar na criação de redes e de conexões e no poder da palavra entre mulheres. Estaremos criando ordem simbólica lesbiana e apreciação das nossas genealogias, aprendendo do pensamento autônomo de mulheres, por meio de encontros virtuais que recuperam a coletividade entre sapatonas para além das falsas fronteiras machistas que nos dividem.

Deixemos o mundo dos homens, suas políticas e problemas de fora. Essa crise não é nossa. Que mundo podem as lésbicas criar?


Os encontros ocorrerão por meio de videochamada em grupo a cada 15 dias na plataforma jitsi, escolhida por ser online e segura. O link da reunião virtual será enviado por e-mail às registradas. Este primeiro encontro ocorrerá dia 10 de maio (domingo) consistindo na leitura do texto de Susan Hawthorne “A Despolitização da Cultura Lésbica” – o pdf está em anexo na página e também está o texto para visualização online na página.

Por motivos de segurança contra a violência masculina (que pode ser física e virtual) pedimos que responda o formulário de registro.

Dúvidas escrever a: memorialesbicas@gmail.com

13 de outubro – Dia das Rebeldias Lésbicas, Memória das raízes lesbofeministas na Latinoamérica/Abya Yala

“O Beijo” por Nuvem V.

13 de outubro – Dia das Rebeldias Lésbicas, Memória das raízes lesbofeministas na Latinoamérica/Abya Yala.

Por Jan R.

A igualdade implica um caminho de comparação”

(Luce Irigaray)

Somos fugitivas da nossa classe

assim como os escravos americanos

fugiam da escravidão para serem livres”

(Monique Wittig)

