por Andressa Stefano
*SENALE: Seminário Nacional de Lésbicas, que ocorreu em abril de 2014 em Porto Alegre. Neste seminário foi enterrado o histórico espaço de lésbicas, responsável dentre outras coisas pela articulação das caminhadas lésbicas pelo país e pelo dia da Visibilidade Lésbica. No seminário foi votada a mudança do nome para Senalesbi.
Se o movimento feminista não é crítico do Poder, não é movimento: são funcionárias do Estado.
Lidia Falcón
A pós-modernidade que se infiltra no movimento feminista está despolitizando e descentralizando as pautas do movimento das mulheres. E uma das táticas disso, é a ressignificação do conceito de feminismo, ou uma ampliação do que seriam vários conceitos de “feminismos”. Temos que retomar o conceito de feminismo, e, a partir desse conceito, é inevitável que surjam diversas táticas de combate ao patriarcado. Essa abertura, relativiza e desestabiliza as forças que sempre pulsaram na base do movimento (ou seja, as próprias sujeitas, as lésbicas) e que lutam por pautas específicas e materiais, por termos realidades materiais e opressões materiais. A segunda onda feminista foi de onde mais saíram escritoras e teóricas, e, infelizmente, estão sendo apagadas à força pela academia engolida pela teoria queer, e, mais recentemente, o ativismo trans.Uma das consequências dessa relativização do conceito de feminismo, é também a relativização da identidade lésbica. Se para os liberais não existem estruturas, tudo é auto-identificação e relativismo, então qualquer um(a) pode ser lésbica, qualquer um pode ser mulher. Basta se “identificar” com essas categorias. O que eu vi no SENALE foi a materialidade do que antes só estava na academia e em ambientes restritos. Me assusta ver feministas marxistas e materialistas fechando com o conceito de “identidade de gênero” e mais surreal que isso só mesmo “falo lésbico”. Me pergunto se isso é uma tática partidária, ou se é falta de formação política da juventude feminista. Qualquer uma das duas, é extremamente preocupante e me faz temer o rumo que o feminismo está tomando enquanto movimento político, e quais pautas concretas, a curto, médio e longo prazo, nós queremos trazer para a realidade das mulheres lésbicas. Essa “união” e uma teórica “visibilidade das bissexuais” está desarticulando o único movimento que ainda tínhamos para falar sobre nós, sobre as nossas vivências, e nos organizamos politicamente enquanto sujeitas autônomas, de um feminismo revolucionário, e não mais um espaço colonizado, em que as lésbicas são secundarizadas e marginalizadas.Lésbicas existem muito antes do feminismo existir enquanto corrente teórica e movimento social. Lésbicas foram queimadas em praça pública, foram bruxas, foram mortas, foram estupradas. Lésbicas resistiram à heterossexualidade como regime político, foram marginalizadas, excluídas dos espaços públicos e políticos. Lésbicas feministas resistiram à apropriação e invisibilidade do movimento LGBT que sempre foram espaços majoritariamente masculinos que não nunca se propuseram à lutar para um desmantelamento da supremacia masculina, mas sim, uma reforma política para uma “convivência pacífica” entre as ditas “minorias sexuais” e uma manutenção das estruturas patriarcais que mantém as mulheres sob controle masculino. Os espaços gays neo-liberais sempre foram tóxicos para as lésbicas, sempre foram colonizadores e despreocupados com a nossa vulnerabilidade peculiar na sociedade feita por homens e para homens.Lésbicas radicais propuseram e propõe espaços de resistência apenas de lésbicas com o intuito de fortalecer a autonomia e a militância combativa e organizada. Separatismo é resistência. É tática neo-liberal nos fazer acreditar que temos que nos unir “a tudo e todos”. Gays não vão lutar pelas lésbicas. Gays estão preocupados