Para mim, ser uma lésbica significa três coisas.
Primeiro, significa que eu amo, acalento, e respeito mulheres em minha mente, em meu coração, e em minha alma. Esse amor de mulheres é o solo no qual a minha vida é enraizada. É o solo de nossa vida comum junta. Minha vida cresce desse solo. Em outro solo, eu morreria. De todas as maneiras eu sou forte, eu sou forte por causa do poder e paixão desse amor carinhoso.
Segundo, ser uma lésbica significa para mim que existe uma paixão erótica e intimidade que vem do toque e gosto, uma selvagem, picante ternura, um suor doce e molhado, nossos seios, nossas bocas, nossas vulvas, nossos cabelos emaranhados, nossas mãos.
Eu falo aqui de uma paixão sensual tão profunda e misteriosa quanto o mar, tão forte e tranquila como a montanha, tão insistente e mutável como o vento.
Terceiro, ser uma lésbica significa para mim a memória da mãe, lembrada em meu próprio corpo, procurado, desejado, encontrado e verdadeiramente honrado. Significa a memória do útero, quando nós formávamos uma só com nossas mães, até o nascimento quando nós éramos separadas dilaceradamente. Significa uma volta àquele lugar interior, no interior dela, no interior de nós mesmas, aos tecidos e às membranas, à umidade e ao sangue.
Existe um orgulho no amor carinhoso que é nosso terreno comum, e no amor sensual, e na memória da mãe – e esse orgulho brilha tão resplandecente quanto o sol de verão ao
meio-dia. Esse orgulho não pode ser degradado. Aqueles que o degradariam estão na posição de atirar punhados de lama ao sol. Ainda ele brilha, e aqueles que arremessam lama somente sujam suas próprias mãos.
Às vezes o sol é coberto por camadas densas de nuvens negras. Uma pessoa olhando de baixo juraria que não há sol. Mas ainda o sol brilha. À noite, quando não há luz, ainda o sol brilha. Durante a chuva ou granizo ou furacão ou tornado, ainda o sol brilha.
Será que o sol se pergunta “Eu estou bem? Eu valho a pena? Existe o suficiente de mim?” Não, ele queima e brilha. Será que o sol se pergunta “O que será que a lua pensa de mim? O que Marte sente a meu respeito hoje?” Não, ele queima, ele brilha. Será que o sol se pergunta “Sou eu tão grande quanto outros sóis em outras galáxias?” Não, ele queima, ele
brilha.
Nesse país nos próximos anos, eu acredito que existirá uma terrível tempestade. Eu acho que os céus se escurecerão além de qualquer reconhecimento. Aqueles/as que caminham nas ruas as caminharão na escuridão. Aqueles/as que estão em prisões ou instituições para doentes mentais absolutamente não verão o céu, somente a escuridão fora de janelas gradeadas. Aqueles/as que estão famintos/as e em desespero absolutamente não poderão olhar. Eles/as irão ver a escuridão enquanto ela se deita no chão em frente a seus pés. Aquelas que são estupradas olharão para a escuridão como se olhassem para o rosto do estuprador. Aqueles/as que são assaltados/as e brutalizados/as por loucos irão olhar atentamente para a escuridão para discernir quem está se movendo na direção deles/as a cada momento. Será difícil de lembrar, enquanto a tempestade se enfurece, que ainda, mesmo que não consigamos ver, o sol brilha. Será difícil para lembrar que ainda, mesmo que não consigamos ver, o sol queima. Nós ainda tentaremos vê-lo e tentaremos senti-lo, e esqueceremos que ele ainda nos aquece, que se ele não estivesse lá, queimando, brilhando, essa Terra seria um lugar gélido e desolado e estéril.
Enquanto nós tivermos vida e respiração, não importa quão escura a Terra nos rodeie, o sol ainda queima, ainda brilha. Não existe hoje sem isso. Não existe amanhã sem isso. Não
existiria nenhum ontem sem isso. Essa luz está no interior de nós – constante, aquecida, e cicatrizadora. Lembrem-se disso, irmãs, nos tempos escuros que estão por vir.
[Andrea Dworkin – in Our blood]