Em 2006, no Chile, país marcado pela mais sanguinária ditadura no continente, e igualmente com combativas resistências, ocorreu o VII Encontro Lésbico Feminista Latinoamericano e Caribenho, que levava o título de “Pensando Autonomias desde uma Rebeldia Cúmplice”. O encontro foi marcado desde o começo pela aspiração a algo diferente do caminho que vinha levando muitos movimentos feministas nos anos 90 em diante: institucionalização, burocratização e cooptação para esferas governamentais e agendas de financiadoras internacionais. Segundo analisa Ochy Curiel na cartilha que registra a Memória do ELFLAY Colombia de 2014, a abertura democrática se deu conjuntamente com o interesse da globalização e do imperialismo de instalar o Neoliberalismo no território chamado latinoamericano – a Abya Yala, seu nome originario – recém saído da era dos regimes militares, e para isso necessitava de uma estabilidade política. Para isso promoveu um cidadanismo liberal por meio da cooptação das lideranças populares para cargos em organismos internacionais e financiamento de ONGs, para fazer dos movimentos sociais algo funcional ao sistema e com demandas reformistas do mesmo, ao invés de revolucionárias. O movimento lésbico sempre ficou um tanto a parte dessa tendência, talvez justamente por sua condição abjeta e ininteligível à heterorrealidade: o fato da não reprodução. Boa parte do ativismo feminista vinha sendo financiado por editais de direitos reprodutivos. Isso mostra o primeiro ponto da rebeldia lésbica: o lugar favorável da estrangería à cultura masculina, possibilidade de criação de Outra cultura e éticas, de outra perspectiva de mundo.
O encontro foi marcado pela discussão sobre Lesbiandade para além da sexualidade ou de uma identidade reivindicatória ante ao Estado (como é a política da Visibilidade), mas como projeto político emancipatório para todas mulheres, sendo as lésbicas prófugas do sistema heterossexual. Se aprofundou ali a formação política, facilitado pelo fato de que já havia lá um trabalho anterior e tradição de lutas graças ao ativismo e teoria de lésbicas como Margarita Pisano, Edda Gaviola, que com a heterofeminista Sandra Lidid fundaram o movimento autonomo feminista no Chile e formaram o grupo Complices, e o grupo Afuera de lésbicas radicais criado também por Pisano. As discussões se deram em torno a história do movimento, teoria lésbica, autonomia, rebeldia, radicalidade, utopia, e contexto no qual se encontravam enquanto lésbicas, analisando a vida das lésbicas em relação à fenômenos estruturais, sistêmicos e regionais destas. Um continente marcado por ditaduras, invasões colonialistas, intervenções militares, guerras civis, paramilitarismo, feminicídio, racismo, pobreza, ataque à indigenas, privatizações, resistências populares, exploração humana, animal e da Natureza. E desde toda essa reflexão, definir coletivamente qual projeto político se quer fazer da Lesbiandade.
Isso se deveu à vantagem da condição lésbica de marginalidade: no contexto latinoamericano por exemplo, foi fundamental o trabalho do GALF, que chegou a se replicar no Peru enquanto grupo lésbico. Nos periódicos Chana com Chana brasileiros, frequentemente vemos o debate de autonomia, com algumas páginas com o logotipo do Mujeres Libres por exemplo. Especialmente Rosely Roth tem um artigo de 1983 no número 4 do boletim, sobre Autonomia dos movimentos sociais, onde relata como a cooptação por partidos reduzia a potência política dos movimentos. As lésbicas sempre sofreram extrema exclusão nos movimentos [hetero]feministas, que as queriam esconder, e dentro dos espaços de homens homossexuais, gays, elas também eram invisibilizadas, e também os partidos políticos e a esquerda sempre subestimaram, invisibilizaram e diminuíram as lutas “homossexuais”. E isso impulsionou sua autonomia, a mesma história se repetindo nos EUA, Mexico ou Brasil. Essa exclusão se fez vantajosa para perceber como estes movimentos tendiam ao reformismo e a se firmar no aspecto contracultural do ser lésbica, a refletir por que essa exclusão acontecia: o quão desestabilizadora é a lesbianidade para o sistema, para a dominação masculina, e quanto a heterossexualidade é uma ferramenta política de manutenção dessa dominação. As lésbicas estando fora, criam comunidade, autonomia e ações diretas, tomando responsabilidades de moldar suas vidas dentro dos seus ideais separatistas de autogestão das sapatonas.
Foi um encontro marcado pelos avanços políticos do movimento de lésbicas, em clara ruptura e reação à tendência de LGBTização das lésbicas, e assimilação ao conceito de Diversidade Sexual, que esvazia a aposta e discurso lésbico. Neste encontro se profundizou a Lesbiandade como projeto político transformador, impactando ao neoliberalismo patriarcal, o racismo, o militarismo, a colonização, o etnocídio… Uma proposta de mudança civilizatória, propondo uma outra cultura fora da história masculina do Domínio.
A data foi decidida em Assembléia, com mais de 200 lésbicas-feministas de vários países. O primeiro encontro Lésbico Feminista ocorreu no México em 1987 e também ocorreu em um 13 de outubro, iniciando numa sexta-feira, dia das bruxas. E assim se decidiu pela data, impulsada pela sincronicidade. Também o 13 de outubro foi data escolhida para o primeiro encontro no México porque “é o dia seguinte à maldita chegada dos colonizadores às terras indígenas” segundo Angelina Marín, ativista lesbiana feminista da coletiva Moiras, em seu discurso na Plaza de las Armas, onde ocorreu a concentração para a marcha das Rebeldias Lésbicas após o encontro chileno. Ponto escolhido devido à história de assassinados e desaparecidos pela ditadura pinochetista. (fonte: blog Memoria Feminista Autonoma, texto de Victoria Adulnate). Todos encontros latino-americanos terminam com uma marcha ao final com 300 lésbicas feministas de várias partes do continente. Então foram convocadas ações no continente todo nessa data, de coletivas lésbicas que não de dobram ao opressor e nem mendigam direitos, senão que os exercem. A idéia da data é que ocorram atividades das mais variadas, marchas, exibições de filmes, pixações, discussões, festivais culturais… que celebrem as existências lésbicas como ato de rebeldia ante a heterosexualidade como sistema político normativo e obrigatório que explora e oprime as mulheres, recuperando as histórias e genealogias lésbicas em suas teorias, acionar político e no prazer de ser lésbica, celebrando também nossos erotismos como forma radical de alegria, descolonização e sanação dos primeiros territórios invadidos: nossas corpas.
Retomar o dia das Rebeldias Lésbicas é importante no Brasil em tempos em que a lesbianidade vem sendo esvaziada enquanto proposta política, sendo assimilada para dentro da idéia de “Diversidade Sexual”. O conceito de Diversidade vem do que mencionei no começo – a ação da globalização neoliberal em países de terceiro mundo, e suas agentes ONGs, financiadoras, partidos políticos, buscando acomodar movimentos de resistência como minorias identitárias que apelam direitos ao mesmo Estado genocida que as esmaga. Diversidade esconde políticas de acomodação ao sistema, e a idéia de Inclusão, que dilui a nossa potente Diferença, oferecendo a pobre Igualdade com os heterossexuais ou como mulheres, com os homens. O Lesbianismo como ética da Diferença não se basta em obter os mesmos privilégios heteros como casar, adotar, formar família, ou aparecer na mídia (representatividade). Nem em obter, enquanto mulheres, igualdade com homens ou escalar no seu regime de opressão e colonização, suas estruturas de dominação como empresas ou secretarias governamentais. A Lésbica Rebelde entende que nossa opressão só terá fim quando esses sistemas forem desmantelados conjuntamente, e a nossa inclusão nele ou algumas migalhas não serão suficiente para libertar a todas e todos povos oprimidos, animais ou a planeta. Lembrando que animais e Natureza são feminizados numa Ordem Simbólica patriarcal, logo o Ecocídio e Femicídio partilham a mesma logica masculina necrofílica e invasora/estupradora.
Então a Ética da Igualdade, Liberal, sob o discurso de “Diversidade”, se constitui numa estratégia de fragmentação e diluição da proposta lésbica. Quando mal vemos, nos tornamos uma mera letra insignificante no amontado de signos e bandeiras da hoje enorme sigla LGBTTQIetc, com quem dizem que temos que nos unir muitas vezes por meio de pânico quanto à violência heterossexual (como se homens fossem nos proteger). Basta ver o que aconteceu com as caminhadas lésbicas em São Paulo, que este ano foi encabeçada por uma faixa no estilo institucional, aquelas impressas em gráfica provavelmente com algum financiamento estatal ou partidário pelo preço que custam, levando o enorme mote: “Mulheres Lésbicas e Bis, Trans e Cis: Na mesma luta pela vida e por liberdade”. O sistema realmente tenta convencer que se trata de uma mesma luta e nos enfiar “todes” no mesmo saco para assim nos administrar melhor. As marchas lésbicas brasileiras inspiraram as marchas das rebeldias lésbicas, por termos sido pioneiras nesse tipo de manifestação pública levando a Lesbiandade às ruas como forma de visibilidade rebelde e redefinição do ser lésbica não como algo privado, mas político. Mas agora, estão deixando de existir para serem renomeadas e apagadas em sua história, enquanto Caminhada “Lesbi”, os seminários de lésbicas são agora “seminários Lesbi”, e votam para que se tornem “Lesbitrans”, fazendo sem sentido a própria existência de um movimento lésbico próprio, que sem nem perceberem, foi assimilado ao LGBT se tornando ele. Aqui não estou a negar a importância de que todos movimentos dissidentes sexuais se organizem politicamente e se unam em momentos em que seja necessário e estratégio, mas que devemos nos perguntar de quem é o interesse em desarticular os espaços próprios de luta e fortalecimento de cada questão, porque são questões diferentes. Não somos a versão feminina do homem gay e a corpa – diferença sexual – importa, quando falamos em Patriarcado que enxerga corpos femininos como recursos e mais antigo capital, o reprodutivo
Assim o neoliberalismo na sua forma de colonização de territórios lésbicos autônomos pela propaganda ideológica do queer (ideologia colonial norte-americana que se impôs com sucesso bastante devido aos homens gays já serem parte do problema sendo homens) e pela demanda de partidos políticos oportunistas e eleitoreiros do qual essas mulheres fazem parte, se impôs nos movimentos lésbicos. Também minha hipótese do por que isso veio ocorrendo, é pelo próprio sucesso da implantação cultural do neoliberalismo, que produziu subjetividades próprias do liberalismo: individualistas, consumistas, sem história, ou na pós-história, onde não importa mais lutar os regimes opressivos e sim, aplaudir a propaganda da uber com a sua bandeira identitária. A Diversidade de Mercado é a liberdade de consumir o que quiser, a falsa liberdade capitalista.
O corpo das mulheres é também um território político invadido e ocupado há seculos, assim como é a Abya Yala. Lésbicas são aquelas que expulsaram os invasores homens de seu território fundamental. Como diz Catherine Mackinnon:“A Sexualidade é para o Feminismo o que o Trabalho é para o marxismo: aquilo que nos é mais próprio e que mais é expropriado”. Ser lésbica é um ato de resistência, são aquelas que resistem em seus territórios-corpo. As deturpações de feminismo ou NeoPatriarcado (Yan Maria Castro) são uma forma dos homens retomarem nossos territórios-corpo, a corpa lésbica nega o acesso masculino. Distorcer o significado radical e genealógico, ancestral, do ser lésbica vem sendo uma guerra psicológica empreendida pelos homens contra nós por meio das novas políticas de identidade do queer e generismo.
Saber nossa história, recuperar genealogias de lutas e pensamento, fazer formação política como fizeram as chilenas em 2006, pode ser a nossa melhor aposta para rearticular o movimento lésbico enquanto resistente, rebelde e combativo, para longe de uma inclusão que é falsa, romântica, maternal e conciliadora como a boa e velha feminilidade, mais antiga colonização mental masculina sobre mulheres.
FONTES:
ADULNATE, Victoria. 13 DE OCTUBRE: DÍA DE REBELDÍAS LESBIANAS FEMINISTAS LATINOAMERICANAS Y CARIBEÑAS. 2006. Em http://feministautonoma.blogspot.com/2007/10/13-de-octubre-da-de-rebeldas-lesbianas.html
CASTRO, Yan María Yaoyólotl. La Cosmopercepción Indígena Lesbofeminista ante el generismo capitalista. Una perspectiva desde el lesbianismo feminista comunista indígena. Em “Pensando los Feminismos en Bolívia – Série Foros 2”. Creativa 2. La Paz, Bolívia: 2012.
CURIEL, OCHY. EL 7MO ENCUENTRO LÉSBICO FEMINISTA: TRASCENDENTE e HISTÓRICO. 2006. Em https://elflacguate.blogspot.com/p/los-elflacs.html
FRANULIC, Andrea. Fala Sobre dia das Rebeldias Lésbicas “MOVIMIENTO REBELDE DEL AFUERA PLAZA YUNGAY”, 2012. Em: https://www.youtube.com/watch?v=sQK1QfFxYbA
MOGROVEJO, Norma. Un amor que se atrevio a decir su nombre. La Lucha de las Lesbianas y su relacion con los movimentos homossexual y feminista en latinoamerica. Plaza y Valdes editores. México, DF. 2000.
MOGROVEJO, Norma. VIII ELFLAC GUATEMALA. ¿DE QUE NOS TIENEN QUE CON-VENCER? 2010. Em: https://normamogrovejo.blogspot.com/2016/02/viii-elflac-guatemala-de-que-nos-tienen.html
Memórias X ELFLAY (ENCUENTRO LÉSBICO FEMINISTA DE ABYA YALA) 2014.
ROTH, Rosely. Autonomia. Chana com Chana. n. 4. 1983.