em manter o status quo e manter o acesso aos nossos corpos mesmo que, supostamente, não tenham desejo pelos mesmos. Trans vão lutar pela identidade de gênero, pela aceitação dos seus nomes sociais perante o Estado, mas não vão lutar efetivamente pela desnaturalização da violência que acomete as fêmeas. Vejam que, dentro do ativismo trans, os homens trans não são destaque, e isso é só uma consequência de um movimento que privilegia o sexo masculino, assim como quase todo movimento social. Se não lutarmos pelas pautas que nos acometem, das quais somos protagonistas, querendo fazer maternagem com outros grupos vulneráveis, estes mesmos grupos não o farão pela gente. O movimento feminista é o único movimento em que existe uma coerção para acolher “à todxs”, como uma grande mãe que luta por todos aqueles que sofrem. O FEMinismo é para nós. Saio deste SENALE decepcionada, sentido falta de FEMINISMO LÉSBICO. O que é uma incoerência absurda em um seminário que tem um slogan de “lesbiandade e feminismos”. Proponho uma união entre as sapatas, em pensarmos em como construirmos de forma autônoma e efetiva um novo espaço de articulação. Mais uma vez, nós estamos saindo dos espaços, enquanto todo o resto se pendura no braço movimento lésbico.
espaços lésbicos e a palavra lésbica mesma é uma grande heresia no heteropatriarcado, e estão proibidos.
todo espaço lésbico será alvo de tentativa de desarticulação e desaparição, pois a heterossexualidade compulsória quer desaparecer as lésbicas.
se relacionar com homens não modifica o sistema, homens são opressores tanto das mulheres quanto das lésbicas. bissexualidade não ameaça o contrato heterossexual que é a base da opressão das mulheres. o ponto da lesbaindiade e da lesbofobia é sofrer a retaliação devida a isso, a recusar esse contrato. é uma questão específica e apagar esse nome só invisibiliza ainda mais a política lésbica.
unidade de mulheres e lésbicas faz sentido dentro do feminismo, na luta anti capital, mas não vejo sentido dessa unidade existir em espaços específicos, que são importantes para desarticular o Poder, sejam eles de lésbicas, de negras, de mulheres nascidas mulheres, etc…
SENALEGBTHYIX…. pronto. Inclui todo mundo então. Desaparece o nome lésbico. Isso que já tem seminário nacional de trans, e até onde sei, não estão nem um pouco interessad*s em ficar defendendo pautas lésbicas ou de outr*s em seus espaços. Só as mulheres e lésbicas que tem que ficar brigando entre si por causa de trans ou qualquer outro grupo político, como se não pudessem se organizar por si mesmos. Mas ok, isso jamais seria discutido desde baixo, o senale inteiro foi imposto desde cima e decidido anteriormente, é a política de gabinetes, governamental, e fundos de militância que decidem tudo, inclusive a diluição dos conceitos feministas pra dentro da diversidade sexual de mercado neoliberal, a adoção acrítica de noções humanistas e liberais de ‘aceitar todo munde’. As mulheres sempre temos que estar acessíveis, nossos corpos, espaços e políticas.
ocupar espaços de grupos oprimidos é violência e nunca deixará de ser.
As políticas de desaparição do nome lésbico, integrando então, as políticas de apropriação das mulheres e acessibilidade das mesmas. Patriarcado.
é um retrocesso a respeito da noção de visibilidade lésbica.
Pior se não surgem com a idéia de substituir o nome ‘lesbofobia’ por ‘LESBIFOBIA’. Sem noção apagar a noção de lesbofobia. Isso é um erro de análise. Bissexuais não sofrem retaliação lesbofóbica, enquanto estão com caras podem sofrer misoginia, racismo, discriminação imigratória e afins, mas lesbofobia NÃO. Só lésbica e mulher que está com mulher sofre LESBOFOBIA. Portanto não existe bifobia.
E lá se foi mais um espaço lésbico… pelas mãos das políticas de desaparição de mulheres e lésbicas.