Dia das Rebeldias Lésbicas!

 

Vídeo realizado em 2006 para celebrar o 1o dia das Rebeldias Lésbicas, em 13 de Outubro, data de visibilidade das lutas lésbicas-feministas em toda Abya Yala, feito logo após o encontro lésbico que lançou o dia de lutas. É inspirador por mostrar genealogias de pensamento e luta lésbica. Temos crítica à Butler e outras mais faltaram, vamos tentar complementar assim como mais mulheres negras. “As sequências são uma visão pessoal da razão de ser e trabalhar desde o feminismo. Também é uma explicitação dos referentes de formação política lesbo-feminista que tive.”
realizado por Alejandra Aravena, Radio Numero Critico

 

“Me desnudam com sordícia
Me silenciam com sangue
Deformam meu corpo
Extirpam meu prazer.

Com suas migalhas me educam para servir-lhes.
Ainda escrava, atada às penas de minha terra,
Libero meus mares para sanar-me.

Expulsa de seu paraíso
Como deusa me violaram
Como sábia me queimaram
Como lutadora me torturaram.

Ser mulher não me basta…
Ser lesbiana não é suficiente…
Foi etiquetada, classificada e analisada
cada parte de mim.

Ante suas navalhas ensanguentadas,
Suas escolas fechadas,
Suas cozinhas vazias,
Suas bombas assassinas… Cada átomo de meu ser vibra
Em saltos cada vez mais amplos,
Explodindo em uma reação em cadeia:
De vida, de alegria…
de REBELDIA.

Lésbicas inspiracionais citadas:

Virginia Woolf, Marguerite Yourcenar, Monique Wittig, Teresa de Laurentis, Judith Butler, Tsitsi Tiripano, Cherríe Moraga, Jill Johnston, Barbara Smith, Sheila Jeffreys, Audre Lorde, Adrienne Rich, Gloria Anzaldúa, Cheryl Clarke, Margarita Pisano, Juanita Ramos, Julieta Paredes, Rosangela Castro, Cecilia Riquelme, Mariana Pessah, Paulina Vera, Marlore Moran, Ochy Curiel, Chuy Tinoco, Yuderkys Espinosa Miñoso, Melissa Cardoza, Norma Mongrovejo, Jules Falquet, Ximena Bedregal, Yan María Yaoyólotl Castro, Doris Muñoz, Erika Montecinos, Claudia Acevedo, Jana Aravena, Jennifer Mella). “1o dia Internacional das Rebeldias Lésbicas, 2007
Agradecimento a todas
Com as que estive aprendendo, chorado, rido… crescido. E aquelas com as quais estou em desacordo.
Por todas nós… ”

Queremos acrescentar alguns nomes: Carol Ann Douglas, Denise Thompson,  Betty McLelan, Susan Hawthorne, Celia Klitzinger,  Ana Reis, Sarah Lucia Hoagland, Julia Penelope, Marilyn Frye, Jeffner Allen, Julie Bindel, Pat Parker, Linda Bellos, Margaret Sloan Hunter, Kathy Miriam, Angela Davis, Caryatis Cardea, Alice Walker, Lilian Faderman, Janice Raymond, Kate Millet, Christine Delphy, Stormé DeLarverie, Sonia Johnson, Rosely Roth, Miriam Martinho, Tania Navarro Swain, Bev Jo, RADICALESBIANS, Magdalen Berns, Andrea Franulic, Insu Jeka (Jessica Gamboa), Chrystos,

Ato da Visibilidade Lésbica 2019 – 3 Anos sem Luana Barbosa. Párem de nos matar!

O Ato da Visibilidade foi puxado espontaneamente e descentralizadamente este ano, sem figuras protagonizando. Especialmente liderado pelas mulheres negras com o bloco Siga Bem, no começo fechava a avenida toda até um grande contingente de policiais aparecer para intimidar o ato que parecia querer disputar com a própria marcha. Foram puxados jograis sobre lesbocídio e lembrando as caídas, Luana Barbosa, Marielle Franco e tantas outras… presentes! Também palavras de ordem. “Hey mulher vire Sapatão o homem é machista e ele não vai mudar não” e outros clássicos sustentados por uma bateria ruidosa. Lésbicas radicais auto-convocadas produziram cartazes apresentando idéias mais separatistas e ecologistas.

 

 

Jornada da Memória Lésbica – 24 de Agosto de 2019. Registros e manifesto

Este ano foi comemorado 50 anos da revolta de Stonewall, apesar de nunca mencionarem que foi uma insurreição  iniciada por uma lésbica butch Drag King, a Stormé DeLarverie. Mas essa é a nossa história como mulheres e lésbicas? Desde o … Continue reading

Uma perspectiva crítica sobre o escrachamento de lésbicas

Um ensaio novamente sobre a questão do punitivismo e escracho como maltrato de lésbicas e a examinação das raízes na Misoginia da sua inspiração nas éticas de uma sociedade penal, mantendo que as práticas punitivistas servem a um propósito mais de controle social que de justiça e transformação profunda de um tema. Novamente dedico-me a tarefa de expôr minha oposição à destruição desumanizante e malignizante de alguém, como imperativo ético lésbico-feminista.

Baixe a versão em pdf: O Apedrejamento de Lésbicas

O Apedrejamento de Lésbicas

por Jan. hembrista@riseup.net

“Apedrejamento, ou lapidação, é um método de punição onde um grupo joga pedras numa pessoa até que ela morra. Nenhum indivíduo do grupo pode ser identificado como aquele que mata o sujeito (…) Mais lento que outras formas de execução, a lapidação dentro do contexto da cultura ocidental contemporânea é considerada uma forma de execução por tortura.” (https://en.wikipedia.org/wiki/Stoni…)

     O apedrejamento constituiu-se na cultura popular como um símbolo, um arquétipo. O apedrejamento ocorre há muitos séculos, ocorreu em muitas culturas, e ainda existe contra todos apêlos dos Direitos Humanos por sua abolição. Foi a primeira forma de queima das bruxas. A mulher apedrejada até a morte, acusada de uma insubmissão à ordem patriarcal. A mulher acusada de adultério é como a mulher acusada de bruxa: ela é acusada de trair, de repente, uma cultura, a cultura masculina. Talvez pela forma que ela se portasse, por sua insubmissão, ou por ação de uma subjetividade masculina que, num funcionamento psíquico paranóico, delirasse nela uma ameaça, o que nunca foi muito difícil em se tratando das fantasias de castração em torno ao feminino que motivam a misoginia que nasce do imaginário masculino. O arquétipo é tão forte que ele se tornou uma frase de conhecimento popular retirada da literatura bíblica: quem nunca pecou que atire a primeira pedra, disse-se quando Maria Madalena estava condenada a ser apedrejada por prostituição ou pelo que parece que consta na bíblica, acusada de possuir 7 demônios em si. A relação com o demoníaco e a sombra, a demonização, seriam primórdios das acusações às bruxas? Repete-se também a questão de controle do corpo, da sexualidade, de que essa sexualidade pertence ao homem. Talvez, assim como as bruxas, a maioria dessas mulheres apedrejadas fossem lésbicas.

     Eu trago essa reflexão sobre apedrejamento porque quero pensar sobre os linchamentos morais no movimento feminista. A prática do rumor[1], as acusações falsas, o trashing, a exposição, o public shaming [2]. O castigo em bodes expiatórios escolhidos para expiar nosso Mal, como legados do Patriarcado, legados da misoginia mais ancestral que nos habita.

     O apedrejamento é universal. Ele existe de forma simbólica, como prática de Misoginia, e é uma programação ancestral de nossas mentes e nosso inconsciente coletivo. Assim como é arquetípico a queima e perseguição de alvos escolhidos como bruxas. O apedrejamento é um referente de como mulheres e lésbicas são atacadas e tratadas, socialmente no Patriarcado, e depois, dentro dos movimentos sociais por suas falhas individuais. Somando-se à imagem já associada ao feminino de pecadoras e portadoras do pecado original, agencia-se todo repertório de demonização e deturpação da representação das lésbicas ao longo da história. E aqui eu quero abordar a presença desses repertórios depreciadores de mulheres e lésbicas no fenômeno da hostilidade horizontal entre mulheres e lésbicas.

     Embora as pedras em alguns países sejam reais, as pedras que se tratam aqui são outras, simbólicas. O ato de apedrejar se conserva mas sem pedras, mas não por isso se torna menos letal. O assassinato pode não ser físico, mas pode ser um assassinato existencial em vida. Enquanto dirigidos os escrachamentos à possibilidade de existência política, afetiva, social, cultural, artística ou intelectual de uma lésbica, de uma pensadora, ou até mesmo a lésbica como existente em si, é de uma letalidade muito triste pela perda que produz de desejos engajados na criação de outra vida. Pela perda de mais uma lésbica numa existência expressada.

     Os alvos do apedrejamento são as audaciosas intelectuais, as céticas, as insubmissas, as autênticas, as que se diferenciam, que não seguem a manada, que pensam por si mesmas, as radicais de profundidade, não as de fanatismo doutrinário que agride as que não se encaixam na disciplina moral exigida. As radicais pensantes e criadoras que não tratam o pensamento lésbico como uma religião ou um dever-ser moral feminista estrangulador. Também são alvo do apedrejamento as lésbicas em si e o medo que elas despertam, que sua sexualidade principalmente desperta. A sexualidade lésbica nos assusta, assusta as mulheres, assusta as próprias lésbicas, e alguns discursos criam uma nova aura de tabu em torno à sexualidade e afetividades lésbicas, dominando os debates e discursos, narrativas, com um vocabulário que termina por se restringir em termos como ‘abuso’, ‘agressão’ e ‘violência entre lésbicas’ para definir a complexidade das relações lésbicas. As lésbicas temos uma carência cultural própria e há muito habitamos a linguagem dos homens, a linguagem patriarcal é limitada para definir nossas experiências e constrange nossa imaginação. A sexualidade lésbica é um tabu rodeado de medos e ansiedades. Por meio de um feminismo que empaca em palavras da experiência de sofrimento, carece-se de narrativas da corporalidade que não sejam as de vitimização dessa experiência, viciando a compreensão de mundo em um simbólico limitado que vem precarizando simbolicamente o existir lésbico. Não é de agora que os feminismos erram de estratégia ao criar uma simbólica de maltrato, de sofrimento. Necessitamos produzir e habitar nossos imaginários também com as experiências da alegria e criação, resistência. A precariedade simbólica de um feminismo que reduz a compreensão das relações como sendo ou ‘abusivas’ ou…puras? Perfeitas? Seria a perfeição relacional possível, ou talvez isso seja a própria imagem da morte, do fim, por representar uma perspectiva de fim-da-História, onde não seja mais necessário realizar-se mais o devir e reinvenção de si inerentes à vida?

     As lésbicas que são leais a pensamento e éticas lésbicas representam uma ameaça para movimentos feministas heterocentrados, reformistas e vitimistas, e sim, uso a palavra vitimista embora seja polêmica, desde meu lugar de lésbica e não desde o patriarcado. Pois geralmente se tratam de discursos que nunca apontam para a responsabilidade das mulheres em sua libertação e em sua capacidade para isso, e sim sempre mulheres como produtos determinados da materialidade incapazes de superar e intervir na sua vida, retirar sua participação no que a oprime, criar sua existência, retomar sua autonomia, o que me parece uma subestimação muito grande das próprias mulheres.

     Penso em um feminismo numa ética diferencialista de valorizar o habitar o Afora (Margarita Pisano) [3], não que busca entrada no Patriarcado (Sonia Johnson) [4], um feminismo separatista que aposta na capacidade de criar nossas vidas, à diferença de um feminismo voltado ao demandismo de políticas e direitos ao Estado e Patriarcado. [5] “Ensinem os homens a não nos estuprar”, posições de passividade, de espera de cessões do Estado e Patriarcado, que pôe nas mãos do outro a possibilidade de satisfazer suas necessidades existenciais. Se passamos a produzir nossa autonomia de vida, superamos o lugar de vítimas sentenciado para nós e perpetuado pela dependência na agenda de direitos e reformismos. A lésbica autônoma realiza uma radicalidade que consiste em mostrar uma possibilidade política que não a da postura ressentida (chamado por Nietschze de niilismo reativo, que apenas reclama e se queixa numa crítica sem potência transformadora)[6], o ressentido que ataca ao Outro, ao Estado, ao Patriarcado, aos outros, pelo que não tem. A autonomia aponta para uma postura ativa, que cria sua vida, sem esperar dos outros e dos sistemas. A lésbica autônoma se faz responsável de si e toma a vida em suas mãos, realizando o Cuidado de Si, saindo da ilusão de sermos faltantes e de que o sistema tem algo do qual precisamos, uma construção que é conveniente ao próprio sistema por legitimá-lo e criar dependências de novos maridos psicológicos e institucionais. Também acredito que quem consegue buscar novas formas de se afetar criativamente, quem cuida de si, não precisa denunciar ninguém nem excluir ninguém como sendo o causador de seu Mal, nem coagir as demais mulheres a isso e que a maternalize nas práticas de exclusão de uma mulher ou outra que me desagrada e de quem falo mal, não peço proteção a ninguém porque cuido de mim. A lésbica que vive na intensidade não precisa mais disso, esquece suas mágoas, porque vive intensamente e é causa ativa de sua própria potência.

     As lésbicas que podem desestabilizar o pensamento religioso, a doutrina, o cultismo das teorias e das dinâmicas de movimentos políticos capturados, onde firma-se uma identidade estática, a lésbica propositora, ela desestabiliza. Isso gera as depreciações de que as lésbicas são agressivas e hostis, porque dificilmente no movimento uma mulher que acusa a outra se faz cargo do que produz em si o encontro com uma provocação reflexiva ou com a imagem intrigante desta Outra. E limita-se ao simbólico feminista que reforça a auto-imagem vitimista instaurada pelo patriarcado por meio da feminilidade: nomeio como agressão, como agressora, como agressiva e violenta. Esta rebeldia da pensadora é na verdade sentida como agressão a uma Verdade e logo, como a si mesma no caso da feminista que sente a desestabilização da sua verdade e fé como algo agressivo. Essa é a dinâmica que se vê, acusatória, onde coloco isso como característica da outra, e não como algo produzido em mim, questionamento do qual me defendo. Dinâmicas que se repetem entre feministas, onde não me faço cargo da minha própria fragilidade autoproduzida e auto-condescendência.

     Quero pensar sobre apedrejamento para pensar sobre o punitivismo também, dentro do feminismo, contra lésbicas. As práticas de rumor, de exposições, de linchamentos políticos e destruições psíquicas de lésbicas. A repetição de outros arquétipos patriarcais e calúnias lesbofobicas tais como lésbicas predadoras, agressoras, monstruosidades, pederastas, corruptoras de mulheres ou de meninas, possessivas, dominadoras, machonas, autoritárias, que exercem poder, especialmente dirigidas às divergentes da feminilidade. Narrativas negativas/depreciativas sobre a lesbianidade sedimentadas na Cultura. Narrativas estas, interiorizadas por nós, lentes heterossexuais com as quais nos vemos. Lentes que atuam cegando, cegando por exemplo um olhar para as subjetividades e relações lésbicas, a tomar por exemplo, o tratamento cristão que vemos, dado ao tema de lésbicas que estiveram em relações difíceis. Realidades lésbicas tomadas de forma individualista e num tratamento moralista, ignorando as forças que produzem os relacionamentos lésbicos instáveis ou problemáticos numa sociedade heterossexista.

     São tratamentos desumanos, de exclusão, julgamento, sentenciamento e punição severa, piores dos que as formalizadas pelo Estado Penal de Direito, que ao menos se dispôe de recursos formais de autodefesa, direitos, formas de evitar o mau-uso do instrumento. Tratamentos desumanizadores, de estigmatização, que geram dor psíquica inestimável e invisível. Excluem quem já se encontra numa situação de exclusão radical: a lésbica. Excluem aquela que já se encontra desterrada num mundo de homens, num mundo heterossexual, quem já é precarizada em vínculos sociais e quem já sofre séculos de estigmatização, quem já é estigmatizada e demonizada na Cultura, sendo sem muita dificuldade que se retomam os estigmas na hora em que convêm depreciar uma lésbica e negativizar sua existência, manchar. [7]

     Talvez isso se deva ao fato de que lésbicas são vistas como menos que humanas. Se para a categoria mulher aceder ao humano, privilégio da masculinidade, já é difícil, a Lésbica não é vista como mulher [8], escapa a essa categoria e se torna o abjeto. A Lésbica é uma aberração. Lésbicas não são humanas, são corpos abjetos [9], a serem eliminados fisicamente e narrativamente, contidos no ameaçador que representam, no irrepresentável que apresentam. Por isso as lésbicas somos tomadas como bestas predadoras, opressoras, agressoras/lesadoras da zona de conforto de mulheres heterossexuais ou dos códigos da feminilidade.  Somos indecentes para a sociedade e por isso, não existe tratamento humanitário para lésbicas. É essa a herança histórica recente de séculos de aprisionamentos, tratamentos com eletrochoques, manicômios, assassinatos, genocídios, os corpos abjetos terríveis sendo queimados nas fogueiras e apedrejados até sua desaparição. Caluniadas como molestadoras, pederastas, corruptoras e depravações sexuais. Seguimos sendo tratadas como criminosas por séculos e séculos, agora até mesmo pelo feminismo.

     Como não percebem que nessas ações de violência ainda inomeável como tal, como atrocidade que é, sendo atuadas por forças patriarcais que residem arcaicamente em nós, mulheres? Que atuamos a misoginia antiga do patriarcado, que atuamos como colaboradoras dessa ordem heterossexual? Que traímos as lésbicas, que somos movidas por colonização heterossexual mesmo as lésbicas, quando aplicamos as leituras heterossexistas sobre a existência lésbica e suas relações, suas vivências e dificuldades, sua precarização emocional e psicológica num estado de lesbofobia e lesbicídios, de sabotagem das vidas lésbicas? Atuamos, como diz Mary Daly, como fembots[10], que traduzo como robo-fems ou robô-minas, do Patriarcado, como “policiaizinhas” do Patriarcado, desde o que fomos programadas a fazer: reforçar sua ordem. Ajudar a perseguir as bruxas, as pecadoras, as convertidas em monstruosidades, as que devem ser mortas e afastadas, excluídas, as que devem ser extintas, as ameaçadoras, as adúlteras e infiéis às éticas patriarcais, as lésbicas, as indecentes, as que existem como seres sexuais, as malcriadas, as desobedientes da feminilidade como as sapatonas butch, é algo que fazemos frequentemente, participando do maquinário masculino.

     Participar em abusos ritualísticos grupais, contribuir em exposições e destruição de reputação de mulheres e lésbicas, demonizar mulheres/lésbicas com quem se teve um conflito e caluniá-las, acusar mulheres e lésbicas por falhantes morais, culpabilizando-as por erros irreparáveis em cruzes que devem carregar por toda sua vida, cristianamente, induzir pessoas à rituais psíquicos de auto-flagelação e loucura destruindo sua auto-estima… São equívocos éticos incongruentes com o compromisso [lésbico]feminista que firmamos. Passagens ao ato de violações do outro, geralmente possibilitados pelo clima grupal que socializa e autoriza a perversidade, que desculpa e redime e paradoxalmente, coloca aquela que é agredida violentamente e mutilada psicologicamente como agressora e violentadora, impregnando nela conceitos de Ser que demonizam a pessoa dela pelo que ela é, como se nascesse aquilo e fosse ser sempre aquilo. É a situação cármica que encontramos e reencontramos, em situação de repetição e retorno do mesmo: novamente, a caça as bruxas, a cada reencarnação. A cada reencarnação, as pedras que nos matam.

     Apedrejamentos no movimento social, onde mulheres ou lésbicas escolhidas como bodes-expiatórios da vez são escolhidas para despejar-se o Mal que habita em mim, para que eu me purifique e atenda ao arquétipo de santa e virgem patriarcal da feminilidade. A demanda da mulher descorporizada, que não tem afetos de agressividade ou irritabilidade, por serem pecados, pois mulheres não devem ser violentas, diz-se. Porém mulheres podem ser violentas de forma perversa, não de forma aberta e objetiva nem física, por meios indiretos permitidos à feminilidade e não tão menos terríveis, que são os bullyings e as fofocas, as intrigas, picuinhas que resultam num estado de abuso e violação psíquica não reconhecido em sua importância. A mulher feminina e dócil que jamais será acusada de ser alguém agressora às outras ou à zona de conforto de alguma, pois não vai romper com a expectativa de que mulheres devem se portar sempre bem e que se forem atuar uma violência, que a pratiquem de modo venenoso e invisível, pelas costas, intoxicando vínculos e fomentando imaginários em torno a sua ‘inimiga’. As lésbicas alvos desses rituais de maltrato são apedrejadas até sua morte política, social, psíquica, existencial, artística, intelectual, rebelde. São amansadas e finalmente, sua potência assustadora entrou em estado vegetativo.

     Visibilizar o apedrejamento simbólico é uma crítica à todas exposições, todos escrachos, todas pseudo-denúncias (public shaming) policialescas e aquelas em forma de fofoca com a ausência da outra para que esta não possa se defender. Todos falsos relatórios, tegiversações, o ‘disseram que’, exageros e leituras parciais de um conflito atravessadas por subjetivismos distorcionantes do relato. Porque não vejo como qualquer uma dessas atitudes possam chegar a ser humanas. É impossível ser algo humano o escracho descaracterizado e oportunista contra lésbicas. Jamais vai ser uma forma humana de abordar problemas entre nós, uma forma construtiva de abordar o tema que se propôe supostamente a denunciar e que lhe confere tanto ar de legitimidade chantagista. O apedrejamento escrachativo promove apenas invisibilidade lésbica, por invisibilizar nossas narrativas e histórias e a história daquela pessoa que se maligniza. Na tradição punitivista herdada por séculos de violências de Estado, Tiranias e Patriarcado, a pessoa é sempre o que é tornado maligno, não é a crítica à sua ação. Na lógica punitivista, nunca vai importar entender a história daquele sujeito transformado em “o bandido”, “o traficante”, “a lésbica agressora”. Nunca vai haver interesse em questionar-se o que produz os sujeitos, que condições vivenciadas, quais violências, exclusões vivenciadas e qual seu impacto psíquico para que tenha se tornado alguém tão ‘ruim’. Logo, entendo que o punitivismo aplicado às lésbicas é incoerente com a própria premissa radical que se volta a entender a materialidade que nos constrói e às mulheres, lésbicas.

     Quando falo em punitivismo, não apoio a apropriação dessa discussão pelos homens e seus casos de violência, porque são atrocidades sistemáticas e convictas, que já foram demonstradas para nós em exemplos e vivências que voltam a se repetir por mulheres. Eles não tem interesse em se desconstruírem que lésbicas e feministas sim, se interessam, desde que integram um movimento social e vem realizando um processo de autoconstrução e reconstrução de si, desfazendo-se de comportamentos de subordinação, feminilidade, maquiagens, depilação ou heterossexualidade. Os homens tem poder estrutural demais e é muito perverso seu terrorismo, e ele se extende até mesmo nos movimentos sociais e na esquerda. Não precisamos mais provas de que não é possível o diálogo com eles e que eles representam um risco à nossa sobrevivência.

     Abordar o punitivismo de maneira crítica [11] serve para refletir as relações entre mulheres no movimento. Serve para possibilitarmos pensar porque nos tornamos aquilo que se diz e se acusa de forma condenatória. Seja uma mulher acusada de raivosa ou agressiva ou uma mulher que reage mal à perda da outra, ou a que não entende limites (questão que na verdade, pouco se avançou nas relações num geral, é apenas uma consequência de uma ética que tomamos generalizadamente, quando até a noção de sororidade em si exige que se ignore os limites próprios de uma). O que a subjetiva, o que a construiu daquela forma, que informações recebeu ou não recebeu. O que nos construiu para não atendermos às expectativas morais perfeccionistas do movimento, do porque tivemos tal dificuldade relacional num momento de nossas vidas, ou porque se repetem essas ações-sintomas negativos quando nunca foram tratados e retirados do inconsciente e dado um destino diferente a isso. Quais as forças heterossexistas em jogo, como entendermos melhor as lésbicas e seus desafios, como acolher as ambiguidades e complexidades que compôem a subjetividade lésbica ainda desconhecida para a teoria feminista ou para a história, depois de séculos de silêncio sobre essas existências. Chega a ser uma perda científica, de oportunidade de pesquisa lésbica. Uma perda teórica. De criarmos teoria, pensamento, reflexão, para entendermos e recriarnos, dentro das éticas que idealizamos. Como melhorar nossas comunidades entendendo o que passa com nós, olhando para as nossas questões. Deixar de acolher e de buscar entender nossas contradições é seguir no vazio histórico (Margarita Pisano), seguir na nossa falta de história própria de mulheres, nossa falta de memória coletiva, de produções, de criação de cultura, vazio que faz com que, na falta de referentes novos ou diferentes, repitamos os modelos patriarcais que existem eternamente.

     O apedrejamento apenas evita o problema por aniquilar a pessoa que se considera que carrega o Mal, e achar que assim livrou aquela sociedade da malignidade por eliminar alguém produto daquela sociedade. Sem necessidade de mudar a cultura e sem ter que mudar nada, no velho e conhecido punitivismo que vem de séculos de patriarcado e penas de mortes, torturas, mutilações ‘justas’, e formas de punição de transgressoras/os ou rebeldes, muitas vezes em sua maioria, falsamente acusados/as. Aqueles que saíram da linha por algo. Uma forma de controle social: as punições, a penalização, a forma que fazemos o outro pagar com dor, loucura, manicômios, ostracismo, isolamento, sofrimento psíquico e físico. Quando julgamos, atacamos, condenamos, criticamos o outro, é o fascista em nós, o policial que nos habita, o desejo colado ao poder, que atua. [12]

     A acusação é perversa, por seu ar de legitimidade. A acusação (rumor) é tão tomada sem crítica e como verdade absoluta como eram as acusações que se faziam de que as bruxas deitavam com o demônio. De maneira semelhante, a acusada no movimento, acusada de qualquer coisa que seja mentirosa, distorcida, exagerada ou imaginativa-paranóica, ela é levada à insanidade, ela é torturada coletivamente até delirar sobre a malignidade atribuída a si e isso afetar seu autoconceito, vendo-se com os termos dos outros que a depreciaram. Ela assim como as bruxas do passado, depois de tanto cansaço, admite ter dormido com o demônio. Apenas para de, qualquer modo, ser queimada e morta. Jamais a confissão a livraria. Jamais a confissão ou o contrário, a preservação da sua vida pessoal do juízo das hordas perversas e a escolha pela recusa em dar satisfações, a livram ou vão a dar uma chance de não ser aniquilada ou de ser integrada novamente ao coletivo, àquela que é escrachada. É a loba expulsa da alcateia, a loba solitária, que uiva de dor ao se ver em um desterro radical: a margem da margem da margem da margem. A exclusão da exclusão. Excluída como lésbica, excluída da heterorrealidade, excluída de uma comunidade lésbica de sobrevivência cultural, e muitas vezes, excluída por outras posições estruturais de vulnerabilidade que se somam, resultando em uma solidão implacável e potencialmente enlouquecedora, suicidante.

     A situação de ser penalizada me lembra um filme chamado Precisamos Falar sobre Kevin. É uma história fictícia sobre uma mãe de um filho que é como esses adolescentes norte-americanos tidos como psicopatas, que saem matando seus colegas na escola. A mãe dele era uma escritora de sucesso e tinha uma família e um casamento. No momento presente encontra-se com ela na sua situação após o aprisionamento do filho e os incidentes de massacre estudantil: totalmente precarizada, esmolando um subemprego de loja em loja numa cidadezinha pequena onde todos a boicotam por ser a mãe do menino que matou várias crianças. Sua vida acabou, mal consegue alugar uma casa. Sua casa e carro são constantemente assaltados por legumes e tintas sendo atirados contra eles, e pixos a escrachando por ser a mãe de um assassino em série. Ao longo do filme, mergulhamos na mente da mãe: desde sua gravidez indesejada quando ainda solteira, com o ex-marido transando sem camisinha avisando em última hora, à mudança total de sua vida e a perda de liberdade com a gravidez. A depressão pós-parto e a dificuldade de adaptação à maternidade, a criança dessubjetivada e desinvestida que cresce, a criança quase autista anti-social, a dificuldade de ser mãe dessa condição. As contra-transferências – raivas, irritabilidades, agressividades – produzidas na mãe pela sobrecarga materna, a culpabilização da mãe constante, a desolação da mãe que acompanha as tendências anti-sociais do filho que cresce, a tentativa de ser mãe exímia e tentar afetar aquela criança apática e sem capacidade de empatia. Mostra como a maternidade e as cobranças e culpabilizações vão minando sua autoconfiança e tornando-a resignada. Ela vai percebendo as questões do seu filho, mas o contexto a desola, não a crê, não encontra interlocutor, o problema é ela, má mãe, que precisa amar mais ao filho. Ela vai percebendo as tendências do filho mas ninguém a crê, ela não sabe lidar com ele, a ambivalência materna: mães também podem chegar a odiar seus filhos. Um dia, recebe a notícia de que houve um massacre no colégio, e mataram-se centenas de crianças e adolescentes. Preocupada por seu filho, vai ao local apenas para descobrir que o assassino é seu filho.

     O filme fala sobre o punitivismo, o escracho, a injustiça. É nos dada a oportunidade de compartilhar a mente da personagem, culpabilizada e que sofre linchamentos na sua cidade, inclusive físicos. [13] Nos é dada a oportunidade de estar mais perto da pessoa que é escrachada injustamente, de acompanhar os filmes que rodam na sua cabeça retomando o passado, ininteligível e incompreensível para os demais, incapazes de lançar um olhar empático para a sua pessoa. Incapazes de buscar entender sua história. Apenas ela é testemunha e tem que viver aquela condição dolorosa com a coragem que lhe resta, e pagar um preço desproporcional pelos supostos erros cometidos, no caso o ‘erro’ e culpa de ter tido um filho num momento da sua vida.

     Precisamos parar com os apedrejamentos, parar de apedrejar o psicológico das lésbicas, jamais isso será uma forma de reflexão sobre o problema apresentado, jamais será uma proposição de futuro para nós. Precisamos parar com as práticas patriarcais, como uma necessidade urgente de nos des-heterossexualizar e des-misoginizar. Para que possamos sair da engrenagem do Patriarcado, parar de ajudar essa engrenagem e esses ciclos de destruição e iconoclastia de mulheres/lésbicas e sua cultura toda vez que esta ensaia nascer.

     Precisamos parar de trabalhar como algozes para os patriarcas, e por fim, precisamos parar de destruir a nós mesmas. Destruir existências lésbicas e sabotar potências criadoras, devires e subjetividades lésbicas, por meio dos assassinatos políticos e sociais dos escrachamentos ignorantes. Precisamos parar de perder lésbicas e suas contribuições tão importantes, intelectuais, artísticas, políticas, criativas, nessa política de aniquilação e nesse feminicídio simbólico ritual entre nós. Ao dizer que precisamos parar esse ciclo, eu vejo como equivalente a parar de ser a mão que faz a infibulação da menina, da própria filha, para entregá-la a um homem, parar de ser a mulher que joga pedra na adúltera. Parar os ciclos de traições entre mulheres históricos, essa doença hereditária que precisamos nesta geração, dar um fim. E que só daremos um fim quando passarmos a ser agentes, e não apenas vítimas, dentro dos nossos feminismos. Quando paremos de ser cúmplices nessas violências, de participar nelas e se deixar ser coagida a elas, perdendo o senso crítico na licença grupal para a desumanidade. Cortar esse ciclo de colaboração com a cultura patriarcal que instaura esse estado de atrocidade e essa guerra contra mulheres, contra lésbicas. A colaboração simbólica heterossexual por parte das lésbicas ocorre quando nos tornamos ignorantes de nossas histórias, e de umas éticas lésbicas, que priorizam lésbicas e as colocam em primeiro lugar, que entendem como imperativo ético e compromisso político firme feminista e lésbico o tratar-nos às lésbicas de outra forma, não contribuir endossando a visão heterocentrada que nos apaga para fora da existência, que nos anula, e invisibiliza. Uma vida lésbica é uma vida que não se repete. Nenhuma a menos, pelo fim dos assassinatos físicos de lésbicas, mas também pelo fim dos assassinatos simbólicos e políticos de lésbicas nessa heterossexualidade compulsória disfarçada de justiça linchativa.

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Notas e Referências:

 

[1] Andrea Franulic & Insu Jeka. Daqui não sai: reflexões sobre o rumor. Santiago, Chile, 2014. Disponível em https://we.riseup.net/radfem/reflex%C3%B5es-sobre-a-fofoca

[2] O conceito de public shaming eu me apropriei após a brilhante e corajosa palestra de Jon Ronson, Como um Tweet pode arruinar sua vida, no Tedx (canal de palestras no youtube). A palestra aborda o impacto das exposições virtuais com intencionalidade justiceira, como uma modalidade de violência, a virtual. Me pareceu um conceito muito bom para começar a debater e visibilizar essas violências que vem ocorrendo no mundo online e dentro dos feminismos.

[3] Margarita Pisano. Fantasear un Futuro, introducción a un cambio civilizatorio. Editorial Revolucionarias. Chile, 2015.

[4] Sonia Johnson. Going farther out of our minds. Vídeo no youtube. Também “Tirando os nossos Olhos dos Homens”. Tradução em radfeminismo.noblogs.org

[5] “A política de reivindicações, por mais que sejam justas, por mais sentidas que sejam, é uma política subordinada e da subordinação, porque se apoia sobre o que resulta justo segundo a realidade projetada e sustentada por outros e porque adota, logicamente, suas formas políticas” (Librería de Mujeres de Milán. No Creas tener Derechos. Madrid. 1991).

[6]Amauri Ferreira. Introdução à Filosofia de Nietschze. Editora Yellow Cat Books, 2010

[7] Margarita Pisano abordou a questão dos preconceitos em Segredos, Chantagens e Rumores: Os preconceitos. Mas também quem desenvolveu muito o tema do rumor e das calúnias, e há uma parte sobre preconceitos, embora tenha minhas críticas, é Leandro Karnal em Detração: Breve ensaio sobre o Maldizer. Editora Unisinos, Vale do Rio do Sinos, 2016.

[8] Wittig fala que lésbicas escapam à mulheridade, ao não submeterem à exploração heterossexual que caracteriza a classe das mulheres. Esse escapar deposita a lésbica na ininteligibilidade social e no medo que despertam. No entanto tal lugar é potente justamente por isso. (Monique Wittig. O Pensamento Heterossexual e outros ensaios. Editorial Egales. Barcelona. 1992).

[9] Conheci o conceito de corpos abjetos e abjeção com Judith Butler, mas na verdade ela retirou esse conceito de Julia Kristeva, psicanalista francesa, no livro Poderes do Horror. A abjeção, a outridade, o estranho, o ‘anormal’, desorganiza a identidade pessoal e gera profundas ansiedades paranóicas: “De acordo com Julia Kristeva, o abjeto é aquilo do que o eu deve se liberar para vir a ser um eu. Uma substancia fantasmática, alheia ao sujeito, mas íntima a ele, tão íntima que sua proximidade produz pânico. O abjeto aponta para a fragilidade de nossos limites corporais, para a precariedade da distinção espacial entre dentro e fora, assim como para a passagem temporal do interior do corpo materno a exterioridade da lei do pai. Espacial e temporalmente, a abjeção é uma condição na qual a subjetividade é problematizada e o sentido entra em colapso.(…)” “..como num teatro verdadeiro, sem disfarce e sem máscara, o dejeto como o cadáver me indicam aquilo que eu afasto permanentemente para viver. Porque a abjeção é, em soma, o outro lado dos códigos religiosos, morais, ideológicos sobre os quais repousam o sono dos indivíduos e a calma das sociedades” Em https://www.eba.ufmg.br/grupo/textopiti01.htm

[10] Mary Daly. Gin/Echology. The Metaethics of Radical Feminism. Beacon Press; Boston. 1978.

[11] Maria Lúcia Karam. A esquerda punitiva. In: Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade, ano 1, número 1, 1º semestre de 1996. Disponível em https://we.riseup.net/radfem/esquerda-punitiva

[12] “Portanto, é concebível que um grupo possa ser revolucionário do ponto de vista do interesse de classe e dos seus investimentos pré-conscientes, mas não sê-lo do ponto de vista dos seus investimentos libidinais, e manter-se até mesmo fascista e policial. (…) o ponto de vista do investimento libidinal, nota-se bem que há pouca diferença entre um reformista, um fascista, às vezes até certos revolucionários, que só se distinguem de maneira pré-consciente, mas cujos investimentos inconscientes são do mesmo tipo, mesmo quando não esposam o mesmo corpo.” (Deleuze e Guatari. O Anti-Édipo – Capitalismo e Esquizofrenia. Editora 34 Ltda. São Paulo, 2010)

[13] Um artigo genial sobre Linchamento foi escrito por Marcia Tiburi para a revista Cult. Pode ser lido em:  http://www.geledes.org.br/linchamento/. Também é interessante seu texto sobre o “Poderzinho”, que também se encontra no site da revista Cult, para agregar nessa reflexão, uma vez que essas ações no movimento social e na vida são motivadas pelo interesse de micro-poderes compensatórios por parte de oprimidos.